A coisa

Em Fevereiro, a defesa de Sócrates entregou um parecer jurídico onde se argumenta contra a possibilidade de ter existido corrupção de Sócrates – leia-se, qualquer forma de favorecimento que tivesse nascido do seu papel como primeiro-ministro à data – no processo de licenciamento do empreendimento Vale do Lobo. Independentemente dos méritos ou deméritos da peça, algo que só especialistas em Direito poderão avaliar com um mínimo de objectividade, e deixando também sem análise o ponto onde o parecer considera haver uma falha muito grave do Ministério Público na classificação do eventual crime em causa, o que realço é o significado de o Correio da Manhã não ter noticiado o facto. Ou seja, o órgão de comunicação social que mais notícias publica acerca de Sócrates e da Operação Marquês, mantendo uma cruzada furiosa e assassina contra Sócrates e terceiros das suas relações pessoais, resolveu censurar as informações relativas a este documento.

As razões para tal não são difíceis de adivinhar, mas o que o episódio comprova, se mais provas fossem precisas, é que o CM não se comporta como um órgão de imprensa, apenas explora os privilégios legais e sociais desse estatuto. Estamos perante outra coisa.

O palco é um mundo

A morte de Nicolau Breyner comove-nos mais por a sentirmos injusta, cruel perante o que imaginamos que o Nicolau ainda tinha para viver e pela familiaridade da sua presença no nosso olhar. Nesse sentido, é como se tivesse morrido jovem. Um jovem de 75 anos que nos acompanhou e divertiu a todos, grande parte de nós desde que somos gente.

Por coincidência, ligo o seu fim à pujança de um outro actor, Tim Robbins, que está a fazer esta maravilha:

Actor’s Gang: How Tim Robbins has cut reoffending rates

Não sei se o Nico era homem para se meter em tais aventuras, mas de certo que sentiria orgulho por ter um colega assim.

À Barra

O convite a Cavaco para presidir a um Conselho de Ministros do actual Governo já está morto e enterrado na atenção da actualidade. Todavia, ele tem uma importância maior do que aquela registada mediaticamente. Para enquadrar o assunto, recorro a duas balizas que têm a dupla vantagem de serem convictamente socialistas e independentes no uso da liberdade de expressão:

Vital MoreiraContra a tradição, O namoro (este, uma versão do texto anterior escrita com mais diplomacia para com Cavaco), Sou contra

Estrela SerranoBofetada de luva branca

Ambos assinalam que o convite corresponde a uma vingança servida fria num cálice que Cavaco teve de engolir até ao fim. O Vital deixando que se percebesse melhor a sua irritação, a Estrela querendo celebrar o triunfo percebido. De facto, para os homens do ex-presidente, uma súcia de fanáticos do pior que passou pela Casa Civil, este era um Cavalo de Tróia que já se sabia o que tinha dentro e que, mesmo assim, era impossível recusar. Não havia qualquer tanga possível para embrulhar mais uma explosão de ódio, fosse o estar de férias nos Açores para não ir ao funeral de Saramago ou ninguém o ter avisado de haver um acordo com a Europa por obra e graça de um Governo socialista que evitaria o resgate de emergência. Se tivesse recusado, para mais numa encenação de Costa onde inclusive o tema do Mar era escolhido para anular qualquer desculpa concebível, essa recusa tornar-se-ia um escândalo que marcaria de forma insuportável o final do seu mandato – aliás, o final da sua era – e ainda a transição da Presidência para Marcelo. O silêncio da direita partidária e jornalística a respeito do episódio comprova que o golpe foi sentido e foi fundo.

Onde divergem é no significado e implicações da ocorrência para o PS. Vital, institucionalista, foca-se no tempo longo e só vê prejuízos e perigos na decisão de misturar as duas esferas de soberania. Estrela, partidária, desfruta do tempo curto e exalta os méritos do líder, Costa, no ajuste de contas com Cavaco. E estes são os extremos que também faço meus na avaliação desse 3 de Março no Forte de São Julião da Barra. Por um lado, acho que Costa esteve mal ao oferecer a Cavaco a honra de se associar a um Governo que tentou por todos os meios inviabilizar, fora tudo o mais que faz parte de uma História cheia de vilanias em Belém. Por outro, é um grande gozo imaginar a tortura de Cavaco desde que o convite foi feito até à conferência de imprensa no pós-operatório, passando pela foto de família e ter de estar na mesma sala com o Augusto Santos Silva, o Vieira da Silva e o Capoulas Santos.

