Exactissimamente

Fora de cena

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NOTA

Até parece que Deus, ou um deus qualquer, existe. E que tem tão pouco para fazer, ou que é tão misteriosamente perverso, que ocupa os seus poderes a dar lições de teodiceia irónica a este e àquele. No caso, a António Costa. O qual foi exímio, em 2014, a colocar o PS como mero espectador do auto-de-fé que consumiu Sócrates na Justiça, na comunicação social e no povoléu. O mantra dessa atitude que se cristalizou como estratégia foi o ambivalente chavão “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”. Num primeiro nível de leitura, estamos perante a descrição superficial da teoria da separação de poderes, paradigma do Estado de direito democrático. Pensando três a quatro segundos no que está a ser dito, a sentença esgota-se num eufemismo de alta eficácia pragmática. Confrontado com a imparável e ubíqua perseguição onde o tema Operação Marquês é arma de arremesso contra o PS, Costa, em vez de responder a jornalistas e adversários políticos com um genuíno “Não me fodam com o Sócrates. Deslarguem-me, caralho”, solta o foguete de sinalização “à justiça o que é da justiça” e continua o seu caminho sem ser atingido pelos mísseis da pulharia. Quando todos já estavam convencidos de ser impossível abatê-lo por esse flanco, eis que um parágrafo-guilhotina teclado pela procuradora-geral da República o decapitou no patíbulo de Belém. Divina graça: à justiça o que é da golpada política.

Não gostei de ver o PS refém dos criminosos com títulos de procuradores, juiz e jornalistas — factual e caudalosamente criminosos — mas é evidente que para Costa não havia alternativa ao abandono do tal ex-secretário-geral prisioneiro em Évora. Por estas duas incontornáveis razões: (i) Sócrates poderá vir a ser condenado por um ou vários crimes (quase 10 anos depois da sua detenção, não fazemos ideia do desfecho do processo); (ii) a menos que o PS decidisse abdicar de tentar conquistar o poder, a única via disponível, no meio do linchamento social e institucional do mais odiado e diabolizado socialista, era a da contenção dos danos recorrendo a uma implacável impiedade política contra a vítima. Sócrates leu, e correctamente, essa escolha como uma traição pessoal. Mas Sócrates não tem a razão toda.

Ainda não chegou o tempo de se fazer a avaliação moral e política de Sócrates, haja ou não condenações em tribunal. Por enquanto, dada a histórica violência que se abateu sobre ele, e através dele sobre a comunidade, o tempo é para essa luta que preenche o seu texto acima disponível. Subir às muralhas da cidade e defendê-la dos invasores. Infelizmente, como recorda a propósito de Mário Soares e do seu papel fundador na democracia liberal que desfrutamos, o PS há muito que não se vê nas barbacãs onde se faz frente aos mais poderosos inimigos da liberdade — actualmente, aqueles a quem entregámos as chaves e as armas da cidade.

15 thoughts on “Exactissimamente”

  1. não foi o karma de ter renegado o zezito que caiu em cima do costa , foi o ter-se aproveitado dos vigaristas que rodeavam o vigarista mor. instrumentalizou pessoas para no caso de precisar de fazer merda , a fizessem por ele. o galamba foi escutado por ser amiguinho do zezito e por estar em ministérios que lidam por muito dinheiro. às tantas arranjava também um carlos sillva e um grupo lena,
    se há coisa que costa fez muito bem e todo o ps lhe deve estar agradecido , foi desligar a figura do zezito do ps. e o que lhe aconteceu agora foi apenas o resultado de não se ter desligado de todos os que serviram e se serviram do zezito.
    casa roubada , trancas à porta. o mp age por causa da herança do voldemort .

  2. qual grupo lena, o maior contribuinte líquido e em tachos, do psd-leiria e nacional ou o da banda atlântida? se quiseres pesquisar história recente de escândalos de financiamento partidário e atribuição de tachos ao psd é fazer busca por leirsport, muitas das broncas eram na altura relatadas na imprensa regional, até chegaram a comprar a região de leiria para dizer bem deles. no caso socras a investigação parou para não implodir o psd.

