

O PNR comemorou o 10 de Junho com a melhor manifestação política de que tenho memória. Não sei o que foi dito pelos oradores, apenas tomei conhecimento das mensagens exibidas em cartazes; no que é uma redução ao essencial desse evento, devia ir sem explicação. Apesar da simpatia que frases como Viemos todos a pé! Não há €uros para combustível, Querem mais jovens na política? Não nos prendam!, O Multiculturalismo destrói a identidade nacional, Mais desemprego? Porreiro pá!, Bobos e lacaios de Bruxelas?, ASAE encerra o Parlamento e Nós não invadimos esquadras imediatamente despertam, foram as peças onomásticas a conquistar o meu coração. Ver apoiantes de um partido político, seja ele qual for, a erguerem cartazes com os nomes Viriato, D. Afonso Henriques, Camões, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa é lindo. É lindo porque a associação política a Viriato pressupõe vastos conhecimentos de etnologia celta e das historiografias romana e grega, por exemplo, já para não falar na faraónica engenharia de teses arqueológicas para ligar a Lusitânia a Portugal. É belo ver a assunção pública da figura de Camões, por implicar apaixonada estima pela sua lírica, quiçá por todo o classicismo, seguramente por algum neoplatonismo. Encanta saber do transporte do nome Eça de Queiroz desde o Largo Camões até aos Restauradores, constituindo-se como tour de force daquilo que será o queirosiano e chiadístico realismo da ficção; onde se começa por cumprimentar Carlos da Maia e se acaba abraçado à Luísa ou à Juliana, é escolher. E temos todos, todos sem excepção — portanto, mesmo todos — de nos render ao iluminado dirigente, ou brilhante militante, que se lembrou de ir buscar o Fernando Pessoa ao baú das psicoses ainda não diagnosticadas, visto ter conseguido introduzir no seio de incautos pró-nazis uma criatura que se alimentou da mais densa mística judaica. Agora — e à medida que o opus pessoano for descoberto, estudado e digerido pelos quadros e apoiantes do partido, como será de esperar que aconteça na sequência do apoio público — poderemos assistir a radicais alterações estratégicas no PNR, e até a fenómenos de histerismo colectivo junto de elementos com mais dificuldade para gerir a mudança.
Por todas estas razões, acrescidas do facto indesmentível de nunca nenhum outro partido, em 34 anos de democracia, ter feito um mísero cartaz que fosse para promover estas figuras da nossa história e cultura, vejo no PNR um exemplo a seguir. A política pede este cabedal científico, académico, intelectual e artístico que os manifestantes manifestaram possuir. Esta gente que ergue acima da sua cabeça cartazes onde se inscreve um nome como Eça de Queiroz, numa postura a um tempo popular e fidalga, desafiando a ubíqua apatia do restante eleitorado, poderá em breve sair à rua com faixas onde se tenham impresso os nomes Jorge de Sena, António Botto, Maria Teresa Horta e Wenceslau de Moraes. Não? Sim, é apenas uma questão de tempo. As sementes já foram lançadas.
__
Nota: também vi um cartaz com a imagem de uma caravela e outro com a de um lobo-ibérico, os quais não me atrevo a comentar, aceitando resignado não ser capaz de entender todos os núcleos ideológicos do PNR.