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Senhor Klaus Regling: “Nem a Alemanha”

Em entrevista a publicar amanhã, o alemão que preside ao FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) afirma que, sem o Fundo, Portugal e a Irlanda já não estariam na zona euro. OK, Klaus, não presides ao fundo de promoção da apanha da azeitona e a tua função é importante. Vida longa a Klaus Regling!

Mas, embora desconhecendo o contexto em que tais palavras foram proferidas, não posso deixar de observar que este tipo de afirmações espera normalmente uma resposta dos supostos prevaricadores do género – “Eternamente agradecidos pela bondade de Vossa Excelência. Muito obrigados. Bem haja. Deus lhe pague”.

Ora, todos sabemos, olhando para o caso da Grécia e para as hesitações e receios dos dirigentes europeus, com destaque para os alemães, no que respeita à saída do país da zona euro, que a criação do referido fundo e a ajuda aos países vítimas da especulação visa sobretudo evitar males maiores (como os custos de uma crise humanitária ao estilo de África, ou, no caso concreto da Grécia, a sua perda e a dos Balcãs para a esfera russa), o efeito dominó e uma descida (já estudada) do PIB alemão e de outros países do Norte em largos pontos percentuais. Não visa propriamente a prática da caridade e muito menos da solidariedade. Assim sendo, e a ser assim, Regling prova ser mais um que está convencido que fala para mentecaptos e que perde facilmente, como alguns compatriotas seus, oportunidades para estar calado. Não ajuda. Crispa.

É muito provável que os dois países já não se aguentassem nem aguentassem o euro (moeda forte) sem os empréstimos desse fundo (presumo que a Grécia, para este senhor, pelo menos na sua cabeça, já saiu). Mas a Alemanha também já não estaria nada bem e possivelmente nem euro haveria. Poupem-nos.

“Up yours!”, Paulo Rangel

Impostores sem credibilidade alguma.

«O eurodeputado Paulo Rangel considera que, neste momento, Portugal “tem uma credibilidade externa que lhe permite ser visto e compreendido pelos responsáveis pelo programa de financiamento de forma diferente daquela com que era visto em 2011”. »

Agora em francês: “Tiens!”

Insinua Rangel que, em 2011, presume-se que no primeiro semestre, claro, o governo português de então, esbanjador e sem tino, desrespeitava sistematicamente os programas de contenção orçamental e que a irresponsabilidade era tanta que o país perdeu a credibilidade (presume-se que a perda já vinha a acontecer desde 2005), não tendo os credores outro remédio senão fechar a torneira e pôr ordem no recreio, tal o desvario de gastos. Ora, quem melhor do que os estarolas da São Caetano, mancomunados com os patos bavos deste país e tranquilos com o estatuto de Vítor Gaspar, para a árdua missão, não é, Paulo Rangel? Agora sim. Com um milhão de desempregados, uma diminuição acentuada dos rendimentos das famílias, a fuga dos portugueses mais qualificados, a subida generalizada dos impostos e, apesar disso, uma quebra colossal na receita fiscal, tão colossal que a meta do défice não será cumprida, e ainda o agravamento da dívida muito para lá do esperado, a credibilidade é total. Somos finalmente credíveis! Não vamos reestruturar a dívida como os gregos nem desrespeitar as metas como eles nem adotar novas medidas de austeridade que agravarão a recessão. Nada. Somos credíveis, assistidos mas credíveis. Ou credíveis porque assistidos? A virtude que Paulo Rangel vê nesta situação escapa-me.

Pois bem, Portugal era um país totalmente credível em Março de 2011. Tão credível que a União Europeia aprovou o quarto plano de estabilidade do governo Sócrates e declarou-se disposta a apoiar o país por todos os meios de modo a que não seguisse o caminho da Grécia e se colocasse aqui uma barreira no dominó de países sujeitos a tombar. Quem destruiu a chamada credibilidade foi a oposição com o chumbo do referido plano e a instabilidade política criada antes disso, que se traduziu, por exemplo, no chumbo de toda e qualquer medida de contenção orçamental (recordo apenas o corte das transferências para a Madeira, a reforma da carreira docente, a subida do IVA para produtos excessivamente calóricos, como o leite achocolatado, mas o peru do festim foi muito mais recheado).

O que falta a esta gente para ser, ao menos, um pouco honesta? Porque não diz Paulo Rangel, um homem que se assume católico, que as condições em que Sócrates governou a partir de 2009, em minoria na Assembleia, sem coligação nem acordos de governo e sem o apoio de Cavaco, o principal urdidor do plano de assalto ao poder do PSD, tornou a redução da despesa literalmente impossível? E que tudo se deteriorou após o chumbo do PEC 4?

A única credibilidade do país neste momento em que todos os indicadores económicos se agravaram, com exceção das importações, que diminuíram, mas pelos maus motivos, ou seja, porque não há poder de compra, é a inventada por pessoas como Rangel e seus correligionários e sustentada pela Troika, que não tem qualquer interesse em reconhecer o fiasco do seu programa. Um programa que, convém referir, o primeiro-ministro assumiu como seu. O regresso aos mercados e a dispensa da Troika só será possível depois de uma reviravolta na política europeia e no papel do BCE, que era por onde se devia ter começado, poupando-nos a este triste espetáculo do Relvas e companhia, cuja única missão, essa sim, é entregar grandes empresas aos amigos e depressa, antes que o vento mude e os negócios fujam.