  3. “Até parece que Deus, ou um deus qualquer, existe.”
    Obvio ululante, Valupi.
    «Deus é o único ser que, para reinar, nem precisa de existir» (Baudelaire).

  4. Não precisa de existir mas precisa que lhe deem existência, omnipotência e omnisciência como prova o próprio comentário de Baudelaire.

  5. um – o palhaço recebe o batanete da ordem dos médicos

    dois – o palhaço veta alterações ao estatuto da ordem dos médicos (contratos com e estado só aprovados pela ordem)

    três – o bastonário da ordem dos médicos anuncia abertura de inquérito, ao ex-secretário de estado da saúde lacerda sales, sobre a gemada brazuca.

    quatro – hospital diz que a marcação da consulta foi feita por alguém não identificado da secretaria de estado da saúde e ninguém perguntou como é tinham a certeza que chamada não tenha sido feita pelo palhacete

    https://observador.pt/2023/12/13/lacerda-sales-insiste-que-nao-marcou-consulta-para-as-gemeas-luso-brasileiras/

  6. «Já houve tempos em que os socialistas, mesmo aqueles que não tinham especial preparação teórica, sabiam, instintivamente, o que queria dizer a liberdade que defendiam. A liberdade positiva de participar nas eleições, nos debates públicos e nas decisões coletivas, com certeza. Mas também a liberdade negativa, aquela que limita o poder do coletivo, o poder do Estado, o poder do Nós, o poder dos outros sobre o indivíduo. Aquela que se indigna com os abusos de poder estatal e que não os aceita – nem os silencia. »

    É verdade, já houve tempos em que os socialistas sabiam, instintivamente, o que queria dizer a liberdade que defendiam.
    Lembro que na campanha para as eleições de 1969, a CEUD programou um “Esclarecimento” político
    no Teatro Vasco Santana instalado na Feira Popular junto à Praça de Entrecampos. Depois de falar o Magalhâes Godinho e Sotto Mayor Cardia esperámos por Mário Soares que fora interrompido, lá fora, pela Pide. Acabaram deixando-o passar mas mal começou a falar e a “malhar” no governo do Marcelo Caetano vários camiões de legionários mais a polícia que já lá estava desataram à bordoada sobre o pessoal que enchia o teatro e, então, corria a escapar-se por onde podia; o Cardia, que já sofria dos olhos, levou uma cacetada numa vista que o deixou quase cego pró resto da vida.
    Isto corresponde ao que é saber, pela prática e por instinto, o significado de liberdade.

    José Sócrates alega e bem, no meu entendimento, a liberdade positiva e a liberdade negativa e descreve os seus significados na vida prática. Fá-lo exemplar e didaticamente evidenciando como a “dicotomia” + – , quente-frio, alto-baixo, preto-branco, subida-descida, positivo-negativo, noite-dia, ideia-matéria, vida-morte, etc. etc., é a essência e o motor da evolução da vida e existência humanas e, por semelhança, é igualmente a essência e o ideal da Democracia.
    Aristóteles, considerado a 2ª maior cabeça de sempre depois do seu Mestre Platão, compreendeu a existência do “meio-termo” onde está a virtude, isto é, matematicamente, o O no qual coincidem o + e o – . E todo o seu gigantesco trabalho intelectual sobre física, metafísica, ética, moral, lógica, política, organização e classificação do que existe tem sempre, objetiva ou subjetivamente, por base esse conceito de dicotomia entre o meio-termo.
    Quando, na dicotomia, um dos meios termos esvazia e ocupa o outro desfaz-se o equilíbrio instável e, tal como na mecânica, o sistema quebra-se.
    Assim o sistema democrático; não é por acaso que se diz que a Democracia é “o pior dos sistemas à excepção de todos os outros”.

