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O Expresso e o lobo

A manchete do Expresso do último sábado sobre o corte de salários da Função Pública provocou grande polémica e uma mão-cheia de reações precipitadas e preguiçosas. A polémica é natural, mas as reações precipitadas são infelizes. Na manhã de sábado, líderes políticos da oposição e sindicalistas, entre outros, acusaram o Governo de “plantar” notícias para espalhar o pânico. A acusação não surge por acaso, já que o Governo tem tido essa prática. Acontece que, neste caso, a notícia decorreu de contas feitas pelo Expresso, e que o Governo se limitou a confirmar, como o nosso artigo explicava. Mais grave, as nossas contas estavam ao alcance de todos, pois foram feitas a partir de documentos públicos pelo Governo e entregues pelo Governo aos parceiros sociais.

Os jornalistas do Expresso cobrem áreas, relacionam-se com fontes e tentam obter informações das fontes em primeira mão. Mas também trabalham sobre dados públicos e que estão à vista de todos. Muitas vezes uma notícia está no resultado de uma conta que ninguém se lembrou de fazer.

Editorial do Expresso (sem link)

Curiosamente, nesse sábado, partidos de oposição e centrais sindicais acusaram o Governo de “plantar” notícias para aterrorizar os portugueses e para testar as suas próprias políticas. E todo o debate se fez à volta desta pretensa malfeitoria do Governo.

Qual é a verdade? A verdade é que, sendo certo que muitas notícias já foram “plantadas” por este e outros Governos, foi um jornalista (João Silvestre) que chegou àquela conclusão. E chegou, porque sendo licenciado em Economia, sabendo fazer contas e tendo acesso a todos os documentos que todos os partidos e centrais tinham, porque eram públicos, fez o seu trabalho. E concluiu que o corte é de 4%. Ou seja, o jornalista fez o trabalho que partidos e sindicatos poderiam e deveriam ter feito e não fizeram.

(…)

Em caso de dúvida, tratam jornais e jornalistas como meros moços de recados (que também os há, sublinho que não faço defesas corporativas)

(…)

Chega a ser ridículo que um jornalista sozinho faça o que as máquinas dos partidos e dos Governos deviam fazer e não fazem, mas acima de tudo é triste.

Henrique Monteiro

Estes dois textos (bolds meus) simbolizam tanto do que, a meu ver, está errado no nosso jornalismo que tenho até alguma dificuldade em saber por onde começar. Vou tentar fazer um resumo do que dizem: há um trabalho de investigação feito por um jornalista. Esse trabalho é acusado de ser uma mera notícia plantada por várias pessoas e organizações. O Expresso lamenta essas reacções, porque embora haja muitas notícias colocadas nos jornais, presume-se que no Expresso também, esta notícia, neste caso, não é uma delas. Neste caso, até é um trabalho sério. E sendo assim, as críticas são injustas, porque antes de se acusar um jornal que considera, pelos vistos, perfeitamente normal publicar notícias plantadas pelo governo, convinha verificar se a notícia é um trabalho sério, porque em alguns casos, como este, até pode ser. E neste caso é simples, os dados são públicos, façam o favor de fazer vocês a investigação, e as contas, para verificar se o trabalho é sério. Porque é, mas podia não ser.

Depois, há este conceito, a meu ver espantoso, implícito no editorial e explicito no texto do Henrique Monteiro: que é uma tristeza que tenham que ser jornalistas a investigar e verificar factos, a fazer as contas e apresentar conclusões. Ora, não sou jornalista e posso por isso estar enganado, mas isso não se chama, como dizer, “jornalismo”? O Henrique está a queixar-se de quê, exactamente? Que as organizações e sindicatos não tenham feito as contas para as apresentar, papinha feita, aos jornalistas? Que de seguida fariam o quê, publicariam sem verificar? Isso não é o que se chama “plantar uma notícia”?