Os limites das lentidões

Não simpatizo com Mariano Rajoy. Preside a um governo de direita em que pontuam personagens ligados ao setor mais conservador da Igreja católica e herdeiros do franquismo, que, em matéria social, por exemplo, querem fazer inverter certas políticas relativas às mulheres. A sua figura também não suscita qualquer empatia e personifica o oposto de um político mobilizador. Mas compreendo o homem e a sua reação perante o aperto em que o país se encontra atualmente: protela por todos os meios um pedido oficial de resgate, nos termos por nós amargamente conhecidos, e joga os seus trunfos.

Plenamente consciente do peso da Espanha na moeda única, começou por um desafiante, embora desajeitado, “mãos ao ar senão eu mato-me” (numa expressão feliz de Braga de Macedo), dirigido à Alemanha e às instituições europeias, prosseguiu depois para negociações bem sucedidas sobre uma ajuda exclusivamente à banca, que acelerou a criação de uma união bancária a nível europeu, e, apostado em que o BCE, com um italiano na presidência, aceda a desafiar o Bundesbank e Merkel em defesa da própria Itália, aguarda o resultado das pressões, demográficas e diplomáticas e outras (apoio de Hollande), que lhe pouparão a humilhação da vinda da tenebrosa Troika (sim, só alucinados como Passos, Mira Amaral ou Gaspar a veem como uma brisa retemperadora com poderes redentores). O que é certo é que não só as yields pedidas pela compra de dívida espanhola, embora altas, deixaram de subir, como também Mario Draghi já ousou publicar anteontem no jornal alemão Die Zeit um artigo expondo claramente e sem temor os seus pontos de vista, discordantes dos do Banco Central alemão, sobre o papel do BCE na atual crise. Não deixando de lembrar, como convém, os benefícios para a própria Alemanha de uma mudança na estrutura do euro (“A new architecture for the euro area is desirable to create sustained prosperity for all euro area countries, and especially for Germany. The root of Germany’s success is its deep integration into the European and world economies. To continue to prosper, Germany needs to remain an anchor of a strong currency, at the centre of a zone of monetary stability and in a dynamic and competitive euro area economy. Only a stronger economic and monetary union can provide this.”), Draghi defende, entre as linhas, a intervenção do BCE nos mercados da dívida de modo a aliviar a pressão sobre alguns países, embora apelide a medida de excecional. Lembra os objetivos de paz e prosperidade que estão na origem do projeto europeu. Aponta os defeitos da criação de uma moeda sem Estado e a sua relação com o desejo de soberania dos diversos países e, desejando embora uma maior integração económica, entende não ser altura para decisões forçadas de federalismo, como parece pretender Angela Merkel com a ideia de um novo Tratado, nem, ao invés, um recuo ou abandono do projeto europeu com a exclusão de certos países. Eis o excerto final: “Yet it should be understood that fulfilling our mandate sometimes requires us to go beyond standard monetary policy tools. When markets are fragmented or influenced by irrational fears, our monetary policy signals do not reach citizens evenly across the euro area. We have to fix such blockages to ensure a single monetary policy and therefore price stability for all euro area citizens. This may at times require exceptional measures. But this is our responsibility as the central bank of the euro area as a whole.
(…) The banknotes that we issue bear the European flag and are a powerful symbol of European identity.
Those who want to go back to the past misunderstand the significance of the euro. Those who claim only a full federation can be sustainable set the bar too high. What we need is a gradual and structured effort to complete EMU. This would finally give the euro the stable foundations it deserves. It would fully achieve the ultimate goals for which the Union and the euro were founded: stability, prosperity and peace. We know this is what the people in Europe, and in Germany, aspire to.”

Um passo importante para o isolamento da Alemanha na sua ortodoxia austeritária e para a revisão do papel do BCE? É cedo para o sabermos, mas o desafio está lançado. E, hoje, já o presidente do banco central alemão ameaça demitir-se com fundamento nas discordâncias.(Este senhor, Weidmann, é o que considerou há dias que o programa de compra de dívida pública pelo BCE poderá ser “viciante como uma droga”).
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Cínico e, como sempre, malcriado

Uns eram piegas, outros agora são histéricos. Relvas e Borges decidiram interromper ou, sabe-se lá, dar por concluído o estudo da operação “prenda de Natal”, acreditando terem chegado a uma brilhante solução que quiseram de imediato partilhar com os portugueses. Passos Coelho manda António Borges revelar publicamente, com o desconhecimento do seu próprio parceiro de coligação, a proposta “interessante e atraente” de concessão do serviço público de rádio e televisão a um privado, e, perante as legítimas reações adversas de pessoas esclarecidas num Estado democrático, acusa-as de histerismo e de precipitação, dada a inexistência de uma decisão? Se não sabem o que vão fazer, porque falam?

Vejamos então o que seriam reações não histéricas.

