Todos os artigos de jcf

Vinte Linhas 734

A pequena velocidade ou Álvaro Neto morreu na Checoslováquia

Quando em 1971 Liberto Cruz decidiu publicar Gramática Histórica, livro de transgressões, invenções e liberdades na desconstrução da gramática de Martins Sequeira, escolheu o pseudónimo de Álvaro Neto numa homenagem a Álvaro de Campos. Recusado por editores e por tipografias, o livro foi editado no Funchal, no Comércio do Funchal, por intervenção directa de António Aragão. A apresentação foi feita na Livraria Quadrante pelo próprio Liberto Cruz por Álvaro Neto estar «fora do país». Os jornais tomaram a sério a informação e no Brasil saiu até um suplemento especial com poemas de Álvaro Neto. Já na Bretanha como professor, desencantou Liberto Cruz uma carta em checo feita por uma empregada da Universidade de Rennes a dar falsa notícia da «morte» do seu pseudónimo. Muitos acreditaram.

Continuar a lerVinte Linhas 734

Vinte Linhas 733

Sobre «Outros bichos» de Renato Suttana

Poeta, tradutor e ensaísta, Renato Suttana iniciou em «Bichos» (2005) uma demanda poética sobre estes co-habitantes da nossa Terra. Em «Outros bichos» (2011), seguindo a linha dos clássicos (Esopo, La Fontaine, Aquilino Ribeiro) o autor (mesmo sem ser biólogo) «investiga, escava, interpreta e apresenta essa parcela da vasta realidade que cerca o ser humano, procedendo a uma constante interrogação sobre o outro» – conforme prefácio de Ruy Ventura.

Continuar a lerVinte Linhas 733

David em 8 de Fevereiro de 1952

Não tenho automóvel. Sai da vida militar há pouco tempo e comecei a trabalhar como professor na Escola Veiga Beirão. Saltei do vapor em Cacilhas e apanhei a camioneta dos Belos. Apesar de o dia estar belíssimo, fazia frio. Era o tempo dele.

Também em Azeitão, na paragem onde muitas vezes Sebastião da Gama me esperou para os nossos passeios à Arrábida, também em Azeitão estava frio. Mesmo no Verão (e hoje não é Verão) acompanhar um enterro é sempre uma coisa fria.

Continuar a lerDavid em 8 de Fevereiro de 1952

Vinte Linhas 732

O poeta Sebastião da Gama «morreu» há 60 anos

O dia 7 de Fevereiro de 1952 marca a morte (civil) de Sebastião da Gama. Tudo começou uns anos antes quando o chefe de redacção da Gazeta do Sul (Montijo) Augusto Barbosa de seu nome, recebeu um poema assinado «Zé d´Anicha» e sentiu que uma coisa estava a acontecer – eram quadras sadias de um lirismo tão doce e vigoroso que «a alegria de ter achado um poeta me tomou e me senti recompensado do ingrato labor de ter que digerir desconchavos». Por isso disse ao chefe de oficina: «Este rapaz é alguém; temos de encorajá-lo. Ponha-me isto em normando e em lugar destacado no jornal.» Quando viu publicada a «Serra-Mãe» o poeta assinou esta dedicatória: «Para o Augusto Barbosa que me publicou os primeiros versos sem ser por compadrice». Vejamos algumas das suas quadras:

Nasci para ser ignorante / Mas os parentes teimaram

(e dali não arrancaram) / Em fazer de mim estudante

Que remédio? Obedeci / Há já três lustros que estudo

Aprender, aprendi tudo / mas tudo desaprendi.

Perdi o nome às estrelas / aos nossos rios e aos de fora

Confundo fauna com flora / atrapalham-me as parcelas.

Mas passo dias inteiros / a ver um rio a passar

Com aves e ondas do mar / tenho amores verdadeiros.

Sendo um lírico, Sebastião da Gama não era um ingénuo; hoje em 2012 faz falta a sua voz: «Alevanta-te Povo! / Ah! visses tu nos olhos das mulheres / a calada censura / que te reclama filhos mais robustos!»

Vinte Linhas 731

Aspirina B contra o (e apesar do) lixo humano

Se não fosse o Blog Aspirina B eu não tinha conseguido salvar todos os poemas, crónicas e fichas de leitura aqui publicadas nos anos de 2009, 2010 e parte de 2011 – até ao dia 17 de Julho. A quadrilha que me assaltou a casa levou nesse dia o computador e, com ele, toda a memória acumulada. Com paciência e tempo, estou a recuperar na Aspirina B o que os ladrões me levaram nesse dia 17 de Julho de 2011.

