O parlamento errado

Foi hoje.

No dia em que no Parlamento foi recordada a aprovação, no dia 2 de abril de 1976, da Constituição democrática portuguesa.

Foi hoje.

No dia em que foram recordados as deputadas e os deputados constituintes que deram corpo à lei fundamental de um país, o nosso, a qual consagrou finalmente a democracia e os seus pressupostos elementares, como os nossos direitos individuais.

Foi hoje.

Neste dia de proclamações, o Parlamento reprovou dois votos de condenação da punição dos jovens ativistas angolanos apresentados pelo PS e pelo BE.

Foi hoje.

Neste dia de proclamações, CDS, PSD e PCP votaram contra.

O processo contra os jovens ativistas angolanos foi decidido no dia 28 de março de 2016 com sentenças entre os 2 e os 8 anos de prisão para todos eles. Dois dos condenados estão em greve de fome.

Foram condenados por lerem um livro. Foram condenados por exercerem direitos humanos, como a liberdade de pensamento.

Todas e todos assistimos aos alertas de diversas organizações internacionais. Em lisboa, como noutras cidades, assistimos – e muitas e muitos de nós participámos – a vigílias e marchas, dias em que a Avenida da Liberdade ficou repleta desse nome – Liberdade.

Todas e todos sabemos que estes jovens foram condenados por exercerem direitos consagrados na própria constituição angolana, nos estatutos da CPLP e em declarações e convenções de direito internacional.

Nestes votos de condenação não estava em causa pôr fim ao relacionamento normal entre dois Estados soberanos. Não estava em causa qualquer corte de relações entre Portugal e Angola. Estava em causa muito daquilo que hoje, precisamente hoje, foi recordado no Parlamento.

Foi assim hoje, precisamente hoje, que o Parlamento virou as costas a jovens que se atreveram a ler, a reunir-se e a discutir ideias.

Ainda dentro do Parlamento, do lado de cá da porta da saída, encontrei-me com uma angolana e com dois angolanos. Tinham os olhos estupefactos e em lágrimas. Mudos durante um minuto, olharam para mim, até que a jovem angolana fez esta pergunta:

– Por quê?

Foi hoje, precisamente hoje, que o Parlamento, votando contra os dois votos de condenação da punição dos jovens ativistas angolanos apresentados pelo PS e pelo BE, votou, portanto, a favor dessa condenação e dessa punição.

Essa é a mensagem que chegará a 17 jovens inocentes.

Hoje tivemos o parlamento errado.

 

 

 

 

 

Não, a Europa não é o Islão

Por muito que os discursos sobre o respeito pelas crenças, a convivência cultural e a tolerância religiosa predominem politicamente hoje em dia, a Europa não gira em torno da religião. A Europa gira à volta do Estado de Direito e dos direitos humanos, da investigação científica sem barreiras, do questionamento das certezas, do estudo, da liberdade de circulação e de comércio, da iniciativa privada, da igualdade e do respeito entre os sexos, da alegria, da música. Não vejo isto ser suficientemente enfatizado.

É verdade que uma coisa são os discursos políticos, que, por si sós, não devem precipitar os acontecimentos nem os radicalismos, nem instigar conflitos sociais. Mas é também verdade que outra coisa são as políticas adotadas face a um problema de verdadeiro choque civilizacional (porque os terroristas granjeiam estranha e perigosa simpatia entre os seus «irmãos» que habitam na Europa), assim como os escritos e declarações de pessoas públicas informadas, com influência na sociedade. Estas não têm obrigação de se calar quando se trata de defender valores arduamente conquistados e dos quais não queremos abdicar, nem devem ir com pezinhos de lã ao abordarem estas matérias. As «religiões do livro» sempre foram uma potencial fonte de violência e foi por isso que soubemos pôr o cristianismo a uma distância conveniente e no lugar intimista que lhe pode caber e que não hostiliza o próximo. Teremos agora de fazer o mesmo ao islamismo? Haverá paciência?

Não vale, pois, a pena propagandear grandes princípios poéticos de que a Europa é o cristianismo, é o judaísmo, é o Islão, porque a simples menção dessas crenças, sobretudo desta última, equivale a aceitar práticas arcaicas aviltantes e a deslocar, para trás, o estado civilizacional a que o Ocidente chegou e ao qual se viu, não grego, mas medieval para chegar. O que resta dessas religiões tradicionais já nem sequer era um fardo que a Europa ainda tinha que transportar, mas do qual pensava já estar bastante aliviado. O que resta do cristianismo não é já fardo algum. Tem os seus seguidores, mas sobretudo converteu-se num serviço útil ao Estado no apoio social e na contenção de eventuais mal-estares. Tornou-se também um negócio lucrativo (mas isso sempre foi). Dizer agora e neste momento que a Europa é também o Islão é não incentivar a racionalidade.

Que existam na Europa do século XXI pessoas que acreditam, por exemplo, que o mundo foi criado em seis dias, com fósseis e tudo, por uma entidade que nunca ninguém viu chamada deus ou Alá, e que quem assim não pensa é «infiel», é a todos os títulos de lamentar, terminada a gargalhada. Mas já é mais grave quando as pessoas da religião do Maomé, do Alá e do Ali, que por aqui também habitam, pensam que os infiéis devem ser mortos, ou dominados, apesar de esses infiéis lhes oferecerem condições de vida bem melhores do que as que teriam nos países islâmicos, onde se pratica a religião que professam.  E é sinal de que há um trabalho hercúleo a realizar, se preciso for com medidas drásticas, para tirar tais pessoas da letargia, de modo a que algumas delas, pelo menos, se tornem um dia enfim úteis à espécie humana, estudando direito, medicina, física, matemática, tecnologia e astronomia. Para fazer avançar a humanidade, não para a destruir mais depressa, invocando coisas «divinas», como o apocalipse. Dizer que a Europa é o Islão não ajuda.

