Anda muito acesa a discussão sobre o acordo celebrado entre o PSD e o Chega com vista à formação de um governo nos Açores. A resposta de quem apoia esse acordo às críticas do PS e de alguns militantes do PSD consiste em fazer equivaler o PCP e o BE – considerados a “extrema-esquerda, mas comprometidos com um governo do PS – ao Chega – considerado a “extrema-direita”, assim justificando e desdramatizando esta nova aliança.
Se querem saber a minha opinião, eu acho que os regimes defendidos pelo PCP foram e são efectivamente ditaduras, historicamente repressoras das liberdades, niveladoras por baixo (ou seja, sistemas em que toda a gente é remediada ou um pouco pobre, sem hipóteses de ambições individuais, com uma consequente estagnação económica e científica e pouca inovação), excepto para a camarilha que ocupe o poder e os seus lambe-botas, que vivem invariavelmente bem – ver a ex-URSS, a Rússia actual, não comunista, mas sua herdeira, a actual Coreia do Norte e Cuba. A brutalidade de Stalin veio pelo meio coroar de violência um regime já de si ditatorial à partida e por natureza – chamassem-lhe ou não “ditadura do proletariado”. Entretanto, essa violência ficou para sempre registada e a História avançou.
Hoje em dia, será o PCP uma ameaça real à democracia? Com a maioria dos partidos comunistas praticamente extintos na Europa ou transfigurados, ou passados para ideologias de direita, as teorias que os poderiam levar ao poder estão totalmente desacreditadas. É uma impossibilidade, à hora actual, um partido comunista ou alguém que se intitule comunista assumir o poder, chegar ao poder por meio de alianças e muito menos tomar o poder por alguma qualquer revolução. Não há simpatia, não há apoios. Só por isso, que já é muito, o PCP não representa qualquer perigo para a democracia. Neste momento, em Portugal, e lembro que é praticamente o seu último reduto, limita-se a controlar alguns sindicatos, sobretudo na função pública. E também por isso, qualquer acordo de governo com estes 6% do eleitorado mais não incidirá do que em “direitos laborais”, dinheiro para a função pública e no acautelamento da relação de força em alguma autarquia. Os comunistas não representam hoje em dia mais nada. Servem ainda e porém para nos lembrar do obscurantismo e da violência do regime de Salazar, a última ditadura que nos foi servida. Mas nisso não são os únicos.
Já o mesmo não se pode dizer do Chega e dos seus aliados a nível internacional. Sem espaço nem tempo para escrever aqui um compêndio sobre o ressurgimento da extrema-direita na Europa e na América, digo apenas que os discursos populistas são hoje em dia bem deglutidos por uma boa parte da população. Nuns sítios mais por uns motivos (imigração muçulmana), noutros mais por outros (racismo histórico latente, excessos dos esquerdistas e do politicamente correcto, ocupação do “centro” político democrático e do centro-direita pela esquerda dita “socialista”), a verdade é que a incultura generalizada trazida à tona de água pelas redes sociais, nelas orgulhosamente verbalizada e explorada por oportunistas encartados contribui para a formação de hordas de energúmenos que se mostram dispostos a seguir a conversa de qualquer badameco bem falante (e às vezes nem precisa de o ser – é só ver o Trump) que se proponha “mudar o regime”, “acabar com os corruptos”, “defender os nossos valores cristãos”, ou fazer a “America great again”, etc., etc. Por isso sim, o Chega e os seus amigos, como o Front National da Marine Le Pen, são uma ameaça à democracia e à paz interna. Ancorados na tal horda de ignorantes e de puritanos e falsos puritanos incomodados com os “excessos de liberdades”, eles visam tomar o poder e, uma vez lá chegados, perverter as instituições democráticas, passando a controlá-las em seu favor. Olhemos o Trump, senhores! Os seus apoiantes são o Orban da Hungria, o Erdogan, da Turquia, o Bolsonaro e quejandos. Todos no poder. É perigoso dar a mão e palco a esta gente? Claro que é. Pois é isso que o Rui Rio acaba de fazer.
Repararam com certeza que não mencionei o Bloco. Resolvi omiti-lo desta equação, porque o Bloco para mim não é nada de enquadrável ideologicamente e está muito longe de ser uma ameaça para o regime democrático. São uma súmula e uma amálgama dos antigos grupúsculos de extrema-esquerda entretanto irrelevantes, transformados numa espécie de comunistas mais fofinhos e libertários, sem o histórico sério e pesado do PCP. Na Grécia, chegados ao poder através do Syriza, depois do desmoronamento do PASOK, governaram como qualquer bom europeu depois de terem percebido que quase nenhum dos seus governados queria abandonar a União Europeia. Portanto, o Bloco é mais conversa. Conversa que pode ser útil para o PS português, por exemplo, se os tiver como aliados, nos ataques à direita decadente. Calma, pode parecer que lhes estou a chamar idiotas úteis. Então, mas não chegaram ao poder na Grécia? Sim, chegaram. Por isso, vai daqui um “piqueno” elogio: direi que podem ser um “PS sobresselente” e, mesmo assim, são precisas circunstâncias.