«As atitudes populistas em Portugal estavam difundidas há anos. Temos inquéritos que comparam Portugal com outros países onde os partidos de extrema-direita têm muito mais peso, e as atitudes dos cidadãos não eram substancialmente diferentes. Os cidadãos portugueses eram tão populistas, ou mais populistas, do que os de outros países. A diferença é que não havia oferta partidária, não havia um partido que representasse essas atitudes.»
Falso. Existia oferta partidária para o populismo larvar antes do Chega. Esquecendo o PCP (cujo populismo está subjugado pela identidade partidária vivida como religião messiânica), constatou-se no PSD, logo desde 2004 com Santana Lopes, que o principal partido da direita portuguesa abdicava de elaborar projectos de governação (como com Cavaco) e de ter líderes a jurar missão de vida (como com Durão). Em vez disso, apareceram pela primeira vez em Portugal as campanhas negras imitadas dos EUA. Santana apostou em conspurcar o adversário, não em encantar ou sequer convencer o eleitorado. Há racionalidade nessa opção, dada a sua inferioridade política na comparação com Sócrates nesse contexto, mas o custo afectou todo o regime, alterando a qualidade das interacções no sistema político e começando a dissolver a comunidade. Foi assim que Santana promoveu pessoalmente os boatos lançados pela sua máquina de campanha sobre uma burlesca relação homossexual entre Sócrates e Diogo Infante. Foi assim que Santana deu luz verde para se lançar e explorar o caso Freeport. A partir daqui, o PSD jamais viria a abandonar a pulsão de judicializar a política, e depois de politizar a Justiça — mecanismos centrais no populismo da extrema-direita.
Ferreira Leite foi escolhida em 2008 para presidir ao PSD por duas razões: (i) Passos Coelho nessa altura era apenas um tipo jovem e bem parecido mas oco e estouvado, em quem Cavaco não confiava; (ii) a Manela era a personagem ideal para Cavaco poder interferir nas eleições de 2009, usando o PSD como instrumento da estratégia de Belém. A campanha que fizeram foi abertamente de assassinato de carácter (o “falar verdade”) e judicialização da política, usando o Face Oculta e a Inventona de Belém para cobrirem o Governo, o PS e, especialmente, o primeiro-ministro de suspeições de crimes gravíssimos, inauditos. Ferreira Leite, passando numa ocasião em Aveiro (o centro da espionagem a Sócrates), chegou a fazer declarações sobre o seu medo de poder estar a ser escutada pelo Governo. Há mais do que ironia, ou espanto, na avaliação desta atitude. Há a identificação de um potencial sinal relativo ao que ela conhecia acerca do que estava a acontecer ao seu adversário.
Logo em 2010, logo depois de se tornar presidente do PSD, Passos sugeriu explicitamente que apoiava a ideia de se condenarem judicialmente governantes por causa das suas opções políticas. Esta bandeira populista por excelência viria a ter concretizações variadas. Por um lado, é o substrato do futuro discurso castigador sobre os “piegas”, “a zona de conforto”, a “seleção natural”, “ir além da Troika”, etc. Por outro lado, é a semente da invenção de Ventura como artista populista, fenómeno que ocorreu por iniciativa e apoio de Passos. Meter Ventura em Loures, em 2017, foi o que ocorreu ao líder do PSD de então para abrir uma frente de crescente extremismo com um PS suportado pelo PCP e BE. Ele sabia que Ventura iria ensaiar pela primeira vez em Portugal um discurso retintamente populista com a chancela de um partido fundador do regime democrático. O Pedro sabia disso, o Pedro queria isso.
As declarações de admiração por Passos de Ventura, e de legitimação de Ventura por Passos, têm-se sucedido desde o nascimento do Chega. Ainda mais significativamente, a retórica “contra a corrupção” e o fetichismo com Sócrates não foram invenção de Ventura, já tinham mais de 15 anos de sistemática exploração pela direita partidária e mediática. 15 anos em que a degradação das instituições, em que o culto do “andam todos a roubar” e “os governantes são criminosos”, foi obra de políticos e ex-governantes da área do PSD e CDS.
Donde, estás parcial mas substantivamente errada, Marina.