A importância maior da situação remete para a figura de Costa e o seu exercício do poder. Há duas características que podemos identificar como pilares estruturantes do que é um padrão de comportamento: (i) a sua ideologia é a República, donde lhe vem tanto a devoção à causa pública como um monótono calculismo; (ii) ainda não provou a derrota, causa da sua indomada sobranceria, e esta a explicar a sua incompetência na campanha contra Seguro e nas eleições legislativas. Desta mistura resulta uma sólida inteligência de estadista, por aí surgindo o convite a Cavaco como jogada brilhante em vários planos, e uma substituição da paixão política e ideológica por um pragmatismo cínico, por aí ficando o convite a Cavaco como um teatro hipócrita ao serviço da sua própria pessoa.

Aprecio Costa como republicano e estadista, sendo um dos nossos melhores nessa dimensão, mas não o aprecio como líder, pois a política não precisa de mais cinismo e hipocrisia. Na minha humilde e nada modesta opinião, a política precisa é de mais coragem.

Revolution through evolution

In the absence of caring, understanding alone doesn’t cut it
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Retirement Is Good for Your Health
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Trust your aha! moments: Experiments show they’re probably right
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People in Their 60s Uniquely Benefit From Giving Advice Despite Fewer Chances to Offer It
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Brain tune-up may aid self-motivation
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Meditation and Ballet Associated with Wisdom, Study Says
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Want a younger brain? Stay in school – and take the stairs
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Continuar a lerRevolution through evolution

Escrito em 27 de Agosto de 2009, por quem sabe do que fala

Num Estado de Direito, a investigação criminal deve desenvolver-se aliando a competência técnica à dimensão ética. Quando falha uma ou outra, é a sua credibilidade que fica em causa. Quando falham as duas, a investigação criminal torna-se num jogo de ignomínias.

A história que vier a fazer-se da investigação criminal, em Portugal, nas últimas décadas, encontrará um número significativo desses jogos. Erros processuais grosseiros, estratégias de investigação sem coordenação entre os diversos intervenientes, fugas sistemáticas de informação que parecem querer condicionar o desenvolvimento futuro das diligências, estarão lá, nessa história, sem que, infelizmente, já nada dela aproveitemos.

O que escrevi, não é novidade. Creio mesmo que reunirá algum consenso entre aqueles que habitualmente analisam estas questões. O que surpreende é que, sabendo-se tudo isso, não tenha havido as alterações estruturais que se justificariam. Ao longo dos anos da democracia, a investigação criminal tem-se mantido igual a si mesma, sem sobressaltos, seja nas suas poucas virtudes, seja nos seus múltiplos vícios. Uns e outros, à direita e à esquerda, têm preferido o imobilismo e as suas degradantes e degradadas consequências.

Neste contexto, não será ousado dizer que se criou um caldo de cultura que possibilita, facilmente, a criação de casos em que, mais do que a descoberta de factos, estão em causa desígnios que não cabem na investigação criminal. As corporações tomaram-lhe o gosto, ensaiando aí o seu poder, mas sem terem a noção de que será também aí que perderão a sua causa.

Os danos causados ao Estado de Direito têm sido incomensuráveis. Onde não há credibilidade, não há eficácia. A eficácia traduz a correcção dos procedimentos, a transparência dos propósitos e a sensatez das conclusões. Uma investigação sem credibilidade está inquinada definitivamente, seja qual for a aparência dos seus resultados. Nenhum cidadão gostaria de ser alvo de uma investigação assim. É o que presumo.