1. “Ótima ideia. Só peca por tardia. Que interessam as regiões, as comuniddades internacionais e a cultura portuguesa?” (Mário Soares)

2. “Totalmente legítima e constitucional. Parece-me uma matéria muitíssimo bem estudada em todas as suas implicações”. (Adriano Moreira)

3. “Há toda a legitimidade em atribuir ao novo concessionário as contribuições para o setor audiovisual, assim como um rendimento garantido. A nós, chegam-nos perfeitamente as receitas da publicidade, que, aliás, não importamos de dividir com a concorrência nesta época de pujança económica”. (Pinto Balsemão)

4. “Sim, concordamos. O nosso empenho no saneamento da empresa não produziu quaisquer resultados. Somos incompetentes. Sabíamos que a manutenção do serviço público nas mãos do Estado só faria sentido com prejuízos.” (Administração da RTP)

5. “O doutor António Borges fez bem em substituir-se a Miguel Relvas. O ministro tem que ser poupado a mais insultos. Já sofreu o suficiente e injustamente.” (Miguel Sousa Tavares)

6. “Não temos dúvidas de que o senhor presidente da República está informado e subscreve a proposta, caso contrário não teria sido verbalizada. Ele sempre foi contra a existência de canais públicos”. (Partidos da oposição)

7. “O doutor António Borges é a pessoa mais habilitada para transmitir as decisões do Governo. Não é ministro, mas ganha mais do que qualquer deles. Essa é a garantia de que sabe o que anda a fazer.” (António Pedro Vasconcelos)

Não disseram isto. São histéricos. Que tal indignados ou tão só incomodados com os vossos esquemas, radicalismo e, hoje mesmo, cinismo?

Não fadado para a função, no mínimo

Dizer que causa estranheza, ou mesmo vergonha, a reação de António José Seguro ao anúncio da concessão a privados da RTP/RDP é mentir. Por demasiadas vezes o líder do principal partido da oposição mostrou que reações frouxas, canhestras e inconsequentes são o seu forte, passe o paradoxo. Nenhum rasgo de brilhantismo, contundência, simples clareza ou clarividência é já de esperar daquela boca ao fim de mais de um ano de afabilidade, segundo o próprio, “responsável”.

Começar por dizer, em festa na Madeira, que, quando for poder, o PS renacionaliza a RTP, já de si uma patetice sem jeito, e só mais adiante apelar ao veto do Presidente Cavaco é de uma falta de talento e de preparação lamentável. Seguro anda a Leste e desconhece que há um Norte. Ninguém também parece querer mostrar-lho e o homem está tristemente entregue a si próprio. O conformismo de tais declarações é duplo: primeiro, dá a decisão por tomada e depois, por obra de algum espírito santo de orelha ou de um assomo de memória da lição mal estudada, apela ao veto (“Eu espero que essa proposta não passe no crivo do senhor Presidente da República.”), mas arranjando logo maneira de integrar novo conformismo ao ressalvar “Mas, se passar, quando o PS for governo voltará a existir um serviço público de televisão“. Homem, como? Cria um de raiz? Entra na guerra jurídica da anulação do contrato de concessão, previsivelmente bem blindado? Ah, talvez só preveja ser primeiro-ministro daqui a 20 anos.

O que nos leva a perguntar como seria um líder da oposição que tivesse estabelecido um pacto secreto com o atual primeiro-ministro de não oposição parecendo oposição. A resposta parece-me óbvia.

Combinação ganhadora, para já

A linguagem pouco polida, vulgar e popularucha utilizada por Passos Coelho, o inenarrável primeiro-ministro que leva a família a passar férias para a Manta Rota ao volante de um Opel Corsa para mostrar que é do povo, obrigando-nos a pagar para isso a “n” guarda-costas – joga na perfeição com o também inenarrável Correio da Manhã, cada vez mais o jornal do Governo para as massas iletradas que se pretende se mantenham como tal, não vá a educação abrir-lhes a pestana (Nuno Crato está de serviço a essa frente).

Mal estalou a polémica com as declarações de António Borges sobre a concessão do serviço público de rádio e televisão nas delirantes condições conhecidas, começaram a ser publicadas nesse jornal notícias sobre os gastos da RTP – ontem eram três mil e tal milhões desde 2003 (porque não 1958, ó Otávio Ribeiro, isso é que era um número de arromba!), hoje são os automóveis de luxo que a empresa possui, amanhã será talvez o ordenado da Catarina ou do José Rodrigues dos Santos. A estratégia não é nova. É baixa, é suja, revela a promiscuidade total entre o Governo e a comunicação social (no caso deste jornal levada ao extremo), mas, dirigida a quem embarca em populismos e demagogias por não ter tempo nem cultura nem conhecimentos para olhar melhor para os assuntos, funciona. Resta saber se as reações de outros quadrantes da sociedade ainda conseguem travar tal enormidade que consiste na atribuição graciosa, e com lucro garantido, de um canal de televisão histórico e respetivo património e “know-how” aos amigos.

O Correio da Manhã é uma espécie de Professor Marcelo. Tem uma apresentação simpática, colorida, notícias curtas, fáceis de ler, muitas imagens e uma cobertura inigualável dos casos sociais – assaltos, crimes, roubos, violações, tudo aqueles jornalistas conhecem e até se diria que têm um canal privilegiado de comunicação com as polícias. O pior é o basismo, o imediatismo e a superficialidade aplicados às questões políticas. E, em sintonia com o Governo, como Marcelo, a manipulação com determinados fins.