Quem tem ganhado com a desconfiança?

Talvez seja este o gráfico mais relevante acerca de Portugal entre todos os que o POP apresenta. Abaixo de nós em desconfiança generalizada – portanto, consciência de se viver numa comunidade desagregada e ameaçadora – só os coitados dos búlgaros. No topo da lista, os vencedores do costume quanto à qualidade de vida nas suas sociedades. Curiosa, e ainda mais na comparação com Portugal, é a posição da Espanha, acima até da Alemanha.

Razões para esta ordenação serão aos molhos, a começar pelo questionamento acerca do rigor e representatividade do que o gráfico mostra. Todavia, não custa concordar com a ideia, por mais vaga que seja: os portugueses são desconfiados, e tão-mais quão menos assumem a sua cidadania. A cultura do queixume e do retraimento medra na iliteracia, no abandono escolar, na desqualificação e nos baixos salários. Por sua vez, a oligarquia explora de formas variadas a miséria reinante, numa luta implacável pelos poucos recursos disponíveis. Veja-se o que a direita portuguesa fez desde 2007, quando o seu império bancário desaba quase todo com os casos BPN, BCP e BPP, e como tratou a população assim que meteu as beiçolas no pote. De manual, gasto de tanto uso.

A esquerda portuguesa tem sido parte principal desta dinâmica erosiva, pois o PCP tem mantido desde o 25 de Novembro o estatuto de partido semi-clandestino. Com isso deu azo a que satélites como Louçã tivessem sucesso com variações de tom mas igual estratégia: destruir o PS a partir do discurso da desconfiança. Para cúmulo, a imprensa alinhava a agenda da direita com a manipulação dos imbecis úteis, resultando num constante berreiro de baixa política e numa florescente indústria da calúnia. O aumento das disparidades e a miséria reinante em grande parte do País, apesar dos enormes saltos positivos desde o 25 de Abril, explicam este sentimento de impotência e ressentimento que moldam a vida pública. A actual experiência de coligação parlamentar permite ter sustentadas esperanças de que se tenha mudado o paradigma, mas ainda é muito cedo para o descobrir.

Espaço enorme, autêntica ágora à disposição de quem quiser, para introduzir na comunidade a semente, o fermento ou até a poção mágica da confiança. Mas não pela converseta, antes pelas acções – pela coragem da sua inteligência, e pela inteligência da sua coragem.

De vez em quando, sei lá, pela Páscoa, podiam ser honestos

Reagindo à comunicação do Presidente da República sobre a promulgação do orçamento para 2016, Matos Correia, do PSD, declarou, segundo o Público:

«O “modelo inspirador” do OE 2016 a que o Presidente fez referência é um modelo “errado”. É um modelo “baseado no estímulo ao consumo”, que, no passado, “já deu mostras de não servir os interesses” do país e que “conduziu Portugal ao resgate de 2011”, argumentou Matos Correia no Parlamento. Os sociais-democratas afirmam que têm um modelo alternativo, aquele que desenvolveram na última legislatura e inscreveram no seu programa eleitoral, que aposta no crescimento da economia por via do aumento das exportações e do investimento privado. “O caminho do Governo não é este e é um mau caminho”, resumiu Matos Correia.»

 

Comentário

 

  1. Em 2010, o «estímulo ao consumo» foi uma decisão tomada a nível da UE (à semelhança de outras zonas do mundo) para contrariar os efeitos económicos da crise financeira internacional. Portugal beneficiou, então, de taxas de juro excecionalmente baixas nos empréstimos do BEI, que teve interesse em aproveitar.
  1. Não foi o «estímulo ao consumo» que conduziu Portugal ao resgate. Foram as taxas de juro da dívida pública (soberana) icomportavelmente elevadas, fruto da especulação, a que o Banco Central Europeu apenas reagiu e pôs fim num estádio avançado, tardio e calamitoso da crise. Agora, nada dessa situação se verifica.
  1. O grande impulsionador do «aumento das exportações» foi o governo de José Sócrates, tendo a coligação colhido e assumido como seus os louros.
  1. A que «investimento privado» ocorrido na legislatura anterior se estará a referir Matos Correia? Tirando a compra de casas por chineses e outros estrangeiros, não se viu muito mais.

Mulheres de Sócrates

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Esta capa saiu durante o período da “mordaça”, intervalo de tempo em que o CM alegou estar sob “censura” a mando de Sócrates e em que publicou notícias a respeito do mesmo com chamada de 1ª página a uma média de 3,8 dias cada. Dentro da edição, encontramos transcrições de escutas e de interrogatórios, assim como a defesa institucional do que ali se faz – no caso, a cargo do Eduardo Dâmaso, o qual escreve estas reveladoras palavras:

"Olhar para tudo isto como uma espécie de "voyeurismo" judicial é atirar areia para os olhos dos portugueses."

O CM não manda areia para os olhos dos portugueses. Isso será a malta preocupada com a integridade, legalidade e decência da Justiça portuguesa, valores que não devem interferir com uma boa capa num tablóide de direita. O CM manda outras coisas, porém, posto que entrega algo ao público para ele consumir diariamente. Neste exercício, a parangona oferece o seguinte material:

– Sócrates tinha, ou continua a ter, 5 mulheres (pelo menos). Isto é, as 5 cidadãs identificadas eram, ou continuam a ser, posse de Sócrates enquanto fêmeas, seja de que forma for.
– Esse usufruto da posse teve um custo pecuniário, custo esse suportado por Santos Silva.
– A posse das 5 mulheres, e os custos respectivos, fazem parte da sua “vida de luxo”.