Bom, no meio desta confusão, deixem-me então fazer uma sugestão ao Expresso e ao Henrique Monteiro. Para evitar estas situações desagradáveis e injustas no futuro, e ajudar os vossos leitores a distinguir entre um trabalho sério e uma notícia plantada pelo governo, uma vez que pelos visto é perfeitamente normal que estas convivam juntas no mesmo jornal, que tal inserir um símbolo, antes de um qualquer trabalho jornalístico, para nos indicar se estamos a ler um trabalho sério ou uma notícia plantada? Uma espécie de selo que qualidade que ateste que o trabalho jornalístico apresentado foi feito de maneira séria, segundo regras deontológicas precisas, baseado em factos, e alvo de revisão ou verificação antes de ser publicado. Algumas organizações noticiosas internacionais já usam este selo de qualidade. Por exemplo, este é o selo de qualidade que o New York Times utiliza para garantir a seriedade das histórias que publica:

Selo de qualidade

Mas, enfim, é uma mera sugestão disparatada de alguém que não é jornalista. Apenas um leitor que acha por vezes difícil distinguir um trabalho sério de uma história plantada, porque são muito parecidos. E por isso, presume que todas, pelo menos, podem ser plantadas. Pelos vistos,  no Expresso, concordam.

Algo de sinistro se passa na JSD

Nos anos 50 do século passado, um cientista genético russo, Dmitry Belyaev, iniciou uma longa experiência na domesticação de raposas (mais em detalhe aqui). Usando apenas como critério de selecção a reacção amigável ou hostil que estas tinham ao contacto humano, conseguiu criar 2 grupos de raposas: o primeiro grupo consistia em raposas perfeitamente domesticadas, que procuravam activamente o contacto humano, tinham características físicas diferentes das selvagens, e exibiam muitas características normalmente associadas aos cães, como abanar a cauda. O outro grupo, inversamente, entrava em completa histeria e agressividade ao mínimo contacto humano. Conseguiu pois criar uma nova raça de raposas baseado apenas num único critério comportamental.

Esta experiência vem a propósito do que se tem vindo a passar, à vista de todos, numa organização conhecida por JSD, onde creio que um processo semelhante está a decorrer perante os nossos olhos. Mas neste caso, a experiência não visa criar raposas, mas algo mais sinistro, uma criatura mítica e raramente vista no seu estado comportamental puro:  o perfeito anormal.

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Crónicas da gente séria

paulo rangel

Senhor Presidente, eu queria denunciar aqui aquilo que se está a passar em Portugal neste momento, onde é claro que a comunicação social trouxe à luz um plano do governo para controlar os jornais, para controlar estações de televisão, para controlar estações de rádio, o que põe em causa a liberdade de expressão. Ainda esta semana um jornalista muito conhecido, Mário Crespo, viu censurada uma crónica sua também por sugestão – ou aparente sugestão – do Primeiro-Ministro.

Perante isto, o Primeiro-Ministro José Sócrates tem de dar explicações substanciais ao País, tem de explicar que não está a dominar, a cercear, a censurar a liberdade de expressão em Portugal.Pela forma que estamos a andar, Portugal já não é um Estado de Direito, é um Estado de Direito formal onde o Primeiro-Ministro se limita a formalidades, a procedimentos, a formalismos e não quer dar explicações substanciais.

Para Portugal queremos um Estado de Direito material!

Paulo Rangel, denunciando no PE coisas muito sérias que se passavam em Portugal em 2010

Nigel Farage é um bom orador: com presença, com estilo, com humor, com sarcasmo, seduz facilmente os seus ouvintes. Primeiro seduz, depois convence.Numa altura de crise, com tanta gente injustiçada e em grave aflição, o seu discurso é popular. Mais do que popular, é demagógico; é uma autêntica antologia do populismo. Tudo se resume à busca de responsáveis imediatos, de culpados próximos, de bodes expiatórios.