Quem nos idos de 2008 inventou uma “claustrofobia democrática” por alguém ter querido combater, ao sentir-se a primeira das vítimas, a verdadeira asfixia que já então se desenhava e agora plenamente se confirma mais não são do que os manipuladores mais impiedosos das mentes incautas em prol da divisão do por eles denominado pote. Prova-se assim que nem o controlo quase completo dos jornais lhes basta. As televisões e as rádios têm que vir a seguir.

Não sei o que anda a fazer o PS no meio disto tudo. Andará a debater-se com a bicuda questão da aprovação do próximo orçamento destas criaturas ou andará a estudar metodicamente, no meio da hecatombe, o programa para 2015, como referiu anteontem um dos membros da sua direção?

Isto compreende-se?

Leem-se no Jornal de Negócios duas notícias que despertam, no mínimo, perplexidade. Uma diz que António Borges, o ministro privado deste governo pago por dinheiros públicos, depois de se debruçar sobre o assunto, concluiu que a concessão a um privado do serviço público de televisão e rádio e o encerramento da RTP2 são a melhor “solução” para o sorvedouro de dinheiros públicos que estes serviços representam (uns “escandalosos” 80 milhões anuais, contas feitas, e sem ter em conta eventuais futuras poupanças, sempre possíveis). Ora, prevendo-se, nessa solução, a transferência para o concessionário dos 140 milhões provenientes da contribuição audiovisual incluída na fatura da eletricidade e não arrecadando o Estado qualquer receita com a venda do serviço, uma vez que não há venda, qual o interesse desta solução para os cofres do Estado, já que parece ser disso que se trata, face à manutenção de uma estação pública com programação de qualidade e garante da nossa identidade (não só o canal nacional, mas também a RTP Internacional é importante e nada impede que a sua programação seja melhorada)? E qual o fundamento para que o Estado não pague também aos outros canais privados o serviço público que, em menor ou maior grau, também é por eles assegurado, tantas vezes bem (sobretudo no cabo)? Para já não falar nas implicações da definição exata de serviço público.

Ao mesmo tempo, lê-se numa segunda notícia sobre o mesmo tema que do gabinete de Miguel Relvas mandam dizer que a proposta é “um modelo interessante”. Como se Borges fosse um comentador totalmente alheio ao governo que decidiu ir ontem à TVI porque lhe apeteceu e achou giro e como se a sua genial ideia nunca tivesse sido sequer mencionada nos telefonemas ou reuniões que seguramente deveriam ter. Ou não têm? Mas afinal que bandalheira é esta?
Para manobra de diversão, o tema é demasiado sério, mas de facto equivalente ao desvio monumental na execução orçamental.

Vítor Gaspar, uma genial desgraça

Quando se percorre a escala de génios que nos governam começando cá em baixo no Relvas, em ex aequo com o Passos, tem sido comum o convencimento de que tal escala, a culminar em alguém, culminaria no Gaspar, em princípio o mais distante da genial parelha, o “Dó” final . Se seria o mais competente, o único competente ou o menos incompetente é cada vez mais um pormenor irrelevante. Competência é palavra que definitivamnente não se lhe aplica.

O novo buraco de 3000 milhões de euros nas receitas é, além de trágico, um erro colossal nas suas previsões. A escala de génios tende assim, cada vez mais, para uma escada – mas deitada. Tudo ao mesmo nível. Que dó.

O bla-bla dos palermas

Diz o diretor do jornal i, juntando-se a outros do mesmo jaez que por aí abundam, que a posição que o PS assumir na votação do próximo orçamento de Estado é muito importante para a imagem externa do país. Logo, em seu douto entender, o maior partido da oposição deveria abster-se. “Negociada e racionalmente”, mas abster-se.

«Depois da abstenção violenta, talvez chegue a abstenção negociada e racional.
Por muito que lhe custe, há responsabilidades que o maior partido da oposição sempre tem, mais a mais neste caso, em que boa parte da situação negativa da economia e das finanças públicas resulta de opções erradas tomadas quando o PS foi governo, num considerável número de anos.
A abstenção é, pois, o ponto de equilíbrio que o PS deverá adoptar, embora não vá ser fácil arranjar argumentos que conciliem essa posição benevolente com uma oposição consistente e alternativa
»

Ora, estamos muito fartos desta conversa da direita, que, aliás, só é verbalizada porque Seguro é o que é. É fácil ver nele hesitação, falta de coragem, calculismo burro e valorização despropositada da amizade pessoal com este inenarrável primeiro-ministro, no fundo, permeabilidade à chantagem. Mas o facto é que as opções erradas, o experimentalismo e o fundamentalismo do atual governo são fortemente responsáveis pelos desvios colossais nas contas públicas deste ano. Amanhem-se, pois, com o orçamento.