Quem não leia mais nada, pelo menos ficará a saber desta interessante história. Se for um consumidor regular do que o CM despeja no espaço público, vai acreditar no que leu e não terá qualquer dificuldade em interpretar o subtexto: Sócrates comprava mulheres e enviava a conta ao amigo. O CM, porém, preocupa-se com a possibilidade de estar algum dos seus leitores distraído, pelo que pratica um tipo de jornalismo onde até o português mais estúpido que se possa conceber tem acesso às informações que nos estão a ajudar a combater o mal. Vai daí, num bloco dedicado a Sandra Santos, uma das 5 putéfias, e após se relatar a suposta origem da relação com Sócrates, escreve-se o seguinte:

"Era o início de uma grande amizade."

Fino uso da ironia. Notável feito onde um jornal tem a ousadia, sempre em nome da liberdade de imprensa e da luta contra a grande corrupção, de assumir um registo de sarcasmo taberneiro para com uma cidadã envolvida lateralmente num processo judicial, passando o seu nome e imagem a serem alvo de qualquer tipo de exploração mediática. Registe-se que não estamos sequer a lidar com textos de opinião. O CM propõe no corpo das suas notícias que se considerem os seus alvos como pessoas destituídas de quaisquer direitos, reservando-se o papel de as tratar como melhor convier aos seus interesses comerciais e políticos. O que se está a fazer a Sócrates e terceiros das suas relações, incluindo familiares, é um linchamento social com o objectivo de destruir no grau máximo que for possível o estatuto, bem-estar e segurança das vítimas deste assassinato de carácter.

Na capa fala-se em 100 mil euros relativos a um período de 6 anos numa das situações. O jornal destaca essa soma porque as restantes são irrisórias na comparação. Contudo, até esse valor é irrisório quando relacionado com a dimensão dos rendimentos de Santos Silva. Corresponde a perto de 17 mil euros por ano, ou mil e trezentos euros por mês. É disto que estamos a falar, sendo que nos restantes casos as quantias serão irrelevantes até para cada indivíduo que pertença à classe média baixa. Se o CM conseguisse escutar o total da população portuguesa e depois aplicasse a mesma técnica difamatória e caluniosa a partir dos casos onde alguém emprestou ou deu dinheiro a alguém, vendendo a versão mais sórdida e degradante que lhe desse para inventar, não haveria árvores na galáxia para os números do jornal que teria de imprimir. Acima e antes de tudo, o pasquim não perde uma caloria com um mínimo de empatia e respeito para com o drama humano que pode, parece, estar na origem desses pedidos de dinheiro e ajuda captados pelas autoridades na privacidade desses cidadãos. Pelo contrário, aproveita a invasão judicial para fazer com ela um auto-de-fé.

Isto acontece perante o aplauso de uma parte da sociedade e a passividade da restante. Pessoalmente, não imagino o que leva uma consciência com módico respeito por si própria a aceitar colaborar com uma entidade que se permite fazer e espalhar esta violência. Ver Baptista-Bastos, Joana Amaral Dias, Rui Pereira e, especialmente, Fernando Medina – como anteriormente Eduardo Cabrita, Fernanda Palma e António Costa, entre outros nomes da nossa elite – a contribuírem para o caudal do esgoto a céu aberto não é apenas uma tristeza vexante, é também um dos mistérios deste universo para a minha pobre inteligência.

Revolution through evolution

No joke: Blondes aren’t dumb, science says
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How to spot elder abuse and neglect in the ER: Things are not always as they seem
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How Will an on-Demand Economy Work?
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Can too much talent harm your team’s performance?
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Change by the bundle: Study shows people are capable of multiple, simultaneous life changes
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Belief in the American Dream Regulates Materialism and Impulsive Spending
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City birds are smarter than country birds
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Continuar a lerRevolution through evolution

Da política-espectáculo ao espectáculo como política

Que têm em comum o convite a Draghi para participar num Conselho de Estado e a oferta de um cão a Marcelo, o primeiro animal de estimação com estatuto presidencial? Ambos são, essencialmente, golpes publicitários. O actual Presidente da República foi eleito, se esquecermos o facto de não ter tido concorrência, por ser uma estrela da televisão. E ele tornou-se uma estrela da televisão, em vez de um servidor público, porque – para além das benesses profissionais, sociais e pessoais que esse poleiro lhe dava – compreendeu com inteligência vocacional como funciona a fama de um artista do entretenimento. É uma arte do simulacro, um constante teatro onde a personalidade não se esconde pela máscara, antes passa a ser a própria máscara que se exibe em palco.

Chamar Draghi ao Conselho de Estado é uma jogada brilhante de relações públicas para Portugal e para Marcelo em tandem com Costa, mesmo que o seu efeito não passe de um fogo-de-artifício para inglês (e alemão, francês, americano, chinês) ver. Ter um cão, para mais oferecido por militares, a fazer companhia ao homem sem mulher no Palácio compõe a fotografia de família ideal para ficar no coração de 9 milhões de portugueses, mais uns trocos.

À volta disto tudo temos Marcelo a tratar a malta como se ele fosse um guru do coaching contratado para repetir as banalidades da psicologia positiva ao seu novo cliente: Portugal. Não tem nem terá outro projecto ideológico. O resto do tempo será passado num crescente processo de manipulação dos códigos que lhe deram o sucesso anterior e que têm enchido os dias desde que venceu as eleições.

Variações em mete dó maior

"Acho que, a partir do momento em que elas estão no espaço público [as escutas a Sócrates], parece estranho fingir que elas não estão. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar escutas. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo estão no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é... Qualquer pessoa que a ouça, não é? Quando ouves aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo dele é que não fica com aquela convicção."