Paulo Rangel, denunciando o populismo e alarmismo irresponsável de Nigel Farage em 2013

Um faz apenas mais barulho que os outros

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O primeiro-ministro sabe e creio ter compreendido. Esta é a fronteira que não posso deixar passar

Paulo Portas, recusando o corte de pensões a 5 de Maio de 2013

O líder do CDS e ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros aceitou, a título excepcional, a nova contribuição dos reformados (a taxa de sustentabilidade), depois de ter admitido que a insistência nesta medida podia gerar uma crise política.

Paulo Portas, aceitando o corte de pensões a 12 de Maio de 2013

***

É oficial: Passos Coelho não tem dois caniches. Tem três.

Pequeno desabafo entre amigos

Não tenho escrito muito, o que é simplesmente uma maneira simpática de dizer que não tenho escrito nada. Há várias razões para isso, entendendo-se por “razões” as desculpas que uso para não o fazer, que não vale a pena detalhar, como desculpas que são. Mas a verdadeira razão talvez seja outra: há um desânimo que não consigo evitar. Para quem escreve sobretudo sobre politica, para quem gosta de politica, da politica para além das tricas de gabinete, isto são tempos terríveis. E não, não falo apenas do governo. Falo também da falta de alternativas na oposição, desde o lirismo desmiolado do BE, aos dogmas bafientos do culto a fingir de partido politico que é o PCP, mas sobretudo à mediocridade deslavada a que o PS se deixou chegar.

Ora, para um optimista, como gosto de me considerar, isto é a pior tormenta possível. Estamos, desculpem a expressão, atolados na merda até ao pescoço. De um lado, um governo cuja politica é comandada por um perfeito lunático, lunático esse que usou os seus consideráveis conhecimentos técnicos para dominar por completo um Primeiro-Ministro cuja falta de inteligência só tem comparação com o nível de chico-espertice, ambos épicos, e cujo plano consiste em cumprir ordens de uma Europa que não sabe, ela também, sair do pântano em que se atolou. Tudo afiançado por um dos mais cínicos actores políticos da nossa praça, cuja preocupação única e exclusiva é sair bem na fotografia, seja de que maneira for. Do outro, uma oposição que aparentemente só faz oposição sob ameaça de chicote, que está perfeitamente satisfeita em esperar que tudo caia de podre, e depois logo se vê. Que se convenceu que o governo caia com a decisão do tribunal constitucional, e que se vê agora a braços com uma campanha eleitoral nos braços sem saber o que fazer com ela. Basta ver o que foi o congresso do PS. Entretanto, vai apresentando uns paninhos quentes e mezinhas caseiras que em tudo se assemelham às promessas vazias do PSD pré-2011. Queremos crescer, mas com contas públicas “rigorosas” e pacto orçamental. Ou seja, o que quer que seja que pensam que os eleitores querem ouvir. Responsabilidade, que uma pessoa com as minhas responsabilidades tem que ser muito responsável. Honestidade. A Merkel não dura sempre, aguentemos que venham ventos mais favoráveis, e entretanto faremos tudo para que isto arda mais lentamente. Viva a Europa, espaço de paz e solidariedade. Somos boas pessoas, gostamos muito de pessoas, e choramos muito, à noite na almofada, com as histórias das dificuldades das pessoas que todos dias nos chegam. Perguntem à minha esposa, aqui ao meu lado.

Bardamerda.

Por isso, aqui estava no meu próprio atoleiro, sem grande vontade ou inspiração para escrever o que quer que fosse. Não gosto de estar constantemente a atacar o governo, a atacar as imbecilidades com que todos os dias nos brindam, sem que haja, do outro lado, algo a que possa chamar de esperança, algo porque lutar. E neste momento, não há grande coisa. Há esperanças, sim, mas não para agora, e agora é quando é urgente. Agora.
Depois li isto. E é exactamente isto, palavra por palavra. Obrigado, muito obrigado, e a devida vénia. Nesta altura, era mesmo o que estava a precisar.