Mas o argumento de que o partido socialista tem a obrigação de se abster porque é responsável por boa parte da situação negativa da economia e das finanças públicas devido às opções erradas tomadas nos últimos anos é o exemplo máximo da demagogia e da desonestidade. Que responder a isto se não um sucinto e malcriado “vão à m…”? Pela enésima vez, que teriam feito as luminárias da direita, se estivessem no poder, para aparar o choque de 2008/2009, quando começaram a falir empresas em catadupa e não só aqui, em toda a Europa, ao ponto de ter sido acordado por todos os Estados-Membros que se adotassem medidas de estímulo à economia, nas quais se incluíam investimentos do Estado, muitos deles com a comparticipação da UE, nem mais, e se desrespeitassem os limites dos défices, o que forçosamente aumentaria a dívida pública, como aumentou em todos os Estados? Teriam abandonado o Conselho Europeu em protesto, desafiando a Merkel da altura, toda ela ajudas públicas e flexibilidade, por quererem aproveitar o ensejo para chamar os chineses, fechar o que não lhes interessasse e mandar embora quem estivesse a mais?

Não estava José Sócrates a controlar as contas antes do eclodir da crise financeira internacional? Estava. E como se sentiam as luminárias então? Roídas de inveja com a preocupação de rigor e contenção, com o dinamismo, a determinação e a visão de futuro do novo primeiro-ministro, decidindo até, em desespero de causa, começar a manchar-lhe a reputação e honra por meio de golpes sujos nunca vistos. Tenham vergonha.

A democracia não está suspensa na Europa. Muito pelo contrário. Basta olhar para a Alemanha e para o modo como as suas instituições e trâmites democráticos tantas vezes mantêm o resto da Europa em angustiante expectativa. Além disso, os socialistas não são o Bloco de Esquerda. O voto contra o orçamento não representa nenhum radicalismo nem ameaça de nenhuma revolução sangrenta. Representa apenas discordâncias de princípio e vontade de fazer melhor pelo país (pelo menos os elementos mais bem preparados e competentes que por lá existem). O jogo democrático, não mais do que isso. Acresce que o fim da especulação com os juros das dívidas soberanas, grande causa dos desastres financeiros de alguns, resolve-se, sem prejuízo do saneamento das contas nacionais, com a intervenção do BCE, não com a morte da economia. Alegar também que o aligeirar das condições de financiamento conduziria a um suposto “regabofe” é querer ignorar o que eram os PEC. O controlo e a transparência são agora (e já eram) regras comummente adotadas e concretizadas. Tarda, por isso, uma guerra aos palermas. Aqui, o meu humilde contributo. E o Seguro, se quer ter uma vida fácil e pacífica, pois que tenha e não empate.

Irmãos, amemo-nos, mas só de há um ano para cá

Recomendo vivamente a crónica do devoto João César das Neves hoje no DN. Decidirão se hão-de rir, suspirar ou, na ausência de uma mangueira, ir tomar duche. O postulado é o seguinte: nesta como noutras crises, há que conhecer os que apelidamos de “maus” ou inimigos. Veremos que são pessoas como nós. Dito assim, isto é bonito. «A maior parte acusa os políticos, os corredores do poder, salas de ministérios, gabinetes do Parlamento. Lá estão os manipuladores emproados que roubam o povo e destroem a liberdade.» Errado, para César das Neves, mas só agora. No entanto, ficamos rapidamente a saber que César das Neves tem também em mente as acusações aos especuladores financeiros, aos gestores bancários, à China, ao clube de Bilderberg, enfim, aos mais óbvios inocentes no meio do retrocesso económico e social a que assistimos no mundo ocidental. Mas trata-se, para César, de teorias da conspiração. Tais entidades não existem enquanto tal.

Ora é pena que haja quem assim descreia, porque, de facto, (digo eu) os interesses de uns ou outros não são necessariamente os interesses do grosso dos cidadãos comuns nem dos povos dos diferentes países, pelo que será, sim, a todos os títulos útil conhecer as razões, os objetivos, os instrumentos ou as armas de que cada grupo se mune para prosseguir os seus intentos ou políticas, nos quais se incluem a ganância pura, o prazer do jogo, o desafio das regras, o abuso ou a manutenção de poder ou simplesmente o aproveitamento de oportunidades. O colunista é, porém, mais cristão do que isso e também mais cego – neste mundo, para ele, não há colisões de interesses. Há apenas pessoas. Pede então César que se olhe para o nosso ódio de estimação, qualquer que ele seja. Nas suas palavras: «Apesar da propaganda cinematográfica, na vida real esses seres míticos (monstros, zombies, extraterrestres ou psicopatas (mas, dr. Neves, estes existem) não existem. Só cá estamos nós. No local de todos os males há apenas gente. Pessoas que tiveram pai e mãe, que amam, sofrem, têm sonhos, desilusões, medos e alegrias. Todo o mal do mundo é feito por gente.» Ah, se há um ano o espírito cristão não tivesse excluído o primeiro-ministro de então! Bom, mas há mal, ele, pecador, se confessa.