(licenciado em Direito pela Católica, crítico, cronista, poeta, editor, argumentista, dramaturgo, pioneiro da blogosfera, jurado do Prémio Camões, do Clube Português de Artes e Ideias, da Fundação Luís Miguel Nava, do Instituto Camões, das Correntes d’Escritas/Casino da Póvoa, da Sociedade Portuguesa de Autores, da Associação Portuguesa de Escritores e da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, bem como dos festivais de cinema IndieLisboa e Curtas Vila do Conde, é membro efectivo do júri dos prémios literários atribuídos anualmente pela Fundação Inês de Castro, Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, subdirector e director interino da Cinemateca Portuguesa entre 2008 e 2010, celebridade mediática, consultor presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa)

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Acho que, a partir do momento em que elas estão no espaço público [as fotos gamadas de um telemóvel onde se vê a proprietária do aparelho nua e em actos sexuais], parece estranho fingir que elas não estão. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar fotos gamadas dos telemóveis ou computadores pessoais. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo estão no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que as veja, não é? Quando vês aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo dela é que não fica com aquela convicção.


Acho que, a partir do momento em que elas estão no espaço público [as escutas às conversas sigilosas entre advogados e os seus clientes], parece estranho fingir que elas não estão. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar escutas às conversas sigilosas entre advogados e clientes. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo estão no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que as ouça, não é? Quando ouves aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo deles é que não fica com aquela convicção.


Acho que, a partir do momento em que ela está no espaço público [a correspondência privada entre duas pessoas que não autorizaram a sua publicação], parece estranho fingir que ela não está. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar correspondência privada publicada à revelia dos seus autores. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo está no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que a leia, não é? Quando lês aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo deles é que não fica com aquela convicção.


Acho que, a partir do momento em que eles estão no espaço público [os relatórios de saúde roubados de um centro médico], parece estranho fingir que eles não estão. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar relatórios de saúde roubados num centro médico. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo estão no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que os veja, não é? Quando vês aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo desses pacientes é que não fica com aquela convicção.


Acho que, a partir do momento em que ele está no espaço público [o diário perdido de uma criança de 10 anos], parece estranho fingir que ele não está. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar o diário perdido de uma criança de 10 anos. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo está no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que o leia, não é? Quando lês aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo da criança é que não fica com aquela convicção.


Acho que, a partir do momento em que ele está no espaço público [o vídeo onde um familiar ou amigo do fulano acima citado aparece embriagado ou numa crise psíquica], parece estranho fingir que ele não está. Houve uma pessoa qualquer que se levantou num programa de televisão para não comentar o vídeo do meu familiar/amigo. Isso não faz sentido, pois apesar de tudo está no espaço público, acho um preciosismo. Tudo isto é divertido, tudo isto nos ajuda a formar uma convicção; que neste caso percebe-se qual é… Qualquer pessoa que o veja, não é? Quando vês aquilo, quase só mesmo o círculo mais próximo dele é que não fica com aquela convicção. É o meu caso, aliás, não tenho nada aquela convicção.

Contra o terror, mais Europa

Um aspecto da contemporaneidade que o surgimento da Alcaida e do “Estado Islâmico” tem posto a nu é o da surpreendente impotência dos aparelhos policiais e militares não só das maiores potências como ainda das maiores potências a trabalhar em conjunto. Por exemplo, Bin Laden escapou ao poder dos EUA e aliados, na sua força máxima, durante mais de 12 anos. Só foi apanhado graças à obsessão de uma agente da CIA que não descansou até o encontrar. Sem ela, é muito provável que continuasse escondido à vista de toda a gente. E agora contra os suicidas no Iraque e na Síria a situação é ainda mais bizarra. Naquelas geografias não temos a selva do Vietname nem as montanhas do Afeganistão. É terreno plano, deserto, quase sempre sem nuvens e com ocasionais tempestades de areia. O inimigo está cercado, não têm aviação, não tem satélites, não tem recursos humanos e tecnológicos comparáveis com a bilionésima parte daqueles ao dispor dos americanos, europeus e russos, fora as restantes forças em presença. As suas condições de sobrevivência são rudimentares e seria incorrecto dizer que cada um deles não sabe se estará vivo no dia seguinte, pois nem sequer para a hora seguinte têm qualquer garantia. Dada a intensidade dos ataques de que são alvo, não sabem se estarão vivos no próximo minuto. No entanto, as tropas governamentais iraquianas e sírias, apoiadas, treinadas e dirigidas por potências mundiais, têm apenas conseguido ganhos marginais e à custa da completa destruição de cidades e património económico e cultural. A mesma perplexidade para os terroristas que actuam em solo europeu e norte-americano. Tendo de recorrer aos sistemas de comunicação presentes nesses territórios, e actuando perante o olhar dos eventuais vigilantes profissionais ou ocasionais, conseguem mesmo assim, e ao longo de anos, desenvolver redes e planear ataques devastadores contra inocentes e contra a segurança das populações.

Isto significa que o discurso contra os poderes do Estado, e a figura do Estado orwelliano que vigia tudo o que fazemos para nos condicionar e oprimir, é muito mais de origem retórica e ideológica do que de real fundamento prático. Não há nenhum político, militar, polícia e magistrado europeu e norte-americano que não desejasse acabar com a ameaça terrorista caso lhe fosse dada essa possibilidade. E não há nenhum político (excepto Trump), militar, polícia e magistrado europeu e norte-americano que não se reconheça incapaz de o prometer em público. Mutatis mutandis, seria o mesmo de termos um suposto responsável a prometer acabar com os crimes de violência doméstica. Seria uma declaração irracional para falar de um fenómeno cuja origem é irracional enquanto dinâmica individual.

