É uma sorte podermos ter o Fernando Venâncio no Aspirina. A sua generosidade intelectual é de uma cepa rara, aquela que quer criar comunidade. E talvez por isso (ou por acaso, que tanto faz) tenha aparecido aqui este desopilante exercício do Renato C., a merecer itálico e acenos de cabeça:
O problema da parvalheira literária deste País não tem origem na estrutura crítica, que melhor ou pior acaba, as mais das vezes, por resultar inócua para o compto das vendas da grande maioria das edições.
O disparate reside, antes, no mesmo velho factor social que de tão devassado e moribundo perverte e arruína todos os demais: a Educação.
À força de uma sólida educação, composta por toda a sorte — ou azar — de lixo mediático com que entopem os neurónios às criancinhas inocentes, na verdade elas nunca passam disso mesmo: criancinhas; a inocência esvai-se, ainda assim.
Basta observar os comportamentos nas estradas, nos restaurantes, nas empresas, nos hipermercados, nas repartições, nos jardins, nas praias, em toda a parte. Aliás, até mesmo neste blogue… O português, essa coisa abjecta, polui com as suas atitudes infantis, inescrupulosas, pouco cívicas e nada inteligentes cada nanograma de ar que o rodeia. Cospe para o ar. Dá tiros no próprio pé.
E isto nem sequer está inter-relacionado com o nível socioeconómico das pessoas… Era bom se assim fosse, que sempre tínhamos a recorrente desculpa de sermos um País pobre e-tal-e-coiso. Mas, na verdade, a única diferença é que os economicamente ricos, embora tão pobres como outros quaisquer, detêm mais recursos para branquear os seus comportamentos.
Os piores canais e programas de televisão alcançam as maiores audiências; os piores jornais são os mais lidos — salvo honrosas excepções —, e a generalidade dos jornalistas são maus ou sofríveis ou acabam por evoluir para esse estádio à medida que acumulam experiência; as editoras recorrem ao tradicional “é o que vende” para ficarem de consciência tranquila; qualquer brutitates que saiba contar anedotas em público, ou qualquer crica com um par de cara ou um palmo de mamas, salta em menos de um fósforo para a ribalta das figuras públicas e lá se mantém, se estrategicamente fizer umas plásticas de quando em vez… E quando se dá por eles, zás! — derramaram as suas fartas pústulas num livro com a história da “minha vida”. Minha nossa! — quer dizer.
Se não, reparem que não é um problema confinado aos autores literários portugueses… Se quiserem algumas obras de referência de autores estrangeiros (das quais muitas são livros de vulto e, a seu tempo, best-sellers lá fora), tê-las-ão de ler em Inglês, Francês ou mesmo Espanhol. Contudo, se se dedicarem a esgravatar nos escaparates constatarão que não falta cá nada do lixo internacional. A bosta que se escreve em todo o mundo é traduzida e publicada à velocidade de uma corrida de burros. Porque muitas vezes os direitos para publicar a obra são alvo disso mesmo: de uma corrida de burros.
Há uma maré negra nas edições livreiras portuguesas. É um facto. Mas isso pouco ou nada se deve à acção dos críticos — muitos apenas na forma tentada — literários. Eles são normalmente gente boa que vasculha no lixo e por vezes se deixa contaminar. Apenas isso.
Falta, na listagem do insigne suprapostador, a Margarida Rebelo Pinto, o José Rodrigues dos Santos, o Miguel Sousa Tavares, o Gastão não-sei-quantos e outros que me neurastenizam a molécula (e que decerto me perdoarão pelo facto de me não serem mnemónicos)… Enfim. Mas nem todos são maus. Alguns escrevem bem e eu até os aprecio — o que, se eles soubessem — os encheria de contentamento e orgulho.
Afinal, o que faz falta é uma secção de reciclagem literária nos ecocentros do País. Quando assim for, pode ser que o aterro se dissipe…
Soube-me bem desabafar. Mas já criticava qualquer coisinha tenra…
Até já.
PS — Também acredito no Pai Natal.
Renato C.