Perante o lixo humano que aqui aparece derramando ódio, brutalidade e inveja, demorei algum tempo a tomar a atitude certa – o desprezo perante essas manifestações miseráveis. Este postal que guardei religiosamente da EXPO 98 é uma curiosidade para os leitores do nosso Blog. Aqui o deixo como alegria compartilhada com as pessoas que frequentam o Aspirina B; não com o lixo humano que não merece nada de nada.

Continuar a lerVinte Linhas 731

Um livro por semana 275

«Os mortos tratam-se por tu» de Fernando Grade

Cinquenta anos depois da estreia em livro (Sangria – Guimarães Editores), Fernando Grade celebra a efeméride com este Os mortos tratam-se por tu. Desde 1962 o autor assinou 29 títulos de poesia, 3 de prosa e 1 de teatro, além da sua participação em volumes colectivos onde se inclui a colecção Viola Delta em publicação permanente desde 1977.

A enumeração de mais de mil nomes de mortos queridos é uma homenagem e, pela memória convocada, uma forma de poesia. Entre os nomes há gente não só das Artes e das Letras (Soeiro Pereira Gomes, Eduardo Guerra Carneiro, Mário Ventura Henriques, José Gomes Ferreira ou Maria Helena Vieira da Silva) mas também do Desporto: Matateu, Barrigana, José Travassos, Artur Quaresma, Vítor Baptista.

Continuar a lerUm livro por semana 275

Vinte Linhas 730

Portugal – também um país de analfabetos

Que os portugueses não gostam de livros, isso é ponto assente. A célebre ideia de Cícero (Uma casa sem livros é um corpo sem alma) não é por aqui muito cultivada. Quando vivi em Vila Franca de Xira a pessoa mais reconhecida da família Redol era a D. Inocência que tinha um colégio de meninas. O escritor seu irmão era em 1961 (e é ainda hoje) outra coisa. Algo distante e pouco valioso – logo pouco importante. Os livros são desprezados.

Somos o país onde Camões morreu de fome mas muita gente enche a barriga com o Camões – disse Jorge de Sena – com razão. Sei de uma viúva de um escritor que manda para o lixo (sem abrir) todas as cartas que ele pressente tratarem de assunto literários ou correlativos.

Continuar a lerVinte Linhas 730

Vinte Linhas 729

Eusébio – Uma canhestra tentativa de reescrever a História

A imagem de Eusébio da Silva Ferreira com a camisola do Sporting de Lourenço Marques vem provar que foi de facto o Desportivo que o rejeitou pois o seu amplo sorriso não engana. Aquela história de o Sporting de Lourenço Marques ser (para Eusébio) um clube racista que tratava mal os negros e os mulatos lembra a do alto magistrado da Nação que repetiu sobre os seus rendimentos algo como «Mil e trezentos euros, ouviu bem?».

Continuar a lerVinte Linhas 729

Vinte Linhas 728

Uma saudação breve para Marta em Madrid

Na terra onde olhaste o Mundo pela primeira vez há, nas estradas à noite, gente altiva que faz alto aos Deuses. E os Deuses param, na sua viagem eterna e sem destino marcado. São altivos os azeitoneiros andaluzes que trabalham por turnos nos grandes lagares. No seu olhar flutua a luz finíssima do azeite que descansa nas tarefas escuras por cima da água ruça. Existe no azeite e no seu mistério uma metáfora do Mundo: o bem e o mal, a luz e a sombra, a vida e a morte, a alegria e o desespero. O mestre do lagar tem uma mão certeira na separação da água ruça que se perde no escuro do ladrão da cave do lagar.

Continuar a lerVinte Linhas 728

Um livro por semana 274

«Desporto com Política» de António Simões

O jornalista António Simões (n.1963), autor de «Glória e Vida de Três Gigantes» (com Homero Serpa e José do Carmo Francisco) volta à História do Desporto português com esta reportagem (Prémio Norberto Lopes -Casa da Imprensa) agora editada em livro. Livro é termo genérico mas a variedade, a riqueza e a raridade de muitas das imagens faz deste volume de 316 páginas uma verdadeira fotobiografia do Desporto em Portugal entre o fim da Monarquia e o tempo actual.

Continuar a lerUm livro por semana 274

Vinte Linhas 727

As raparigas da nossa turma em 1966

As horas ferem os nossos dias, os meses e os anos mas elas, as meninas, continuam as ser as mesmas raparigas de 1966, não se deixam envelhecer como nós com a chegada de mais um neto. Havia na minha Escola uma bomba, todos os Liceus e Escolas Técnicas tinham uma bomba atómica, expressão que restou dos tempos da guerra fria nos anos cinquenta e da memória da II Guerra Mundial.