Ética e investigação

Por uma Justiça mais competitiva

É sempre bom corrigir falhas do mercado. Pois bem, no concurso de falta de ética, ninguém no mercado português consegue jamais vencer o Correio da Manhã, pelo que o monopólio da devassa é praticamente seu, resultando daí chorudos proventos para o jornal. Ora, como sou a favor da concorrência, sugiro que, para corrigir essa deficiência do mercado, os interrogatórios judiciais a figuras públicas e/ou mediáticas passem a ser feitos em local público, por exemplo, no Coliseu dos Recreios (se calhar ser em Lisboa), com público portador de bilhete e com televisões a transmitir em direto – pagando por isso ao Estado direitos de transmissão. Sempre serão receitas que entram e que muito ajudarão o nosso depauperado sistema de Justiça. Dir-me-ão que estou a ser cínica. Que isso é um julgamento «na praça pública». Um auto de fé! E depois? Os sujeitos não merecem? Digam lá, não merecem?

Não vou tão longe quanto propor que, no final, o público presente se pronuncie sobre a condenação ou absolvição do sujeito interrogado e o público lá em casa também, através de votação eletrónica. Mas isso só não proponho … para já. Pelo evoluir do sistema, poderá parecer lógico que a Justiça se administre dessa forma democrática. Nessa altura, aqui virei fazer a proposta.

Adeus

Estamos a 10 de Março de 2016. O meu ultimo post foi há quase 6 meses, o penúltimo há mais de um ano. Ou seja, mesmo considerando que o meu salário como escriba desta casa é zero, será de qualquer maneira excessivo para tamanha produtividade.

Não sou grande espingarda em muitas e variadas coisas, entre as quais despedidas. Mas os tempos em que contribui regularmente no Aspirina foram dos melhores e mais estimulantes da minha vida, e por isso agradeço a todos os que me leram, os que partilharam, e que comentaram. E, sobretudo, agradeço ao Valupi pelas discussões nas caixas de comentários, pela oportunidade de escrever aqui, pelo encorajamento, enfim, por tudo.

Um abraço, e sabem onde me encontrar.

Ora bolas, Ricardo

“Falar de Cavaco Silva nos dias de hoje sem ser para dar pancada é assumir uma posição absolutamente minoritária” – escreve Ricardo Costa, actual director da SIC, sobre o homem que cessou hoje a sua presidência com a mais alta taxa de impopularidade de sempre. Ora Cavaco é, garante Ricardo Costa, “o segundo político mais importante do pós-25 de Abril”. Como quase pede desculpa por ter essa opinião, deduz-se que quis fazer um elogio do fulano.

Para quem tinha vontade de elogiar, podia ter feito melhor. Porque “importante” quer dizer muito pouco sobre o verdadeiro valor de um político. Salazar, o maior inimigo da liberdade e da democracia no século XX em Portugal, foi o político mais importante do país durante quarenta anos. No fim, até teria mais adeptos do que Cavaco tem hoje. Os maiores carniceiros e liberticidas do mundo durante esse século também foram todos muito importantes – e, em geral, muito populares, até deixarem de o ser.

Ricardo Costa usa o truque de falar do político e não do presidente Cavaco, para fazer abranger pelo elogio ao presidente os anos de vacas gordas do primeiro-ministro. Mas não fica por aqui o chico-esperto na sua intenção de branquear o presidente cessante. Cala, por exemplo, o mega-escândalo das escutas de Belém, uma refinada canalhice vinda directamente de um presidente da República. Sobre as acções da SLN e as mentiras que Cavaco repetidamente disse a esse propósito (que nunca tinha comprado acções do BPN), Ricardo Costa declara agora que foram apenas um erro de “comunicação”, porque tanto esse caso como o do valor da sua pensão de reforma teriam sido “facilmente explicáveis e entendíveis”. Isto dito por quem era director do Expresso quando o escândalo das acções foi revelado pelo mesmo semanário! Que a polémica em torno da pensão de reforma de Cavaco era fácil de evitar, não se duvida. Bastava que o fulano estivesse calado! Mas a compra e venda de acções a Oliveira e Costa, fora do mercado e a preços de favor, não tinha qualquer possibilidade de ser explicada nem entendida. Quem acabou por pagar esse meio milhão de euros a Cavaco e à sua família fomos todos nós, como se sabe.