«Este é o ponto central do exercício: ver o inimigo como uma pessoa. Vê-lo como próximo. Alguém como eu, que olha as coisas de forma diferente da minha. Às vezes, é preciso dizer, sou eu mesmo. De facto, ao definir a causa suprema do mal, muitos incluem aí gente como nós. Árabes e chineses acusam os ocidentais e vice-versa, como patrões e sindicatos, alunos e professores, clientes e lojistas se vêem mutuamente como culpados. Ora no banco dos réus as acusações parecem bem diferentes.
Mas se são gente, como podem fazer as coisas horríveis de que os acusamos? Como podem ser tão sedentos de dinheiro e poder? Tão obcecados pelo lucro e glória? Tão insensíveis ao mal alheio, miséria, injustiça? Como podem ser como são? Há várias respostas para a questão, todas educativas.
A explicação simples é que, afinal, não sejam como eu os vejo, e a minha acusação seja falsa. O mundo é muito mais complexo que as minhas teorias. As certezas que obtive por extrapolação linear, e que acabam na acusação taxativa, estão bastante longe da verdade. Ver o ponto de vista do inimigo ajuda a perceber isso. Nesse caso eu terei de abandonar o que me é mais querido, o meu ódio de estimação.
O ódio é sempre mau conselheiro. Mesmo quando tem razão. Por muito simplista que a minha teoria seja, ela tem sempre um grão de verdade. Conhecemos casos de pessoas sedentas, obcecadas, insensíveis. Afinal os seres humanos podem ser horríveis. Eu sei, porque o sou há muitos anos. Os homens são capazes do melhor e do pior. Como eu.»

Pese embora o espírito reprovador e bondoso que perpassa nestas linhas no que respeita à irracionalidade dos ódios centrados em determinadas pessoas, que afinal são humanas como nós, a tese, no que concerne aos interesses de grupos de humanos bem precisos e organizados na sociedade, é totalmente ingénua, disparatada e sobretudo repudiável por convidar à resignação (tão cristã) e ao imobilismo. Quem assim pensa quer que concluamos que, no fundo, toda a gente é boa, toda a gente ama (Hitler, Estaline ou Idi Amin Dada amavam seguramente) e que a vida é mesmo assim, temos que nos conformar. Lembramo-nos, decerto, de quem nos contava essa história, convocando Morfeu.

João César da Neves, fique com a água benta. Vou dar um mergulho.

Regabofe – “please come back”

Segundo o jornal Guardian, pelo menos metade dos economistas que, em 2010, apoiavam George Osborne (o futuro chanceler do Tesouro, conservador, então na oposição) e defendiam as medidas de austeridade por ele preconizadas para reduzir o défice defendem agora, volvidos dois anos de governo Cameron e de políticas austeritárias, cujas consequências recessivas estão a causar alarme, que tais políticas sejam urgentemente amenizadas ou invertidas, e aconselham mesmo o governo a contrair empréstimos para investimentos públicos (uma vez que as taxas de juro estão baixas – têm moeda própria e um banco central fora da alçada de Frankfurt) como forma de estimular a atividade económica.

Não sei se Osborne, a quem acusam de snob e arrogante, se apresentou a eleições acusando os seus concidadãos de anos de regabofe, é seguramente mais educado e menos burro do que isso (sendo, apesar de tudo, político, penso que insistiu na credibilidade face aos mercados), mas, seja o que for que tenha dito, a pressão é agora grande para alterar o rumo. O que vai provavelmente fazer, se não quiser que o governo caia.

Por cá, na província germânica da Lusitânia, os apóstolos de Merkel continuam a pregar os benefícios da penitência e da pobreza (dos outros), enquanto esperam ser um dia recompensados, inteiramente nesta vida.

A tarefa de submergir

Com muito poucas alternativas de resposta, está bom de ver que a desdramatização é a única saída, Paulo Portas deu por findo o período de preparação e declarou finalmente hoje que as notícias sobre o desaparecimento de documentos relativos ao negócio dos submarinos vão e vêm ao sabor de alegados interesses, nas suas palavras “emergem e submergem”. Hoje foi dia de tentativa de submersão. Em plena época balnear, Portas decide-se por dar uma “amona” nas notícias. Assim, despreocupadamente. Depois do caso Relvas, neste momento já nas profundezas do oceano graças à comunicação social entretanto entrada em pacífica apneia, pode ser que resulte. Mas, para evitar essa ralação cíclica, talvez seja melhor fazer “emergir” de vez o que falta e facultar as fotocópias que zelosamente transportou consigo em 2004.

Não há subornados, apenas suborno*

Para se ficar com uma ideia clara do caso dos submarinos – cronologia, envolvidos, suspeitos, condenados, dúvidas, certezas, notícias ao longo do tempo, recomendo a leitura deste relato exaustivo.

Se o Ministério Público continua a dizer que a investigação prossegue, mesmo após o arquivamento do processo contra Ayala, o advogado e representante do Estado nas negociações, como se compreende que nem uma perguntinha tenha sido feita ao então Ministro da Defesa Paulo Portas sobre o paradeiro de documentos importantes?