Continuar a lerVinte Linhas 727

Vinte Linhas 726

Ruslam Botiev – na Sá da Costa a amar Portugal e Fernando Pessoa

Por um destes fins de tarde que anunciam o frio de Janeiro nas dobradiças do sol de Inverno que nos engana a todos, descobri Ruslam Botiev, o pintor mongol, à porta da Livraria Sá da Costa. «Bom dia Portugal!» – foi a nossa mútua saudação pois é o título de um dos seus quadros a revisitar a cidade de Lisboa como quem a olha de Almada no comboio.

Conheci o pintor mongol Ruslam Botiev há muitos anos, estava ele todas as manhãs de Domingo debaixo do Elevador de Santa Justa. Quando chovia lá se arrecadava ele e os seus quadros nas portas do Montepio Geral ou da Livraria Portugal – se a chuva era fraca. Mais tarde passou para as escadas da Basílica dos Mártires onde já tinha mais público e um maior espaço para fugir da chuva. Que a chuva batida a vento é inimiga dos pintores.

Continuar a lerVinte Linhas 726

Vinte Linhas 725

Os contos mínimos de Zetho Cunha Gonçalves

Na passagem do ano de 2011 para 2012 houve duas pessoas que me ajudaram a eliminar as respostas ao lixo humano que às vezes aqui aparece a querer chatear no Blog. Um foi o José Vilela a quem, em assuntos de BD, alguns patetas tentam provocar mas ele, mesmo instado por alguém, recusa-se a responder porque (diz ele) se responder fica ao mesmo nível baixo dos provocadores. Outro foi o Zetho Cunha Gonçalves que situou este problema num dos seus contos mínimos intitulado «Final de contenda». Por ser mínimo é mesmo curto e diz assim: «Recuso a justa, por o cavalo adversário não ter as ferraduras bem afinadas.»

Continuar a lerVinte Linhas 725

Vinte Linhas 724

António Carmo – As três laranjas do Chiado para Bruxelas

Todos os sabemos – se a literatura é uma homenagem à literatura, toda a arte é um tributo à arte anterior no mundo e no tempo. Serge Prokofiev (1891-1953) é muito mais do que o autor da ópera «O amor das três laranjas», baseada numa fábula de Gozzi, escritor do século XVIII e do que o autor da música de filmes como «Ivan, o terrível» ou «Alexandre Nevski».

A sua vida repartiu-se por Londres, Chicago, Paris, Berlim e Bruxelas; isso fez com que só em 1927 regressasse à URSS tornando-se cidadão soviético em 1937. A sua morte passou quase despercebida porque nesse mesmo dia (5 de Março de 1953) morreu Estaline.

Continuar a lerVinte Linhas 724

Vinte Linhas 723

A primeira redacção a sério do menino Tomás

«Escrever é revelar o pensamento» – isto se lia num dos livros obrigatórios da quarta classe do meu tempo, lá por idos Abril e Julho de 1961. E concretizava a ideia: «Se o pensamento for turvo e confuso a escrita também será turva e confusa». Não é o caso em apreço, longe disso.

Lembro este texto antigo ao ler o recente trabalho do meu neto Tomás a quem a professora da primeira classe solicitou uma redacção com cinco frases dando especial atenção às maiúsculas e aos pontos finais. O resultado foi este: 1- Eu gosto do Horrid Henry. 2- O meu bebé é pequeno. 3- Eu amo o meu bebé. 4- O bebé Lucas tem os dedos pequenos. 5- Ele gosta de amachucar papel. (Falta explicar que o Horrid Henry é uma colecção de livros muito popular em Londres e não só).

Continuar a lerVinte Linhas 723

Um livro por semana 273

«Loja, Contra-loja e Armazém» de Carlos Garcia de Castro

Carlos Garcia de Castro (n. 1934) é autor desde 1955 de 7 livros de poemas – o mais recente é Gloria Victis de 2007. Neste livro de memórias, o ponto de partida é o seu olhar para dentro da loja de seu pai: «Das poucas vezes que agora vou à loja – é estranho. As prateleiras não têm peças de panos. Os riscados, popelinas, os percais. As chitas, as gorgorinas, as gangas e as flanelas. Os cotins. As sarjas. Os surrobecos.»

O autor apresenta-se («Cresci duma casa para a loja e para a minha rua. Sou da cidade.») e apresenta o seu livro: «este livro que fala da minha terra não a ultrapassa nem ilumina, é decididamente paroquial.» Nas suas páginas, diversa poesia surge intercalada embora o seu autor tenha advertido: «a Poesia quase não é procurada nas livrarias». Memória de um tempo e de um mundo, a família e o comércio são dois dos pilares do texto: dos irmãos António, Miguel e Maria de Jesus aos netos Mafalda, Madalena, Diogo com passagem pela divisa «O comércio é para servir mas não é criado de ninguém».