Se a fama de honesto que Cavaco granjeou entre muitos dos seus apoiantes é totalmente incompreensível, o modo mesquinho, dúplice, ultra-sectário e vingativo como exerceu a sua presidência perdurará na memória colectiva. Que Cavaco não era pessoa “especialmente talhada” para o cargo de presidente é a menor das críticas que se lhe pode fazer, mas mesmo esse juízo é alegado por Ricardo Costa como atenuante. Coitadinho do homem, estava tão sozinho em Belém…

Ora bolas, Ricardo!

Verão Marcelista

Marcelo tem duas características que o colocam na mesma categoria a que pertence o fenómeno Trump. A primeira é relativa à sua condição de estrela mediática, celebridade cujo sucesso está em relação directa com o seu desempenho televisivo como estrela que desperta afectos. Também Trump é um fulano de quem se gosta na TV, nem que seja na modalidade onde ele é um alvo de sarcasmos e caricaturas. A segunda é relativa à sua distância do sistema político. Parecendo paradoxal, mas sendo estritamente lógico, o estatuto de crítico oficial do regime implicava essa suposta e artificiosa distância face aos objectos criticados. Marcelo podia fazer política, no sentido em que tinha uma agenda e preferências, precisamente porque lhe era dado um formato de comunicação onde simulava estar acima da política. Ele era o intérprete autêntico das venturas e desventuras da classe política, o justo e sábio “professor”, tendo perdido ao longo do tempo as marcas da sua passagem pelo PSD. Purificou-se mergulhando semanalmente na merda defecada pela classe política, maravilhas da alquimia circense. Também Trump explora a sua condição angelical, anunciando que está sozinho contra o mundo da política e que é por essa exclusiva razão que devem votar nele e dar-lhe o poder político máximo.

Marecelo fez uma campanha presidencial que consistiu na anulação da paixão política e da querela ideológica. Limitou-se a pedir ao eleitorado que votasse no Marcelo da televisão, fulano muito mais simpático, muito mais popular, muito mais nosso, do que a múmia paralítica que estava em Belém ou do que os toscos e anedotas ambulantes que estavam na corrida ao seu lado. A imbecilidade da esquerda fez o que pôde para o ajudar, tendo até vingado a tese de que a sua vitória era o desfecho desejado por Costa. Depois da eleição, e nesse interim que termina hoje, tem sido aclamado como a escolha unânime do País para ocupar a chefia do Estado. É mais do que um estado de graça, estamos perante o Estado a ser tocado pela Graça.

Marcelo foi um dos mais poderosos e sofisticados cultores da baixa política em Portugal. O seu sucesso também se deve, para além do genuíno talento histriónico, a uma sociedade que aprova e consome esta forma de política-espectáculo que degrada o espaço público e intoxica a participação cívica e a decisão eleitoral. Durante anos, sem o berrado contraditório pedido a outros actores políticos caso sejam socialistas e fortes, a direita e a oligarquia portuguesas, Igreja Católica incluída, dispuseram de um tempo de antena semanal que esteve em perfeita sincronia com a cultura do ódio e a indústria da calúnia, as principais armas usadas por PSD, CDS e Cavaco desde 2008 contra o PS, a democracia e o Estado de direito. Para cúmulo da degradação, até o PS validava esse seu papel. Que se faça um simples teste: alguém recorda alguma crítica de Marcelo ao Correio da Manhã, ou mera reflexão acerca da sua influência? E este: alguém recorda algum alarme de Marcelo a respeito das violações do segredo de justiça, ou mera reflexão sobre o uso de escutas como arma de arremesso político e assassinato de carácter? Se sim, quantas vezes? Se nunca, porquê?

De facto, este país merece o que vai ter. A culpa não é dele, é da sua natureza. Como disse o escorpião.

Na hora da despedida, a história política de Cavaco, por Mr. Magoo

Se Rui Ramos for tão bom a analisar e narrar a História de Portugal, da Península Ibérica ou Universal (confesso não saber a qual delas se dedica agora mais especificamente) como a analisar os mandatos de Cavaco Silva, então a sua atividade académica é um bluff e deve ser «acompanhada» e desafiada. O seu panegírico de Cavaco Silva, hoje, no Observador, não deixa dúvidas, até porque, ao contrário da História mais antiga, a mais recente todos testemunhámos. Da leitura, podemos concluir que Ramos não andou por cá nos últimos anos e, mesmo assim, escreve; que andou, mas não percebeu nada; ou que , a dado momento da sua vida, alguma maleita o levou a ver tudo ao contrário. Seja qual for o caso, o que diz não se recomenda.