E na próxima crise?

Quando a crise económica mundial rebentou em pleno, com a falência da Lehman Brothers em Setembro de 2008, Portugal vinha de um défice, no ano anterior, de 3,2% e uma dívida pública de 68,3%. No final desse fatídico ano, acabámos com 3,7 e 71,7%, respectivamente.

Não estando dentro dos “limites” de 3% e 60%, não estava tão longe como isso.

Como é perfeitamente evidente para todos os economistas pós-idade-da-pedra-lascada, a recessão que se seguiu teria que ser combatida, e foi essa a orientação inicial de toda a UE. O que levou naturalmente a défices mais altos, e a um crescimento mais rápido da dívida. Que aliás nem precisam de nenhuma medida de combate à crise para acontecer, uma vez que, numa recessão, o estado gasta naturalmente mais, com o desemprego, e recebe naturalmente menos impostos, com as falências e a redução do consumo. Chamam-se estabilizadores automáticos. Não dependem sequer de nenhuma decisão politica de “gastar mais”. Acontecem, e pronto.

Posto isto, avancemos para onde estamos agora. No ano da graça de Gaspar de 2012, acabamos com 6,6% de défice, uma dívida publica de 123%, e em recessão profunda. O plano da direita e da UE para nós é simples: vocês vão tentar ser a Letónia, porque esses são um caso de “sucesso” da austeridade. Ora, aqui está a Letónia:

Latvia GDP

E aqui estão os pressupostos: desvalorização interna, austeridade pelo tempo que for preciso, esperar que o PIB algum dia pare de cair, e a seguir um crescimento mais ou menos anémico que nos permita, em 30 ou 40 anos, trazer a dívida para valores mais razoáveis. E uns bons 10 a 15 anos só para recuperarmos o nível económico que estamos agora a destruir com o entusiasmo que só o bom aluno consegue.

Em compensação, deixam-nos ficar no Euro, com a “estabilidade” que proporciona.

Ora, mesmo tomando este plano como “sério” e “realista”, deixem-me fazer uma pergunta: O que é que acontece a um país do Euro, com uma dívida pública acima de 100%, um crescimento anémico e uma “regra d’oiro” que o obriga a reduzir essa dívida custe o que custar, dizia, o que é que acontece a esse país do Euro quando a próxima recessão o atingir? O que é que acontece quando, devido a essa próxima recessão, o défice disparar outra vez e a dívida recomeçar a subir?

Tendo em conta o que sabemos agora, temos alguma razão para pensar que a resposta da UE será de alguma maneira diferente da resposta agora, com cortes, recessão e destruição da economia como única alternativa? E nessa altura, os sacrifícios de anos terão servido para quê?

Porque das duas uma: ou as alminhas que acham, como os alemães, que este plano é “a única alternativa” pensam que durante os próximos 20 anos não existirá mais nenhuma crise económica que nos afecte, ou então pensam que a UE de alguma maneira reagirá de forma diferente nessa altura.
Como aposta de futuro, parecem-me pressupostos bastante frágeis.

Results, dear boy, results…

Obrigado pela lição, caro Afonso. E no entanto a “estratégia politica”, sem erros básicos presumo, deu até agora isto:

Ecra_74

Ecra_75

 

(Fonte, via Margens de Erro)

Estando o país, claro, no meio da maior crise económica desde a democracia, com um governo que devia vir na enciclopédia sob a entrada “incompetência”. Mas como os “acocorados” críticos de Seguro estão obviamente errados, então deve ser falta de Events. Um azar dos diabos.

Mas enfim, concordamos em pleno no último parágrafo. É, suponho eu, melhor que nada.

A claríssima regra de Chipre

A situação no Chipre provocou, como é natural, muita confusão e ansiedade entre os cidadão europeus, nomeadamente os cidadãos europeus com conta no banco, e sobretudo entre os cidadãos europeus com conta no banco que vivem em países com dificuldades financeiras. E a pergunta que todos se fazem nesta altura é: “será que o meu dinheiro está seguro”?