*Condenações na Alemanha

Tribunal de Contas, Nuno Crato: embrulhem

Segundo o jornal Público de hoje, «a actual administração da empresa pública Parque Escolar (PE), nomeada em Março pelo ministro da Educação, Nuno Crato, apoiou as decisões tomadas pelos anteriores administradores referentes às obras de modernização em duas escolas do Porto, as quais, segundo o Tribunal de Contas (TC), se traduziram em despesas e pagamentos ilegais que ascendem a 18 milhões de euros.
Em Março, Crato exortou a anterior administração a demitir-se, depois de ter conhecido os resultados das auditorias à actividade da empresa realizadas pela Inspecção-Geral de Finanças e pelo TC. Os relatórios das auditorias às obras de modernização das escolas secundarias Sá de Miranda, em Braga, Rodrigues de Freitas e do Cerco, no Porto, foram divulgados pelo TC, ontem, e completam a auditoria à empresa iniciada em 2010.
» […]

[…]«Na sua resposta ao TC, o actual presidente da Parque Escolar, Pedro Marques, defende os procedimentos adoptados pela anterior administração, sustentando, no que respeita ao fraccionamento da despesa, que “do ponto de vista operacional era praticamente inviável a adopção de um único procedimento”. Quanto aos trabalhos a mais realizados argumenta que se tratou de “uma obra complexa, cujo edifício estava em vias de classificação pelo Igespar, de que resultaram diversos imponderáveis”

Sabemos que o relatório da IGF, ao contrário do que muitos pretendiam e os jornais alardearam, não «demolia» a Parque Escolar, muito pelo contrário, elogiava a seriedade da sua gestão (o que disse na altura Crato, em triste figura na Assembleia? Uma derrapagem de 400%?). Quanto ao Tribunal de Contas, lembramo-nos dos pinotes, rebolões e gargalhadas de vingativo prazer que o seu relatório provocou em tudo o que era deputado, ministro e comentador desta desgraçada maioria. Os jornalistas do costume ajudaram à orgia. Pois bem. Quem está agora no terreno não pode deixar de concordar com as decisões e opções da Parque Escolar.

Da competência. Modesto contributo para o conflito norte-sul

Não gostando da arrogância, do moralismo e da total injustiça com que a atual liderança alemã lida com os países do sul da Europa (não obstante as férias agradáveis passadas num deles), nada me move contra os cidadãos alemães em geral. Não têm o mínimo sentido de humor, é certo, mas há pessoas razoáveis e outras insuportáveis como em todo o lado. Já o mito de que os alemães são o paradigma do rigor e da competência é que urge ser revisto. Não falo já de questões mais abstratas como a condução da política europeia em momento de crise, onde as vistas curtas e o egoismo os levará muito provavelmente a cair com estrondo, como tem acontecido, destruindo tudo à volta. Falo de um nível mais comezinho: transportes, obras. A circulação ferroviária é frequentemente interrompida por problemas técnicos e até acidentes. Agora são as derrapagens em grandes obras. Viria a propósito dizer que é como nos países do sul, mas não vem. É bem pior.

A notícia, lida na revista Der Spiegel, refere-se ao novo aeroporto de Berlim. Não um aeroporto qualquer, em Alguidares de Baixo “am Main”, mas o futuro aeroporto Willy Brandt, o da capital do império (Brandt está inocente). Devia estar pronto em 30 de Outubro de 2011. Estamos em Julho de 2012 e, após sucessivos adiamentos, a abertura foi novamente adiada, desta vez para a primavera de 2013 ou, na opinião dos mais avisados, sine die. A razão nada tem a ver com imprevistos no terreno nem com intempéries, muito menos com atrasos dos fornecedores.

Quem usa e abusa de frases como “Só mesmo em Portugal. Não há uma única obra pública que não derrape. É um escândalo!” devia pensar em retirar-lhe a primeira. O novo aeroporto, situado fora da cidade, no Estado de Brandenburgo, é uma obra orçada em milhares de milhões de euros. O projeto de arquitetura foi entregue a Meinhard von Gerkan, um arquiteto de renome mundial, cujo ateliê constituiu um consórcio com uma empresa de engenharia e uma outra de arquitetura, de Frankfurt, responsável pela área comercial do empreendimento (nome do consórcio pg bbi).

A empresa operadora do aeroporto, na qual estão representados o Governo Federal, a cidade de Berlim e o Estado de Brandenburgo, acaba de introduzir uma queixa contra o dito consórcio pedindo uma indemnização por danos no valor de 80 milhões de euros.

O que se passou? Segundo a revista, o projeto arquitetónico (supõe-se que concebido para deslumbrar) descurou completamente os aspetos técnicos, ao ponto de ter sido praticamente impossível aos elementos da Bosch instalar coisas tão fundamentais neste tipo de obra como os sistemas elétricos e de segurança – as câmaras de videovigilância e os sistemas contra incêndios. Planos deficientes e cálculos sistematicamente errados impossibilitaram a tarefa, para grande irritação de quem era chamado a lá trabalhar. Obrigado a revê-los (o que aconteceu repetidas vezes), Gerkan e o seu consórcio cometeram novos erros, coisas incríveis como confundir tubagens, cablagens, condutas, complicando uma situação já difícil e ingerível. Não previu, por exemplo, espaço suficiente para a instalação das ditas câmaras. Intervindo nas suas funções habituais, a autoridade reguladora do setor da construção acabou a discutir exaltadamente com os arquitetos. O próprio operador do aeroporto não teve outro remédio senão denunciar o contrato com Gerkan sem pré-aviso a 23 de Maio, enviando-lhe uma dura carta, em que diz que a confiança nele enquanto principal responsável pelo projeto estava de tal maneira abalada que não lhes era simplesmente possível prosseguir a colaboração. Isto sim é um escândalo.