Cavaco Silva ganhou eleições, mas nunca conquistou a oligarquia. Por isso, a partir de 2008, o socratismo pôde apostar numa guerra ao presidente em que contou com a companhia do PCP e a ambiguidade frequente do PSD. É esse o contexto do caso das “escutas” em 2009, do BPN em 2011, ou das “pensões” em 2012. Não se tratou de simples “erros de comunicação” da presidência.

Ah, ah. Cavaco Silva vítima da «oligarquia» que nunca conquistou? Esta tem imensa graça. É só ver a maestria com que ele contornou esse suposto «obstáculo». Mas mais graça tem a contextualização das escutas, do BPN e das declarações sobre as suas pensões. Adorei. Foi tudo consequência da guerra que Sócrates lhe moveu. O homem, francamente, nunca inventou (ou nunca quis inventar) escutas nenhumas, nunca comprou a preço de favor nem vendeu com escandaloso lucro ações do BPN (e não foi em 2011) (um banco que se revelou um caso de polícia, mas que estranha ou sintomaticamente não tem responsáveis e muito menos responsáveis condenados), nunca se queixou, ou não se quis queixar, da pensão que auferia. Estava a ser atacado, coitado. Andava nervoso. Ou andava vingativo. Era esse o contexto, finalmente revelado. Mas se calhar nem foi isso: o olho de historiador de Rui Ramos diz-lhe, no fundo, que foi Sócrates que inventou tudo!

Pois bem, esta é uma parte da prosa tristemente humorística de Ramos. Se quiserem prosseguir o triste divertimento, é só continuarem a ler, pois ficarão também a saber que Cavaco tudo fez para evitar ruturas (como em 2011, quando se viu reeleito, lembram-se?), nunca atuou para favorecer o PSD (nunca!), repudiou o diretório europeu (lembramo-nos mesmo bem), quis um consenso absolutamente inocente com o PS em 2013 (não, não queria queimar o PS, nada disso, tirando partido da tontice do Seguro) e, ainda, a grande questão do Estatuto dos Açores e da convocação solene de todos os portugueses em pleno mês de julho, que não foram patetices algumas, tratou-se apenas de uma louvável defesa das instituições. Aqui está um analista arguto como poucos.

Mais: Cavaco podia ter derrubado Sócrates em 2009, mas não o fez. Não queria, mais uma vez, ruturas. Num próximo artigo, Rui Ramos ainda nos há de explicar como é que Cavaco poderia liderar a rutura com Sócrates em 2009, se, contra tudo e todos, incluindo as campanhas dele próprio contra o dito (que muito o fragilizaram, a ele, Cavaco), o PS tinha ganho as eleições e o PSD perdera sob a liderança de Manuela Ferreira Leite. E o Coelho ainda não divulgara devidamente o seu livrinho, acompanhado de cânticos melodiosos sobre o peso do Estado e as gorduras do mesmo. Não é que Cavaco não quisesse, ’tá a ver? O azar é que não podia. Assim que pôde, não hesitou.

Cavaco vai-se, finalmente, embora. Só não vou festejar mais porque já venho festejando há uns tempos e feliz da vida. E sobretudo brindei quando deu posse ao atual governo. Eu e a maior parte do país. Infelizmente, a comunicação social e os inúmeros comentadores da laia de Rui Ramos permanecem. São a herança cavaquista-passista. E isso, sim, justifica uma revolta permanente. Até porque não ouvimos escutas sobre quem os foi desencantar.