Acho que posso ajudar. Vamos ao óbvio: o Chipre, em virtude de ser um offshore muito utilizado por milionários russos, é um caso único na Europa. E apesar de ser parte da UE, e de estarem cobertos pela garantia bancária que, relembro, protege os vossos depósitos até 100.000 €, é perfeitamente natural que os restantes cidadãos não queiram utilizar o seu dinheiro para salvar milionários russos, com dinheiro vindo sabe-se lá de onde e que o depositaram numa offshore de um banco na UE. É uma questão moral que creio que todos concordam.

Deste aparente paradoxo nasceu, por isso, uma regra muito simples que passará a ser uma das pedras basilares da banca europeia, e que creio que todos os cidadãos podem compreender. Podemos chamá-la “regra de Chipre”. E a regra de Chipre diz simplesmente isto:

É perfeitamente seguro utilizar os bancos europeus para guardar o vosso dinheiro, porque os vossos depósitos bancários estão protegidos, por lei, até 100.000 €. A não ser que não gostemos dos vossos depositantes, e nesse caso não se aplica.

Creio que fica pois dado um importante passo na construção europeia, e que a confiança dos europeus no seu sistema bancário fica garantida.

Não têm nada que agradecer.

Precedentes rumo à confiança.

Vamos admitir o seguinte cenário:
Após mais um descambar das contas públicas no final de 2013, todos os objectivos acordados com a Troika para este ano estão em risco de falhar. Nem o “défice estrutural primário”, esse baluarte de credibilidade, escapa à degradação da situação económica. Furiosa, a Troika exige que os objectivos para o défice sejam cumpridos, e que já deu mais tempo. Temos de cumprir custe o que custar, dizem.
É preciso dinheiro para tapar o buraco, rápido, ou a próxima avaliação vai dizer negativa, com “consequências dramáticas” para o “futuro do País”. Em desespero, o Ministro das Finanças decide-se por uma medida extraordinária como foi feita agora no Chipre: um confisco de uma parte dos depósitos bancários.

Não podia acontecer aqui, porque o Chipre é um “caso especial”. Têm a certeza?

O grande silencio

This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.
TS Eliot

Estive em ambas as manifestações “inorgânicas” que se realizaram a 15 de Setembro e 2 de Março, embora um pouco menos tempo nesta última, limitando-me, por falta de disponibilidade para mais, a descer a avenida, não chegando ao Terreiro do Paço para cantar o tema que serviu de mote à brilhante campanha de marketing da organização.
E sim, a deste ultimo Sábado teve menos gente, o que é natural tendo em conta que não havia um foco específico a combater, como a TSU tão desastradamente comunicada por Passos Coelho em Setembro. E se calhar o tempo estava mais frio. Ou o percurso não era tão aliciante. Ou o metro estava cheio. Ou qualquer outra coisa.
De qualquer maneira, acho que isso talvez seja até um ponto a favor. Tendo em conta que os objectivos desta manifestação eram muito mais difusos (“que se lixe a Troika” continua a ser um slogan tonto), esteve muita gente, muita gente mesmo. E encher uma avenida com um protesto difuso, sem ser num dos dias simbólicos, sem organização profissional tipo CGTP e, mais importante, sem frota de autocarros, é a meu ver impressionante.
Podem ter aparecido menos que nem Setembro. Mas apareceram muitos.
Mas não foram os números, nem os motivos, que mais me impressionaram nesta manifestação. Esta manifestação impressionou-me sobretudo pelo que estava ausente em relação à outra. E o que estava ausente pode ser definido num conceito simples: alegria.
Salve algum, fraco, esforço por parte de alguns activistas, não havia grande palavras de ordem, nem cânticos, nem barulho de panelas, nem slogans memoráveis. Nada. O que me deu por vezes a impressão de estar não numa manifestação, mas num cortejo fúnebre. Houve realmente alturas em que o som que mais se destacava era o do helicóptero. Tudo o resto, tirando o burburinho de fundo, era um impressionante silêncio. Ou, usando um velho cliché que aqui se aplica perfeitamente, um ensurdecedor silêncio.
E no entanto, tendo pouco para dizer ou berrar, milhares apareceram. Como explicar isto?
Há tristeza nas pessoas? Há, com certeza. Desespero? Também. Mas a ideia com que fico é que há sobretudo uma grande falta de fé no futuro, uma falta de respostas para aquilo que as preocupa. Sabem que não querem isto, mas lutam pelo quê, exactamente? Qual é a alternativa? “Que se lixe a Troika”? Onde é que está a esperança que elas merecem?
Lutar contra isto? Sim, claro, foi por isso que apareceram. Mas lutar pelo quê, exactamente? O lado negativo está lá. E o positivo, está onde?
A manifestação de 15 de Setembro foi um aviso ao governo que não valia tudo, que estava a ir longe demais. Na de 2 de Março vi algo diferente. O protesto das pessoas foi dirigido ao governo. Mas o silêncio, creio eu, foi dirigido à oposição. Uns já sabemos que não ouvem. Os outros fariam bem em ter as orelhas no ar.