Ontem, na CNN, especialistas em terrorismo referiam que as polícias belgas têm falta de recursos humanos, por um lado, e que têm um quadro legal que lhes impede de fazer escutas com a facilidade com que elas se fazem noutros países, pelo outro. E referiram que os ingleses andavam a vigiar alvos em Molenbeek em vez dos belgas por causa dessas limitações, mas tiverem de interromper a operação após a publicação de informações secretas por Snowden. Esta situação leva-nos para a possibilidade de que a resposta ao terrorismo em solo europeu, o qual na sua matriz apolítica dos suicidas de justificação islâmica tem uma lógica apocalíptica, passe também por uma muito maior integração das forças policiais europeias, criando-se um corpo comum. Os desafios políticos e legais que tal projecto implica serão sempre menores do que, por exemplo, poderá acontecer caso algum dia alguma central nuclear europeia seja alvo de um ataque ao seu reactor. Um exemplo em milhentos onde se irá tentar a destruição máxima, só isso é certo.

Do terror ao horror

O terror é a evidência da fragilidade das nossas sociedades e autoridades face à intenção de espalhar a destruição entre civis. Uma destruição que ambiciona ser total, acabando com as vidas, com a cultura e com a memória. O horror é o esquecimento da nossa identidade histórica, feita de uma conquista milenar – que se confunde com a génese e evolução da raça humana – em direcção à segurança e à liberdade.

Combater o terror, se a ideia for a de atacar a sua lógica, começa por não ceder ao horror.

Vega9000 has left the building

O Vega9000 fez há uns dias a sua despedida formal, embora já tivesse partido muito antes, como assinala. O seu primeiro comentário por cá, pelo menos com esta identidade, foi em finais de 2009. Nos dois anos seguintes, encheu de forma assídua as caixas de comentários com a sua brilhante inteligência e paixão política. Os contributos eram sempre construtivos, informativos e desafiantes, servidos num português apurado. Em 2011 convidei-o para abandonar as catacumbas e subir à arena. Como autor, pôde mostrar todos os seus vastos recursos criativos no uso da imagem e da composição do texto. Já fora daqui, este artigo Desempregado usa humor para imitar Passos Coelho no Twitter e este texto Publicidade da casa dão conta do seu potencial admirável.

Nenhuma dessas características, nada desse talento, se deve ao Aspirina B. O Vega9000 já era um cidadão politicamente maturo e um blogger antes de aqui chegar. Tivemos foi a grande sorte de ele ter tropeçado neste pardieiro e por cá se ter demorado uns tempos. Na sua despedida, podemos também celebrar a memória de uma bela e estranha experiência nestes anos de partilha proporcionada pelo Al Gore, o inventor da Internet, onde conseguimos formar verdadeiras comunidades de socialização e pensamento sem levantarmos o cu da cadeira nem nunca chegarmos a falar presencialmente. É o caso, neste caso.

A minha citação favorita do Steve Jobs reza assim:

It doesn’t make sense to hire smart people and then tell them what to do; we hire smart people so they can tell us what to do.

Se tivesse uma empresa, era este o meu critério supremo para a gestão. Não a tendo, nem sendo provável que venha a ter, resta-me a consolação de ter pertencido a um blogue onde essa foi a lei de ouro.

Revolution through evolution

Watching TV May Reduce Differences Between Men and Women’s Sexual Expectations
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First prosthesis in the world with direct connection to bone, nerves and muscles
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Playing dumb and giving the cold shoulder: How stereotypes pervade the workplace
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Divided parties rarely win presidential elections, study finds
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Freedom of Religion, Civic Rights Were Important Components of a ‘Muslim Nation’
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Most Presidential Candidates Speak at Grade 6-8 Level
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8 Essential Nutrients for Aging Individuals

Estado de direita

O CM continuará a investigar Sócrates, certo de que o dia da transparência virá. Sempre tarde de mais para reparar os danos de tão prolongada mordaça. Sempre a tempo de fixar o perfil de um homem que tomou o poder para impor uma cleptocracia populista. Onde o jornalismo morreria em propaganda dócil.

Esgoto a céu aberto

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Esta é uma citação de um editorial não assinado. O que nele se escreve representa o órgão na sua plenitude – direcção, proprietários e colaboradores. Que se escreve nele? Que Sócrates impôs, ou pretendia impor, uma cleptocracia e a abolição do jornalismo. O mesmo “jornalismo” que persegue e devassa Sócrates ininterrupta e livremente sem qualquer incómodo ou prejuízo desde 2004, antes tendo nessa actividade uma fonte de lucro. E o que é a cleptocracia? É um regime de ladrões, pressupondo a acção concertada do Governo e da Justiça ao serviço da corrupção que desvia ilegalmente recursos do Estado para certos indivíduos.

A parte acerca do jornalismo num país onde o militante nº 1 do PSD tem um império mediático e onde o casal Moniz fez o que fez na TVI, já para não falar no que tem sido a RTP, é estúpida demais para sequer perder tempo com ela, mas dizer-se que Sócrates é um cleptocrata, nem que seja na forma tentada, implica necessariamente afirmar que os restantes governantes que com ele partilharam o poder, mais os deputados que apoiaram esse exercício do poder, mais o partido a que pertenciam esses deputados, mais os magistrados que permitiram essa situação, inclusive o Presidente da República que não denunciou essa cleptcracia como era seu dever, eventualmente os restantes partidos que se calaram a respeito, todas estas figuras e entidades foram cúmplices. É isto que está escrito no jornal mais vendido em Portugal.

