“Voltaria [a apresentar o Jornal Nacional] desde que não fosse obrigada a fazer concessões na forma de fazer informação.”
Manuela Moura Guedes, Magazine/Correio da Manhã, 05-02-06
Arquivo da Categoria: Valupi
Cineterapia
O Homem da Câmara de Filmar_ Dziga Vertov
Este filme mostra, entre muitas outras coisas, miúdas a jogar basquetebol, câmaras de filmar montadas em motociclos, senhoras obesas em ginásios, um chinês a fazer truques de magia para um grupo de crianças loirinhas, alguns sem-abrigo a dormir na rua, uma bicicleta para exercícios em casa, telefones de modelos variados, espectadores numa sala de cinema assistindo a efeitos especiais no ecrã, filmagens do quotidiano urbano a partir de um automóvel descapotável, um parto, montras cobertas de publicidade e topless em praias. Terá sido filmado algures na América, no ano passado? Quase. Foi filmado na Rússia comunista, em 1928.
Constipation
Há uma idade para ter excelentes ideias. Todos passamos por ela. E depois há uma idade para ter boas ideias. Raros lá chegam. No resto do tempo, lidamos com as ideias dos outros.
Esta é uma das minhas excelentes ideias: reunir um grupo heterogéneo de pessoas dedicadas a ter ideias. Quais, pessoas e ideias? Pessoas com ideias, ideias para pessoas. Como se vê, é uma excelente ideia que muita gente com ideias tem.
Mas nunca num blogue. Reunir pessoas com ideias num blogue resulta sempre no afastamento das pessoas por causa das ideias, como se vê consecutiva e até sistematicamente. As pessoas teriam de ser reunidas numa sala e de lá só poderem sair com as tais ideias que viessem a dar ideias às pessoas que precisam e gostam de ideias. Esta última ideia, porém, é capaz de ser uma má ideia.
Pelo que está a faltar uma boa ideia.
extra_let’s just be friends
Fosga-se. Também quero entrar nisto. Primeiro era apenas um duelo entre o Zé Mário e o George. O nosso Zé, com o económico recurso ao negrito, tinha clarificado a questão. Depois veio o Luís e cantou a tabuada:
1 crítico X 1 amigo = 1 crítico com um amigo. Finalmente, entrou o Fernando e, ex abundantia cordis, deu um açoite na criança mal comportada. Ressarcido fui para a cama, ajeitei as ceroulas, bendisse o saco de água quente e preparei-me para sonhar com o movimento cívico do Manel. Estava quase a conseguir quando me aparece o espectro da Constança. Levitou-me até um palimpsesto onde ainda se conseguia ler o nome “Luís Rainha” rasurado e que, garanto, era uma cópia de um texto meu. Achei bem, porque eu escrevo muito bem e ela mostrou ter gosto. Mas, como estava cheio de sono, não lhe dei conversa. Só que havia outro espectro na sala, o Vasco. E de imediato pensei “Às tantas, a Constança é amiga do Vasco.” Este raciocínio incendiou-me, porque eu ando há que tempos a tentar ser amigo do Vasco. Não sei se já vos aconteceu, quererem muito ser amigos do Vasco e não o conseguirem, mas a mim está sempre a acontecer. De modo que fiz um esforço para entender o texto da Constança, de modo a poder fazer-lhe um elogio, de modo a ela pensar que eu era amigo, de modo a ela dizer bem de mim ao Vasco. Lá consegui sacar uma ideia: vivemos em Portugal. E disse-lhe “Constança, acertas quando dizes que vivemos em Portugal.” Foi quanto bastou, a mulher prometeu marcar-me um almoço com o Vasco. Ufano com o homérico triunfo, decidi fazer-me amigo do George. É que eu já sou amigo do Zé Mário, e constato como tal condição está prenhe de vantagens. Tudo começou numa festa, no momento em que me debruçava para capturar o último pastel de massa tenra. Nisto, o Zé Mário antecipa-se e não só me entrega o pastel como ainda tem o cuidado de o embrulhar num guardanapo de linho. Olhei-o com firmeza e disse-lhe sem vacilar “Pá, se é para estares com cenas destas, mais vale sermos amigos.” Ele compreendeu a mensagem e ainda hoje me fala disso. Neste espírito, fui ao Esplanar. Apanhei o George com uma réplica do Fernando Venâncio na mão esquerda, exactos 10 cm, e uma agulha ferrugenta na mão direita, inexactos 5 cm. As espetadelas eram frenéticas, umas à frente das outras, outras ao lado das outras e ainda outras muito parecidas com outras atrás mencionadas. Sem levantar os olhos nem abrandar o vodu, berrava “És um merdas.” “És um merdinhas cagão.” “Nunca, mas NUNCA serei teu amigo!” Eu, como quem quer a coisa, tinha-me encostado ao texto genesíaco das toupeiras. Estava a curtir aquilo, era giro, tanto que me distraí e deixei de ligar ao que ele dizia. O post possuia uma concavidade onde, fazendo alguma pressão, um gajo (mas só um, fica o aviso) se conseguia enfiar. Assim recostado, com os presuntos quase a tocar no texto de cima e uma perspectiva que trocava o eixo das palavras abcissas pelo das ideias ordenadas, ia-me entretendo a ler a peça. Estava mesmo bem esgalhado, o magano do post. Aparentemente, a intenção seria a de impedir que o Nuno escrevesse no DN sobre um eventual livro do Zé Mário. Fiquei curioso. O George não se engana, toda a gente sabe, e não lhe faltam recursos críticos, todos hão-de acabar por saber. Ora, a única conclusão lógica era a de estar na calha um livro do Zé Mário. Isso deixou-me triste. E também triste. Porque o Zé não me tinha dito nada. E agora interrogo-me: seremos só amigos?