Não admira, portanto, que haja grande interesse na Alemanha em engenheiros, e presumivelmente arquitetos, do sul. Convinha era que pagassem o seu fabrico.
Já agora, também a nível político, não seria mau darem ouvidos ao que lhes dizem os políticos mais competentes de alguns países onde passam férias. Monti e outros. Sócrates também teria algo a dizer-lhes, aposto. Tivesse a Alemanha de financiar-se a juros de 7% e passar a pente fino as continhas e obrinhas várias dos seus diversos Länder, muito nos iríamos rir com os esqueletos que sairiam daqueles armários…

Palas

Há quem ache que ter um aeroporto perto de casa é uma coisa fantástica. Essas são as pessoas que terão provavelmente dificuldades em compreender os protestos dos habitantes de zonas vizinhas de aeroportos de muitas cidades europeias (muitas vezes sem razão, porque foram viver para lá já depois de construídos) e que já têm obrigado, entre outras coisas, a que os aviões dispersem as rotas de aterragem e descolagem, para que o incómodo seja igualitariamente repartido (às vezes desprezando os ventos), ou reduzam sistematicamente os motores mal atingem determinada altitude. Estas pessoas também terão dificuldade em compreender a razão por que se constroem aeroportos preferencialmente fora do perímetro das grandes cidades (mas nunca numa pérola periférica).

Depois há as pessoas que acham que é positivo ter o concelho que dirigem invadido por um aeroporto em cujas imediações nunca viverão. É o caso do atual presidente da Câmara de Sintra, que hoje escreve um artigo no Público em que aponta os constrangimentos ambientais das alternativas Montijo ou Alverca como fortes impeditivos ao estabelecimento do chamado aeroporto «+1» nessas localidades, ao contrário de Sintra, pasme-se. O problema dos dois outros locais serão as aves. Tem razão: apesar de descolarem de lá aviões há anos, as colisões com aves são sempre um perigo. Já as colisões com a serra de Sintra são muito menos perigosas. E as perdas de receitas correspondentes à perda do convidativo sossego também não constituem perigo algum, sobretudo para um presidente que pensa candidatar-se ao município de Lisboa.

Da base da Easy Jet, Ryan Air ou Vueling até à destruição dos paraísos de Cascais e Sintra será um instantinho.

O castigo dos bancos

Os bancos da Avenida da Liberdade, em Lisboa, purgaram uma pena severa e prolongada sem que nunca se tenha provado o seu crime. Basta olhar para a imagem.

Já perceberam. Não faço parte dos lisboetas que gostaram de os ver pintados de outras cores que não o verde tradicional. Para quem não saiba, não se tratou apenas de pintar de vermelho, branco ou azul especial bancos que eram verdes escuros desde há pelo menos cem anos (embora também possam ter sido castanhos ou até inexistentes…). Foi pior: em todos eles foi pintado um círculo de dimensão razoável, de inspiração oriental, ou outras figuras quaisquer indefiníveis, com cores diferentes do habitual. Nalguns casos o banco todo mudou de cor. Sem mistério, por haver 1500 litros de tinta, e para mal dos nossos pecados, tamanho mau gosto estendeu-se também a candeeiros, pilaretes e gradeamento, que se coloriram aleatoriamente.

Mas hoje, parece que acabou, diz o DN. Vai tudo regressar à normalidade. A «obra de arte» fazia parte de um acordo comercial celebrado entre a Câmara Municipal e uma empresa dinamarquesa de tintas, a Dyrup, que previa a recuperação de dois milhares de peças de mobiliário urbano da avenida contra a exibição desta arte. Não se percebe por que razão a empresa não optou por chamar a atenção para as novas cores de maneira mais harmoniosa e integrada na paisagem, digamos. Pintando, por exemplo, um ou outro prédio mais degradado da dita avenida, nem que numa parede pespegasse a marca. Certo, concentraram-se no mobiliário. Nem que fosse só um prédio? Talvez não tenham entendido o espírito da época, em Lisboa. O século XIX foi urbanisticamente poderoso, a avenida é romântica e apetecível. Mas em julho do ano passado começou a ver-se verdadeiramente descaracterizada por esta brincadeira de resultado pindérico de quem habitualmente pinta casas e, no limite, cascos de navios, pretendendo acompanhar os tempos com as técnicas do feng shui, para que os lisboetas “vivessem a cidade”.

Na altura, há um ano, ouviu-se um coro de protestos na blogosfera e na própria autarquia. Embora também tenha havido elogios (!). A onda artística de mau gosto que varreu a bonita, frondosa e chique avenida desvanece-se agora finalmente numa só cor. Já não era sem tempo. E por falar em “viver a cidade”, isto e a despoluição através da redução do tráfego automóvel devolver-lhe-ão mais rapidamente a graça, a vocação e o interesse. Bem merece. Há outras zonas da cidade onde iniciativas destas poderão ter todo o cabimento. Esta não era uma delas. Sugiro à Dyrup que proponha à Câmara de Paris pintar cada arco da Place Vendôme de uma cor diferente.