Em centenas de outras peças, o CM têm explanado o mecanismo através do qual foi possível termos sido sujeitos à “cleptocracia” encabeçada por Sócrates. E é verdadeiramente uma explicação simples, como convém quando se trata de educar o povo. Foi assim. Antigamente, no tempo do socialismo cleptocrata, o Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, e o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, abafavam todas as investigações que alguns magistrados honestos tentavam levar avante para acabarem com a roubalheira. E, curiosamente, tão bem o faziam que nada se podia provar contra eles, apesar da monumentalidade das suas ilegalidades, apenas dava para ir repetindo que eles defendiam aqueles que a gente séria atacava. Mas, em 2011, surgiu um novo Governo, o qual tinha uma ministra da Justiça que, para além de pertencer à gente séria, tinha a enorme vantagem de não ser socialista. Esta senhora vinha disposta a limpar a Justiça da podridão reinante, pelo que escolheu Joana Marques Vidal para a missão. E foi remédio santo, passado pouco tempo tínhamos Sócrates metido na choldra, algo que também Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento podiam ter feito mas não quiseram por serem cúmplices da ladroagem. Agora, continua o CM a esclarecer os seus leitores e telespectadores sempre que pode, a Justiça em Portugal depende do heroísmo deste casal, a Joana que lança os cães no rasto dos gatunos e o Carlos Alexandre que os guarda bem guardados nos calabouços onde merecem acabar os seus dias a pão e água.

Em abono da justiça com minúscula, há que reconhecer que o CM não está sozinho na promoção desta narrativa. Longe disso. António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz o mesmo à descarada. A Associação Sindical dos Juízes Portugueses conseguiu em 2012 abrir um inquérito-crime que visa o uso de cartões de crédito pelos membros dos Governos de Sócrates. Se perguntarmos ao Zé Manel, à Helena Matos, ao caluniador pago pelo Público, entre tantos outros com poleiro na comunicação social “de referência”, se precisam dos tribunais para terem certezas a respeito da culpabilidade de algum socialista não é outra a conversa. Se perguntássemos à fantástica Paula Teixeira da Cruz, bastaria um olhar seu para se desfazerem as dúvidas. Duarte Marques, que daria um belíssimo sucessor de Passos, chegou a reunir-se com o Procurador-Geral da República em ordem a conseguir levar a tribunal ex-governantes socialistas. Corre outra investigação judicial, em paralelo com a dos cartões de crédito, que visa as PPP assinadas durante a governação socrática. Estas investigações duram há vários anos, não se sabendo em que estado estão mas sabendo-se que, de acordo com a regra estabelecida no caso Freeport, no processo Face Oculta e na Operação Marquês, a informação coligida pode ser fornecida secretamente a quem os agentes de Justiça envolvidos, ou com acesso, quiserem, seja vendida ou oferecida. E foi Paulo Rangel quem conseguiu ilustrar, melhor do que todos os restantes dado o seu alto estatuto político e com isso revelando de forma ofuscante o pensamento de milhares que usufruem politicamente do serviço prestado pelo CM, o que esteve em causa:

“Alguém acredita que se o PS fosse Governo havia um primeiro-ministro investigado?”

Obviamente, só os tansos é que acreditam nisso, mas esses estão em vias de extinção à medida que o CM se torna na fonte histórica mais prestigiada em Portugal. Uma fonte que pode dizer e fazer o que lhe der na real gana sem sequer suscitar uma vagido de protesto das instituições pilares da República. Em relação a Sócrates, o CM declara-se imune à lógica do Estado de direito que lhe permite o seu negócio e lhe garante a liberdade, tratando esse cidadão como criminoso sem que algum tribunal o tenha feito até agora e praticando um linchamento mediático do seu nome e imagem. Mas não só esse cidadão fica assim violentado nos seus direitos, dezenas ou centenas de outros que com ele tiveram ou têm relações de convivência política e pessoal (incluindo os familiares), milhares se contarmos com os militantes do PS, igualmente são classificados como criminosos pelo CM. É este o alcance do conceito de cleptocracia, assumido institucionalmente pelo jornal. E há ainda uma forte probabilidade de que o CM esteja a replicar ipsis verbis as convicções das próprias autoridades policiais e judiciais envolvidas na Operação Marquês.

Como o CM trata o juiz Carlos Alexandre, o procurador Rosário Teixeira e a Procuradora-Geral da República Joana Marques Vidal como heróis cercados pelos bandidos, e como o CM tem publicado um caudal de informações a que só teve acesso porque alguém na Justiça portuguesa está a cometer crimes para lhes dar esses materiais, é então muito provável que o CM e essas pessoas não descansem enquanto não conseguirem limpar tudo o que considerem ser uma porcaria e um obstáculo para os seus gostos e interesses. A passividade e gula decadente da nossa comunidade, que fazem do jornal CM e da CMTV as mais poderosas forças de condicionamento social e político que existem actualmente, indicam que o processo já está em andamento.

O órgão de comunicação social que em Portugal cultiva um populismo levado às últimas consequências, embora dirigido politicamente para favorecer a direita do poder pelo poder e atacar a esquerda que possa ser poder, acusa o alvo supremo da sua perseguição de ser populista. Não se trata de uma ironia ou sequer de uma alucinação. Isto é o CM a dizer como se faz. E apareceu logo quem mostrou ter aprendido a lição:

Pedro Passos Coelho, candidato único, foi esta noite reeleito por mais dois anos secretário-geral do PSD, prometendo um partido "coeso" na luta contra o que classificou de política de "retrocesso" e "populismo" do Governo PS.

Esgoto canalizado

O patriotismo não se apregoa, pratica-se

Troika vermelha

A aprovação do Orçamento de Estado para 2016 é um triunfo que ultrapassa esta legislatura. Estamos perante uma estreia no regime. E o regime fica melhor por causa dela. Veremos o que os seus protagonistas farão com esta novidade que objectivamente está ao serviço dos principais valores que alegam defender.

Antes da votação já tínhamos visto algo que também foi uma estreia, mas essa apenas por comparação com o Governo anterior. Deu-se quando Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos, teve de meter a viola no saco e sair de cena pela esquerda baixa perante a prova de força do Governo português como resposta à sua exibição proconsular. Esse episódio marcou o fim de semanas de manobras conspirativas da neo-Troika – direita portuguesa, Comissão Europeia, imprensa portuguesa – onde se sucediam as declarações às abertas e sob anonimato a lançarem gasolina no fogaréu de um eventual chumbo europeu do Orçamento português.