Springtime for Merkel

É difícil, para um leigo, perceber a complexa politica italiana. É ainda mais difícil, para um não-italiano, entender como é que Berlusconi quase ganha as eleições. E é muito mais difícil, para uma pessoa racional, meter na cabeça como é que Grillo passou de uma anedota à força politica mais votada (individualmente) nestas eleições.
De qualquer maneira, o veredicto é claro: os italianos estão revoltados, culpam a austeridade e os políticos convencionais, mandaram Monti e as politicas “responsáveis” da UE dar uma volta ao billiardi grande, e a Itália ficará, nos tempos mais próximos, quase ingovernável.
O que se calhar não é assim tão mau como isso, porque complica muito a vida ao establishment da UE. O que nesta altura é uma coisa boa. Se há alguém que está a precisar de um abanão como deve ser são precisamente os responsáveis que não aprenderam com o caos grego. Talvez acordem agora com os italianos. Aliás, creio que não terão outra hipótese.
Ora, a confirmar-se a continuada degradação da economia italiana e a necessidade de um bailout, as opções em cima da mesa para Merkel e a UE parecem-me, à primeira vista, as seguintes:

1 – Oferecer o bailout e um pacote de resgate completo com condições severas. Observar como não há ninguém com quem negociar isso, zero hipóteses dessas condições serem aceites, e menos que zero hipóteses de serem implementadas. Ver a Itália, uma das maiores economias da UE, entrar em default ou muito próximo disso. Novas eleições, ganha Berlusconi ou Grillo com o seu referendo ao Euro, e Dante abre as portas do inferno. A Itália sai do Euro, e este acaba.

2 – Oferecer um bailout tipo Espanha, com compromisso de continuar medidas de austeridade numa versão “suave”. Observar como mesmo essas medidas não são implementadas. Ver a Itália, uma das maiores economias da UE, continuar com a situação económica em degradação acelerada, e como isso força novas eleições. Ganha Berlusconi ou Grillo com o seu referendo ao Euro, e Dante abre as portas do inferno. A Itália sai do Euro, e este acaba.

3 – Oferecer o bailout sem condições algumas. Ver como Espanha quer imediatamente a mesma coisa, a Irlanda também, e os Gregos observarem que Tsipras é que tinha razão, pelo que a sua popularidade sobe à medida que a contestação aumenta. (Portugal de Passos e Gaspar continua a querer ser bom aluno, embora seja cada vez mais difícil)
Observar então a revolta dos países nórdicos quando se apercebem que é agora impossível continuar a mentir aos seus eleitores e que sim, têm de pagar pelos italianos, espanhóis, gregos, irlandeses e portugueses. E em breve franceses. As portas do inferno são mais uma vez abertas, mas desta vez por Odin.