Tribunais acham bem o que faz o Correio da Manhã

Não sei se são os tribunais, ou se são estes porque o Código de Processo Penal tal admite, ou se são estes porque o papel do jornal é útil a um certo desígnio, ou se o problema está no sistema de Justiça em geral, com todos os seus agentes, ou se é simplesmente o poder sobrenatural da alínea referente à liberdade de expressão. Possivelmente são todos responsáveis, como numa famosa história de crime. O certo é que Correio da Manhã, mormente a edição online, parece uma besta subitamente à solta. Falou em mordaça. Vitimizou-se. Agora anda frenético, eufórico. A vida de Sócrates é a sua seiva. Está livre para devassar.

No entanto, se isto é um Estado de direito, eu quero emigrar outra vez. O tribunal que decidiu desproteger a privacidade e a dignidade do principal envolvido na Operação Marquês soltou os cães e sabia que o estava a fazer. Como é possível que um antigo primeiro-ministro, não tendo sido acusado de nada passados dois anos de ter começado a ser investigado e depois de 9 meses de prisão preventiva, alegadamente para facilitar a investigação, seja obrigado a aceitar que as suas declarações no interrogatório do MP andem a ser publicadas a conta-gotas num jornal diário e reproduzidas na televisão num enquadramento despudoradamente acusatório e em tom de suspense? Afinal a cargo de quem está a Justiça e a quem se aplica?

Exactissimamente

O governador revisita o PEC IV

Nota

O Nicolau, com a pressa, até se esqueceu da reunião entre Sócrates e Passos, numa quinta-feira à noite, um dia depois da tomada de posse de Cavaco e do comício na Assembleia a pedir a queda do Governo pela rua, e na véspera da apresentação das principais medidas do PEC. Dessa reunião entre o primeiro-ministro e o líder da oposição resultou, no dia seguinte, um estado de silêncio expectante por parte do PSD, sinalizando que a aprovação do PEC IV era uma forte possibilidade. Durante o fim-de-semana outra decisão foi tomada e a direita partidária, acirrada pela direita presidencial, partiu para o afundanço do País. As mentiras que se contaram nos dias seguintes deviam ser estudadas na escola pública logo a partir do Ensino Básico.

Já à timidez devemos atribuir as dúvidas, por mínimas que sejam, manifestadas no texto acerca do putativo conhecimento de Cavaco e Passos a respeito do acordo que tinha sido alcançado entre Portugal e a Europa de forma a evitar o resgate, consubstanciado no PEC IV. Embora lembre que Durão Barroso estava à frente da Comissão Europeia (e que fosse outro qualquer), tal processo jamais poderia ser escondido das principais autoridades portuguesas, Belém e PSD incluídos. Resultou de variadas reuniões entre o Governo e responsáveis técnicos europeus ao longo de Janeiro e Fevereiro, e era do interesse da própria Alemanha que levasse a uma aprovação no Parlamento português – logo, o clima era precisamente o contrário ao da afronta pelo secretismo. Por outro lado, Cavaco passou o mês de Fevereiro em reuniões a ouvir toda a sociedade civil e responsáveis políticos, parte dos quais, senão todos, igualmente sabiam que algo estava a ser preparado para evitar a situação ocorrida na Grécia e na Irlanda. Prova disto mesmo foi a manchete do Expresso, logo no início de Fevereiro, onde se lia “FMI já não vem”. As reacções da direita decadente e traidora a essa notícia, num festival de ressabiamento e ódio, igualmente merecem estudo escolar para se aprender logo de tenra idade a conviver com pulhas.

Finalmente, o Nicolau, imitando toda a gente desde 2011, não faz qualquer referência a uma declaração de Durão Barroso onde ele recorda um diálogo mantido com Passos no período que antecedeu a votação do PEC IV, período esse de intensa pressão europeia para a sua aprovação. Conta Barroso que Passos lhe disse que ia chumbar o PEC – apesar de Barroso o ter tentado convencer dizendo que mesmo assim o resgate seria inevitável pelo que com o PEC aprovado seria melhor para Portugal quando substituísse Sócrates – porque havia o risco de o Governo socialista, com o PEC IV aprovado, conseguir mesmo evitar ter de pedir um empréstimo de emergência. Basta este episódio, entretanto apagado da Internet, para contar a história toda às crianças.