Há que reconhecer como notável, algo até a pedir investigação académica, a capacidade desta direita decadente para ser obscenamente traidora e não ser punida por isso. Quem perder o seu precioso tempo a recordar como argumentaram contra a viabilização do actual Governo, e contra o actual Orçamento, vai mergulhar num berreiro que fazia dos supostos interesses estrangeiros, Europa e mercados, o critério exclusivo pelo qual nos devíamos governar. Em resultado disso, partiram furiosos para declarações chantagistas, rindo e chorando de gozo de cada vez que as taxas de juro da dívida subiam uma décima fosse qual fosse a causa. Mas muito mais escandaloso, porque muitíssimo mais grave, foi o que esta direita decadente fez para chegar ao poder e o que fez quando lá chegou. O ódio espalhado para cima dos portugueses mais frágeis, sendo que este é um país de uma classe média paupérrima, destruiu literalmente incontáveis famílias e indivíduos. Quando ministros abrem a boca para mandar os concidadãos emigrar, e quando um primeiro-ministro tem o descaramento, se não for a demência, de humilhar quem sofre por causa das suas opções políticas dizendo-lhes para não serem “piegas” e jurando que levará a destruição até ao fim “custe o que custar”, ficamos banzos com o masoquismo de uma sociedade e de um eleitorado que os aceita e pede para repetirem a dose. Este é mesmo um país que continua sob a alçada de um salazarismo cultivado pela nossa elite, a mesma que domina a comunicação social, o empresariado e o sistema de Justiça.

Parabéns a Costa, portanto e por tanto. Grandes são as expectativas para o que poderá alcançar mais.

No jornalismo o que parece é

Sobre a investigação judicial em curso não vale a pena dizer muito mais do que, no respeito pelos princípios elementares do Estado de direito, Lula é inocente até trânsito em julgado. Mas em política o que parece é. E, por estes dias, a conduta lulista não é muito diferente da dos coronéis corruptos que se eternizavam no poder para fugir à justiça. Em Portugal, por exemplo, onde vivemos tempos difíceis com um ex-primeiro-ministro indiciado por corrupção e outros crimes deploráveis para um servidor público, foram muito criticados em certos círculos o silêncio e a atitude distante de António Costa em relação à situação judicial do seu antigo chefe de partido, que fez sempre passar a narrativa de que está a ser vítima de um processo puramente político. Na verdade, e independentemente das motivações do agora chefe de governo, a consequência do distanciamento de Costa face ao processo contribuiu para a saúde do regime e prova que aprendeu com os erros cometidos no início do caso Casa Pia, enquanto líder parlamentar do PS. O que estas duas condutas revelam é, desde logo, a diferença entre uma democracia madura e consolidada e outra à beira do colapso, para gáudio dos saudosistas da ditadura militar.


Nuno Saraiva

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A nossa classe jornalística é muito pior do que a nossa classe política. Algo que não se discute em lado algum porque, lá está, os jornalistas não serão os melhores observadores do fenómeno. Excepções à parte, aquilo que ainda pode ser considerado “imprensa de referência” consiste numa agremiação de comadres que têm um dos trabalhos mais fáceis no mundo: escrevinhar ou palrar as suas opiniões acerca dos malandros dos políticos. Para além disso, e para isso se propagar, cuidam do alinhamento ideológico, partidário ou governativo (conforme as conjunturas e contextos) que os seus patrões estabelecem (explícita ou implicitamente) para os órgãos de comunicação em causa. E não é um acaso o facto de não haver qualquer meio onde se detecte um favorecimento do PS, sendo o contrário quase ubíquo. O DN é uma caixa de Petri deste regime que influencia decisivamente a opinião pública, a vivência cívica e os resultados eleitorais. Daí o interesse em analisarmos a tipologia mais assumidamente política da classe jornalística enquanto instituição, os “editoriais”.

Este exercício do Saraiva é um manual de falácias prontas a servir aos borregos. Cada uma das frases no bloco citado ou é oca ou consiste numa descarada deturpação. Em sintonia, formam a clássica canção do bandido. Vejamos.

"Sobre a investigação judicial em curso não vale a pena dizer muito mais do que, no respeito pelos princípios elementares do Estado de direito, Lula é inocente até trânsito em julgado."

Isto é um sofisma embrulhado numa tautologia. A tautologia consiste na equivalência entre os princípios do Estado de direito e a condição de inocente até trânsito em julgado. Acaso o autor acha que os seus leitores ignoram essa correlação? Pensará que está a dar uma novidade à populaça? Não, ele está é a querer justificar o seu silêncio sobre a “investigação judicial em curso”. Ou seja, Saraiva foge a ter de emitir opinião sobre partes da investigação. Quais partes? A frase seguinte dá a resposta.

"Mas em política o que parece é."

Uma frase oca, um bordão asinino, cuja utilidade é tão-só falaciosa. Serve-lhe para definir o que seja a “política” e, assim, poder falar das partes da “investigação judicial em curso” que lhe interessam neste momento. Pelos vistos, a Justiça brasileira no seu todo, e o actuação dos magistrados brasileiros neste caso, não pertencem à esfera da política ou não podem ser também avaliados politicamente seja quanto a actos, omissões ou consequências desses actos e omissões. Para o Saraiva, “política” é aquilo que os “políticos” fazem que dê para aparecer num editorial da sua autoria ou que seja pasto para explorações à canzana pelos tablóides e simpatizantes do estilo desde que possam atingir alvos da sua predilecção. A expressão “em política o que parece é” valida todas as campanhas negras, as quais, precisamente, chafurdam nessa lógica onde se espalham suspeitas, difamações e calúnias de forma a que os visados sejam vistos pela comunidade tal como são retratados pelos seus inimigos. As frases seguintes cumprem este plano.