Continuar a lerUm livro por semana 273

Vinte Linhas 722

Para lutar pelo quinto lugar basta a prata da casa

O Sporting Clube de Portugal não pode competir com o Benfica e com o F. C. Porto. Em vez de comprar 19 jogadores com o dinheiro que não há e vender aos sócios e simpatizantes ilusões de competitividade que em nada resultam, o único caminho é dizerem a verdade ao universo «leonino» e trabalhar com a prata da casa.

Lembro-me bem do Paulo Teixeira, do Miguel Garcia, do Adrien que está na Académica e de todos os que jogaram o Portugal – França em Rio Maior há pouco tempo. Jogadores como Wilson Eduardo, André Martins e Cedric Soares estão fora do Sporting e são do Sporting. Jogadores como Fui Fonte, Diogo Amado e Nuno Reis estão fora do Sporting e são do Sporting. Jogadores como Mário Rui, Diogo Rosado e Pedro Mendes estão fora do Sporting e são (ou foram) do Sporting.

Continuar a lerVinte Linhas 722

Vinte Linhas 721

Terceira canção para Maria José em Setembro

Na voz de Maria José permanece a frescura da água dos rios Alva e Ceira. E o peso das pedras das Serra do Açor. A cidade tem no asfalto da Almirante Reis o espelho reflector do calor desmedido deste Setembro que não respeita as estações do ano. É na ligação entre a frescura da água e o peso da pedra que Maria José modula a voz para responder às agressões e ao desgaste do quotidiano da cidade. Ruído e cansaço, confusão e efémero. Porque sem raízes na terra. Desde que acende a primeira lâmpada da manhã até ao momento de apagar a última luz da noite, há no dia de Maria José, uma sucessão de tarefas quase invisíveis. E não deixam de ser efectivas, reais e completas mas não existe ruído à sua volta. Vai à praça num instante, corre à padaria, quase voa até ao talho, trazendo assim, numa fracção mínima de tempo, os víveres para o almoço e para o jantar. As sobrinhas fazem, com o pai de Maria José, o vértice de um triângulo feliz. Três gerações que se juntam à mesa. De um lado a memória; do outro o futuro. Maria José faz o enlace das duas perspectivas. As meninas querem brincar. Os adultos não; são aflitos pastores de memórias, não se vá perder mais uma no vazio do esquecimento. E não há cão capaz de a trazer de volta. Maria José sorri; a felicidade é sempre uma convenção. Não tem aferição, nada nesta matéria é objectivo. Há quem seja feliz produzindo e multiplicando a felicidade dos habitantes da sua casa cumprindo tarefas quase invisíveis. Tal como permanece invisível a frescura da água e o peso da pedra na voz diária de Maria José. Como se de repente o Instituto Superior Técnico fosse a Serra do Açor, a Almirante Reis fosse o Rio Alva e a Morais Soares fosse o Rio Ceira. A voz de Maria José altera e precipita esta nova geografia da cidade. Entre a água e a pedra, como na primeira e mais feliz manhã do Mundo.

Balada da Rua Direita

(a Maria Alzira Seixo)

Rua Direita, mentira

Só trânsito pedonal

Em Vila Franca de Xira

Meu balanço pessoal

Rua Direita, mentira

No caminho do passado

Um slide que se retira

Da caixa posta de lado

Rua Direita, mentira

Entre Escola e Jardim

Hoje há quem me refira

Uma memória sem fim

Rua Direita, mentira

Tempo de Império e Fé

A festa que se respira

Na ermida de Alcamé

Rua Direita, mentira

Do preto e branco à cor

Na memória que se vira

Para o núcleo do amor

Rua Direita, mentira

Caminho de procissão

Entre a pauta e a lira

Chega o som ao coração

Rua Direita, mentira

Retrato dos finalistas

Há no grupo quem prefira

Os jornais e as revistas

Rua Direita, mentira

Cinquenta anos depois

Em Vila Franca de Xira

O passado faz-se em dois

Vinte Linhas 720

Alves Redol em Congresso – «O romancista nasce todos os dias»

«Horizonte revelado» é o título do Congresso Internacional sobre a obra de Alves Redol. Hoje dia 19-1-2012, as comunicações e conferências tiveram lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Amanhã e depois de amanhã (20 e 21 de Janeiro) o ponto de encontro é o Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira. A máquina do Congresso está em marcha graças ao grande esforço de: António Mota Redol, Carina Infante do Carmo, David Santos, Paula Morão, Violante Magalhães e Vítor Pena Viçoso.

Continuar a lerVinte Linhas 720