Eleições em Lisboa

Não gosto de fazer futurologia, mas, com os candidatos anunciados para a Câmara de Lisboa, a campanha eleitoral autárquica induz-me às seguintes previsões e considerações:

A candidata do Bloco, uma senhora de origem guineense, que já foi autarca em Juntas de Freguesia de Lisboa, deputada municipal e deputada nacional, é uma boa aposta (digo isto, mas nunca a ouvi falar). Ficará, em princípio, na Câmara e isso é bom, é sinal de que pessoas imigrantes e naturalizadas e que se sentem parte de uma minoria discriminada já acedem a lugares onde não têm sido vistas. São dela estas palavras: “Acredito que é possível construir uma outra Lisboa: uma cidade mais habitável, mais inclusiva, mais solidária, menos desigual e com mais memória. Uma Lisboa com coragem e determinação para enfrentar a crise social que vivemos, a emergência climática, o racismo e todas as discriminações“. Não é difícil ver onde colocará a tónica na sua campanha, ao falar em memória, racismo e discriminação. Precisamente na campanha eleitoral, porém, com a presença do também candidato Nuno Graciano, do Chega, que se apresentou a Lisboa de mão ao peito em frente ao monumento aos Descobrimentos, receio bem que os temas não venham a ser os que interessam mais à cidade, nem que a cidade seja o principal foco. Receio que os temas sejam os que apenas interessam marginalmente, como a manutenção ou não da estatuária, do ajardinado e do edificado evocativo da nossa história, com as provocações sempre ao virar da esquina, dadas as escaramuças recentes. Em suma, a discussão pode descambar para a nossa história e para o orgulho nela e para o nosso maior ou menor racismo. Interessante, mas potencialmente incitadora de ódios e paralisadora. E Lisboa e o seu futuro, nomeadamente o ruído aéreo, a vê-los passar.

Só espero que, por um lado, a derrota ou um mau resultado da candidata do Bloco não conduza a interpretações que os atribuam ao racismo, assim como a uma vitimização (o que não é de excluir, dada a presença habitualmente agressiva do Chega) e, por outro, que, à custa dos jardins e monumentos de Belém, o Chega não possa cantar vitória. Veremos. A campanha será diferente mas não necessariamente louvável.

De fora desse confronto, mas obrigados a pronunciarem-se caso ocorra, estarão Fernando Medina e Carlos Moedas, nenhum deles racista nem adepto de autoflagelações a propósito da nossa história, pelo que os dois poderão assistir à novidade e participar com o máximo juízo de que forem capazes. Medina tem obra feita e muito bem feita, apesar da ciclovia da Avenida Defensores de Chaves, que não tem pés nem cabeça. (Ainda gostaria de falar com o engenheiro que achou uma boa ideia pôr uma pista ciclável a tocar nas portas dos carros estacionados…) Mas a cidade está linda, muito propícia à utilização de meios de transporte saudáveis, muito usufruível e menos poluída. Também no domínio do acesso à habitação e da melhoria do parque habitacional, Medina tem feito trabalho considerável e tem novos projectos já na calha. A localização e a volumetria do novo hospital da CUF em Alcântara foram decisões muito discutíveis, embora não da sua exclusiva responsabilidade.

Carlos Moedas vai dizer que saberá melhor do que ninguém aplicar os fundos europeus, porque foi comissário europeu … da Ciência – e pouco mais terá a dizer, também dados os seus fracos dotes de oratória, a não ser defender-se da sua participação no governo passista e mandar farpas contra os socialistas em geral, em campanha política contra o actual Governo, numa tentativa de conseguir mais tarde a liderança do PSD. A jogada é tão clara e flagrante que não lhe prevejo um brilhante resultado na autarquia.

O Medina tem, portanto, todas as condições para ganhar, mas vai ter que saber defender a cidade dos provocadores, tergiversadores e oportunistas de vários quadrantes, sem deixar de responder às reclamações das minorias. Com coragem e bom senso.

5 thoughts on “Eleições em Lisboa”

  1. “Medina tem, portanto, todas as condições para ganhar”
    E tem mais uma de que se esqueceu: tem tempo de antena semanal na TVI.

  2. Ninguém os impediu de candidatar a Ferreira Leite, o Portas, o Marques Mendes, o Diogo Feio, o Ricardo Arroja…
    Esses também têm tempo de antena semanal.
    Depois de espetarem na Presidência da República um gajo que andou anos a fio a pregar em horário nobre, ainda se queixam.
    Deve ser da asfixia democrática.

  3. Penélope, desculpe por não comentar o poste, vou comentar alguns comentários :-)
    O que tem mais tempo de antena – chega a falar em directo em 4 canais ao mesmo tempo – esse é o treinador JJ da bola .
    se o tempo de antena fosse garantia de elegibilidade, estava no papo .
    formaria governo com bruno alves, a ministro do interior, simão sabrosa, ministro dos negócios estrangeiros, luis figo, ministro das finanças, dos cambios e das pesetas, etc.
    depois haveria também o centro interpretativo JJ, a acrescentar ao CC de Belém.

  4. Ah, quanto à ciclovia da Defensor de Chaves:
    G’anda exagero!
    Entre a faixa e os carros ainda tem cerca de 1/2 metro, pelo menos.
    Das duas uma: Ou a Penélope tem um Hummer, ou caímos no estereótipo do estacionamento feminino.
    Também se pode pôr a hipótese de não conseguir pedalar a bicla em linha recta.
    Dá direito a emoji ?

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