"E, por estes dias, a conduta lulista não é muito diferente da dos coronéis corruptos que se eternizavam no poder para fugir à justiça."

Saraiva sabe que existiram “coronéis corruptos”, talvez por ter estudado o assunto, e que entre eles e Lula não há grandes diferenças. Como é que chegou a essa conclusão? Como é que ele se permite comparar um regime ditatorial fundado no medo e em assassinatos políticos com a possibilidade que a actual Constituição brasileira oferece a Lula de obter uma qualquer alteração no processo judicial onde é visado? Para censurar a sua opção adentro de uma democracia e do tal Estado de direito invocado é preciso ir buscar os coronéis? Que nome vamos dar a uma escola de jornalismo que segue estes critérios?

"Em Portugal, por exemplo, onde vivemos tempos difíceis com um ex-primeiro-ministro indiciado por corrupção e outros crimes deploráveis para um servidor público, foram muito criticados em certos círculos o silêncio e a atitude distante de António Costa em relação à situação judicial do seu antigo chefe de partido, que fez sempre passar a narrativa de que está a ser vítima de um processo puramente político."

Dos coronéis de pistola a cavalo no sertão saltamos para Sócrates e Costa. Mais uma vez, pagava para saber a quem se refere quando fala em “certos círculos” que terão criticado Costa pela forma como lidou com a prisão de Sócrates. Certos círculos? Vale tanto como dizer certos triângulos, certos rectângulos, certos trapézios. De quem fala? Esta forma de sugerir que está na posse de um conhecimento especial, ou quiçá de estar em diálogo cifrado com alguém capaz de o descodificar, também é algo que se aprende nas escolas de jornalismo ou vem com a tarimba? A ideia é a de usar uma expressão à prova de verificação para poder espalhar a mensagem. A mensagem é: Costa conseguiu evitar ser apanhado pelo corrupto Sócrates que anda para aí a fingir-se de vítima.

"Na verdade, e independentemente das motivações do agora chefe de governo, a consequência do distanciamento de Costa face ao processo contribuiu para a saúde do regime e prova que aprendeu com os erros cometidos no início do caso Casa Pia, enquanto líder parlamentar do PS."

A saúde do regime a que se refere o Saraiva deve ser aquela que, num ano eleitoral, mete o ex-primeiro-ministro e ex-secretário-geral do partido da oposição na prisão sem que se saiba porquê passado um ano e meio e lançando no espaço público uma selvagem campanha de violação de direitos, crimes a envolverem agentes de Justiça e a mais grave degradação do Estado de direito de que há memória em democracia. Como se trata de Sócrates, familiares e amigos, está tudo bem. Ele que não se tivesse metido na política e que não tivesse amigos ricos, é muito bem feito.

"O que estas duas condutas revelam é, desde logo, a diferença entre uma democracia madura e consolidada e outra à beira do colapso, para gáudio dos saudosistas da ditadura militar."

Sem dúvida, ó Saraiva. Entre o Brasil e Portugal há algumas diferenças de monta, vai sem discussão. Apenas não sei se concordo com a tua noção de maturidade e consolidação no que diga respeito a democracias.

Aplaudo Marcelo com uma só mão

Não tinha ouvido nem lido o discurso de Marcelo na tomada de posse. Pelo que fiquei cheio de curiosidade com o que a Fernanda assinalou:

[...] o gesto vinca também, com eficácia mortal, a distância face a um Cavaco crispado, cerimonial, obcecado com a segurança, cujo aparente elogio no discurso de posse é um prodígio de veneno [...]

Marcelismo, dia terceiro

No mesmo dia, no Bloco Central, Pedro Adão e Silva fez referência à mesma passagem do discurso marcelista. Pelo que também rumei a Belém na esperança de ver essa estrela (de)cadente. E lá estava, desafiando os incréus:

Senhor Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva,

Ao percorrer, num imperativo exercício de memória, a longa e singular carreira de serviço à Pátria de Vossa Excelência – com uma década na chefia do Governo e uma década na chefia do Estado, que, largamente, definiram o Portugal que temos – entendo ser estrito dever de justiça – independentemente dos juízos que toda a vivência política suscita – dirigir a Vossa Excelência uma palavra de gratidão pelo empenho que sempre colocou na defesa do interesse nacional – da ótica que se lhe afigurava correta, é certo – mas sacrificando vida pessoal, académica e profissional em indesmentível dedicação ao bem comum.

De facto, é demolidor. Começa pela associação entre o “Portugal que temos” e a responsabilidade de Cavaco pela situação dada a “longa e singular carreira” de “serviço à Pátria” de tamanha excelência. E rebenta com o alvo ao inscrever na solenidade da tomada de posse a relativização do que o anterior Presidente considerou como o “interesse nacional”, isto tendo como contexto e subtexto o investimento retórico e político que a figura fez, até ao último dos seus dias no cargo máximo da República, nessa expressão fetiche, máscara sórdida para o maior sonso da política nacional desde que há memória histórica.

O visionamento do discurso traz um bónus. É que Marcelo fica nervoso nesta passagem, engasga-se, e toma a decisão de não ler exactamente o que escreveu, censurando a expressão enfática “é certo” e o “mas” adversativo e também coerentemente enfático com o sentido textual. Ou seja, podemos testemunhar que ele só se deu conta da violência da sua denúncia em cima do acontecimento, tendo tido a presença de espírito de diminuir os danos potenciais. Um grande habilidoso, este rapaz.

Assim, aplaudo Marcelo apenas com uma mão. O seu momento zen merece um aplauso zen.