extra_gapingvoidmania
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extra_o meu mandato
Votei Alegre, como poderia ter votado Louçã ou Jerónimo – mas nunca Cavaco ou Soares. Votei Alegre, apenas para bater Soares – mas talvez Alegre viesse a derrotar Cavaco numa 2ª volta, como os números permitem supor. Votei Alegre, só para não votar em branco – mas votaria em Freitas do Amaral, Adriano Moreira, Helena Roseta, Pacheco Pereira, António Barreto, Vasco Pulido Valente, João Benard da Costa, Agustina Bessa Luís e Manuel João Vieira.
A pecha da república consiste em não se ter ainda assimilado que está em causa ter sucessivas, limitadas e sufragadas monarquias. A vantagem da monarquia está em transubstanciar a política em identidade. Os que insistem com a dicotomia Esquerda/Direita esquecem que o poder é sempre um eixo vertical.
Então, o Cavaco é agora o meu Presidente. Não o escolhi, fui escolhido pelos meus conterrâneos para o ter na presidência do meu país. Os meus conterrâneos, concidadãos maiores de idade e na posse das faculdades mentais mínimas para exercerem o direito de voto, votaram em mim para um mandato de 5 anos como súbdito do Presidente Cavaco. Aceito a vontade popular e espero cumprir o meu mandato com dignidade.
Mais uma vedeta internacional
Cineterapia
Mr. Smith Goes to Washington_Frank Capra
A vida é curta e cansa. Atingir a maturidade é ser atingido pelo cinismo. E o cinismo tem benefícios evidentes, não sendo o menor deles a narcótica desresponsabilização. Depois, acontece aos cínicos o mesmo que aos psittaciformes: repetem-se. O mundo do cínico é mais redondo, mais liso e mais iluminado. Lógico e asséptico, encara a esperança como erro de cálculo e o mistério como patologia. Quando a imaginação finalmente atrofia para lá do remissível, o cínico está em condições óptimas para se tornar num corrupto. É então que olha com interesse para os negócios e para a política.
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Pneumáticos
[…] Muitas experiências são impedidas quando haja agarramento a uma linguagem que não é adaptada ao caso (subjectivo, de alguém). Não me venham falar, nem a mim nem a qualquer um de nós, de incorruptibilidade e de corrupção. Falem antes da permanência do fim e do carácter efémero dos nossos inumeráveis “eus”. Não falem de imortalidade da alma se não tiverem tido a experiência sequer de um desejo que, de facto, constitua uma força material na vida interior. Não falem da carne; falem da resistência ao orgulho: do engano próprio, da imaginação, da dispersão da energia de atenção. Não falem de Deus, falem antes do estádio seguinte de presença e compreensão; porque, para vós, isso é “Deus”. Não falem de misericórdia e de perdão dos pecados; falem antes de uma atitude de interesse em relação a si mesmos tal qual são. Não falem de culpabilidade. Não se atemorizem consigo mesmos, nem façam do amor algo consigo próprios. […]
Nota marginal do P. Silvano
“Instrução prática”
Enquanto alguns fogem da religião por estarem ofuscados pelos comportamentos de homens sem fé que nela me(r)dram, ou por não desenredarem o novelo historicista, confundindo culto e cultura, a humanidade resfolega igual a si própria – uma ponte entre o animal e o divino. Os ateus e os cínicos, os cépticos e os ideólogos, todos têm razão; ah, se têm! Mas, nem que eles continuem a ladrar à Lua até que o inferno gele terão a razão toda. O fenómeno religioso, aqui tomado em sentido abrangente, não se abole por decreto ou silogismo. É uma inevitabilidade intelectual, consequência da complexidade neuronal que supera as limitações do espaço e do tempo através da linguagem. O que nos leva para o maior fracasso das actuais religiões, a dita linguagem dita.
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extra_plágios&contágios
A propósito das presas que não escapam à visão aquilina do Luis Rainha, este texto de Malcolm Gladwell apresenta-nos uma outra perspectiva do assunto. Não se trata de munição para a vexata quaestio da natureza do acto da Joana Amaral Dias, antes alimento para a disputatio sobre o estatuto do autor. E colhe recordar Agostinho da Silva, que recusava receber dividendos dos seus direitos autorais por não se considerar autor de coisa nenhuma. Ele dizia que as ideias pairavam algures acima das cabeças e que algumas lhe chegavam como chegam os sinais de rádio às antenas. De onde elas vinham, ele não sabia; e muito menos reclamava a sua posse. Claro, nada disto tem já a ver com o episódio que levou a Joana a tomar (pelo menos) uma Aspirina.
Para quem não conheça, a escrita de Gladwell é melíflua e servida em bandeja de prata.
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Receituário
Emmimmesmado
Tinhas 15 anos e a mãe na sala. Escrevi que ia gostar de ti para sempre. Azulejos esverdeados. Era mentira, não se pode gostar de alguém cuja mãe esteja na sala. Mas gostei de ti, para sempre, todo. Fui eu que ofereci o gato. Mesmo quando descobri que não gostavas de ninguém. Gostei das tuas bebedeiras, da tua promiscuidade, tuas traições, tua nulidade, misérias, desgraça. Natal? Gostei de nunca teres gostado de ti. Eras um pássaro cego e a mãe na sala.