Liberdade de escolha

Segundo Fernanda Câncio , haver brinquedos rotulados de brinquedos de menina e brinquedos de menino é um espartilho que configura uma discriminação de género. Em nome da liberdade de escolha, diz a jornalista, deve dar-se às crianças a possibilidade de escolher o brinquedo da sua preferência, sem espartilho. A questão surgiu a propósito dos brinquedos que a McDonald’s oferece às crianças com os Happy Meals, umas refeições merdosas de que as crianças gostam porque trazem brinquedo. A empresa decidiu agora acabar em Portugal com a discriminação de género na oferta dos brinquedos, como já fazia na América. Fica tudo na mesma, inclusive os brinquedos de menina e de menino, só que sem o rótulo… Extraordinário avanço!

A secretária de Estado da Igualdade, Catarina Marcelino foi taxativa: “Não há brinquedos de menino e de menina. A prática de dividir brinquedos por sexo é uma atitude discriminatória que reforça os estereótipos de género.” Não sei se já dá prisão.

João Miguel Tavares perguntou à Fernanda Câncio, com alguma razão, se não há perfumes de homem e de mulher, roupa de homem e de mulher? E perguntou mais: “Estará Catarina Marcelino disposta a avançar com legislação para acabar com as secções feminina e masculina do El Corte Inglés? E casas de banho separadas? Não serão também elas uma forma perniciosa de reforçar os estereótipos de género?” Claro que ninguém tinha falado em produzir legislação, mas não faltará muito.

Fernanda Câncio não gostou nada dos exemplos do Tavares, mas infelizmente não explicou porquê. Eu não me importava nada de conhecer essas razões. Em nome da liberdade de escolha, talvez houvesse senhoras que gostassem de usar os quartos de banho dos homens, pelo menos quando os delas têm fila à porta. E talvez houvesse senhores que preferissem usar os quartos de banho das mulheres, quando os deles estão ocupados. Ou, até, quando os das senhoras estiverem mais asseados. Bora acabar com essa discriminação jurássica?

A propósito, o ancestral urinol masculino é uma coisa sexista. Devia ser proibido e colocado num museu, como o de Marcel Duchamp. E os meninos que mijem sentados, que é para saberem o que a vida custa.

Revolution through evolution

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Coincidências

Financial advisers are often perceived as dishonest, and consistently rank among the least trustworthy professionals. New research from the University of Chicago Booth School of Business suggests this public perception may be deserved.

In the first large-scale study documenting the economy-wide extent of misconduct among financial advisers and financial advisory firms in the United States, researchers find that most financial advisers who engage in misconduct get to keep their jobs — or are quickly rehired by another firm in the industry.


Does Your Financial Adviser Specialize in Misconduct?

Candidatável, diz o mestre da malabarice

Não vejo nada de errado na ida de Maria Luís para onde lhe der na real gana, seja para trabalhar ou contemplar as nuvens que passam. Nem sequer me parece errado que acumule o serviço aos bifes com o cargo de deputada, tudo isto se passando a poucas semanas de ter deixado o Governo. As penalizações políticas para o PSD, e para a direita em geral, irão engrossar nesse cenário, pelo que à esquerda há ganhos saborosos com a sua decisão. Também não vejo nada de errado em se pagar mais, pagar bem, até pagar muito, aos políticos com funções de representação pública. Nada de errado com os seus privilégios, direitos, comodidades e segurança, incluindo a luxúria de deixá-los viajar de avião em 1ª classe ou terem o ar condicionado ligado nos gabinetes. Finalmente, dizer-se que a ética são as leis de um Estado de direito – famigerada sentença de Maria de Belém – afigura-se-me não só correcto como até exemplar quando o comparamos com a prática de violar o Estado de direito.

O que me vexa ao ponto de quase me derrotar é a complacência para com Maria Luís ministra, para com as suas mentiras, hipocrisias e deturpações enquanto governante, chegando-se ao ponto de se ver nelas os atributos ideais para lhe entregar o PSD de bandeja. Ela deu provas de poder ser uma imitação de Passos, era e é a lógica do argumento, naquilo em que Passos representa a baixa política e a decadência da direita portuguesa. Logo, estava pronta para tomar conta do partido.

Se querem falar de ética, falem disto, não do moralismo corrente.