  7. realmente,

    o que aconteceu ao socrates é igualzinho ao que está a acontecer aos palestinianos.

    mas igualzinho, porra!

  8. O Valupi gosta de filmes e bem, escreve e reescreve guiões da realidade política, que são reinterpretações e hipóteses meramente racionais. O problema dos racionalistas é que tudo tem de fazer sentido, e quando não encontrem uma explicação racional atribuem-no a Deus, there’s no such thing as the toss of the coin. Descartes, Leibniz, Kant, etc…
    Neste caso atribuir intenções as acções de Costa perante o caso Sócrates através de uma racionalidade interpretativa vale de pouco porque meramente perceptivo. O que conta neste filme são os personagens e as suas dimensões e como responderam perante desafios semelhantes. Soares foi um estadista, Sócrates foi um governante corajoso q não recuou perante as corporações e Cavaco, Costa é um político mainstream, aparelhista e preso do olhar do sistema.
    Soares visitou e apoiou Bettini Craxi (e Sócrates) quando este tinha “lepra”, o seu grande exemplo é se recusarmos á política a dimensão afetiva e emocional estamos a derrotar a moral. Se alinharmos a política por mero calculismo então venha a AI, a mediania e o embotamento cívico.

    Outra questão é o facto de Sócrates ter estado preso no passado e também estar “preso” do seu futuro, do eventual desfecho do seu julgamento. Pois bem parece que se assim for o autor só texto já interiorizou quase por completo a mundivisão que pretende rejeitar, a do MP. Se interiorizamos o olhar de um sistema q consideramos injusto então o sistema somos nós.
    Por último declaro a minha eterna oposição ao racionalismo castrador, para mim 3+2 serão sempre meio litro, nunca 5.

  9. estou de acordo com tudo, tudinho, no texto tão interessante – excepto com a hipotética resposta de Costa. porque Costa está tranquilo, não está zangado.

  10. Joe Strummer, produziste um comentário incompreensível, consequência de te teres reduzido ao fanatismo quando te aparece o nome Costa pela frente.

    Ao escreveres que “Costa é um político mainstream, aparelhista e preso do olhar do sistema” achas-te o descobridor da pólvora? Não, pá, estás é no reino da banalidade. Sim, Costa é isso, pois claro. Aliás, como não? Só que não é só isso. Conteúdo a que já não acedes por teres a mioleira preenchida com essa abstrusa cruzada contra o “racionalismo castrador”, seja lá o que isso queira dizer.

  11. prontos , o soares era fiel aos socialistas , fossem crápulas ou não , tinha uma grande auto estima e achava que tudo lhe era permitido ( igualzinho ao marcelo) , já o costa é um malabarista com complexo de inferioridade e só é fiel a si mesmo. percebeste ?
    e o joe , o soares não era estadista nenhum. gozou de uma reputação totalmente imerecida. o s únicos estadistas que Portugal teve foram o rei Don Dinis e o botas . resignem-se. o cunhal também tinha dado um bom.

  12. Yo, isso é uma caricatura. Soares não apoiou só socialistas, antes e/ou depois do 25 A. Leonor Beleza, por exemplo, não é socialista.
    Tens razão quanto a Costa.

    Quanto ao resto, estou nos antípodas, nem vale a pena…

  13. Valupi, não é o mesmo que te sucede quando escreves sobre Marcel e outros personagens?
    É esse o teste, a ver se te consegues reconhecer no pretenso ódio dos outros. Suspeito que ainda vai levar algum tempo.

    O comentário não é sobre Costa, e sim constata o óbvio, tanto sobre ele como sobre Soares ou Sócrates. Qual o problema? A tua hipersensibilidade sobre Costa, uma mania da perseguição por delegação. De resto se não consegues compreender é melhor não tentares adivinhar.

    E vou ficar por aqui porque por princípio não costumo conversar com quem me bloqueia o IP sem o assumir.

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