Terceira canção para Maria José em Setembro
Na voz de Maria José permanece a frescura da água dos rios Alva e Ceira. E o peso das pedras das Serra do Açor. A cidade tem no asfalto da Almirante Reis o espelho reflector do calor desmedido deste Setembro que não respeita as estações do ano. É na ligação entre a frescura da água e o peso da pedra que Maria José modula a voz para responder às agressões e ao desgaste do quotidiano da cidade. Ruído e cansaço, confusão e efémero. Porque sem raízes na terra. Desde que acende a primeira lâmpada da manhã até ao momento de apagar a última luz da noite, há no dia de Maria José, uma sucessão de tarefas quase invisíveis. E não deixam de ser efectivas, reais e completas mas não existe ruído à sua volta. Vai à praça num instante, corre à padaria, quase voa até ao talho, trazendo assim, numa fracção mínima de tempo, os víveres para o almoço e para o jantar. As sobrinhas fazem, com o pai de Maria José, o vértice de um triângulo feliz. Três gerações que se juntam à mesa. De um lado a memória; do outro o futuro. Maria José faz o enlace das duas perspectivas. As meninas querem brincar. Os adultos não; são aflitos pastores de memórias, não se vá perder mais uma no vazio do esquecimento. E não há cão capaz de a trazer de volta. Maria José sorri; a felicidade é sempre uma convenção. Não tem aferição, nada nesta matéria é objectivo. Há quem seja feliz produzindo e multiplicando a felicidade dos habitantes da sua casa cumprindo tarefas quase invisíveis. Tal como permanece invisível a frescura da água e o peso da pedra na voz diária de Maria José. Como se de repente o Instituto Superior Técnico fosse a Serra do Açor, a Almirante Reis fosse o Rio Alva e a Morais Soares fosse o Rio Ceira. A voz de Maria José altera e precipita esta nova geografia da cidade. Entre a água e a pedra, como na primeira e mais feliz manhã do Mundo.
gostei muito de ler esta felicidade que é um dar visivelmente quase invisível. :-) mas não sei quem é a Maria José. quem é?
Olinda pois a Maria José existe mas neste caso é apenas protagonista de uma crónica. As referências estão certas mas ela é algo mais que não cabe no texto. Foi um prazer ir salvar estas linhas do assalto de Julho de 2011. E ela continua a fazer as tarefas invisíveis, todos os dias.
Isto é areia demais para a minha camioneta.
ah, está bem. :-)
a maria josé deve ser a mulher da limpeza a quem não pagas à 6 meses e a canção deve ser para desviar a conversa, assim tipo cavaco, ah pois! vai lá ao blogue que tens lá resposta.