4 – Partir para um ambicioso programa de recuperação de economia europeia que permita, finalmente, a consolidação orçamental e crescimento na Europa. Algo como isto, proposto pelos próprios alemães. E dar um casaco polar ao Dante, porque por essa altura o inferno congelou.

De qualquer maneira, tempos interessantes à frente, como dizem os chineses. Ah, e Álvaro, sabes as tuas exportações? Esquece.

Este é o nosso passado

Passado

Não admito que nenhum combate político seja condicionado por agendas pessoais, pela mera ambição pessoal e o regresso ao passado
António José Seguro

*

Não sei qual o passado que António José Seguro rejeita e ao qual não quer regressar. Não sei, também, qual o passado de que António José Seguro se envergonha, e qual o motivo para que isso aconteça. O que eu sei, isso sim, é que ao longo dos seus 39 anos de existência, tantos como os deste mero militante, o Partido Socialista foi talvez o principal agente transformador e de progresso deste país, de um dos mais pobres e atrasados na Europa até à sociedade que nós, todos nós, construímos e de que nos devemos orgulhar e defender. Mesmo na dificuldade. Especialmente na dificuldade.
E esse trabalho foi o de todos os Secretários-Gerais. Todos eles contribuíram, todos eles deram o seu melhor. Houve, evidentemente, aqueles com os quais concordei mais e aqueles com quem concordei menos. Aqueles que me entusiasmaram mais e aqueles que me disseram menos. Os que lutaram e ganharam, e os que mesmo lutando perderam. Todos eles fizeram do PS aquilo que é hoje aos ombros da obra dos anteriores. Melhorando-a, corrigindo-a, fazendo-a avançar, dando o seu contributo e o seu cunho pessoal na construção, sempre inacabada e imperfeita, de um partido melhor. E com isso, de uma sociedade melhor.
E todos eles, sem excepção, são para mim motivo de orgulho e admiração. Este é o meu partido, este é o meu passado. Mesmo sendo apenas um militante, respondo por ele, e pela obra de todos os líderes, a quem o puser em causa.
Por isso, repito, não sei qual o passado a que António José Seguro se refere. O que sei é que quem tem vergonha do passado não tem, certamente, grande futuro.

A actual situação do PS

Manuel dos Santos considerou depois que os últimos episódios que se registaram na vida interna do seu partido “constituem um desrespeito em relação a António José Seguro, para mais um desrespeito vindo daqueles que são responsáveis pela actual situação do país e por a direita estar a governar Portugal”

Caso restassem dúvidas sobre o motivo que leva Seguro a nunca defender a anterior governação, acho que estas declarações de um membro da sua comissão politica são suficientemente esclarecedoras.

Eles acreditam, piamente, na narrativa de direita sobre a culpa do PS. É natural então que a apoiem.

No fundo, é gente séria.

Linhas vermelhas e regras d’oiro: radiografia de um nulo

Seguro

Animado, certamente, por uma crescente preocupação com a sua posição de Secretário Geral o rumo do país, António José Seguro por estes tempos desdobra-se em aparições e entrevistas, num esforço para mostrar finalmente ao país que existe. A mais recente é uma longa entrevista ao DN, onde o líder do PS acaba por demonstrar, involuntariamente, quase todas as razões que o levaram à frágil posição onde agora se encontra.
A entrevista é politicamente correcta, não se desviando um milímetro da imagem que gosta de projectar de líder sereno, bem educado, com uma honestidade acima de qualquer suspeita e muito, muito, ó mas tão muito responsável. Toda a entrevista é, também por isso, enfadonha e um exercício de vazio absoluto.
Repare-se nas contradições presentes: na mesma entrevista, critica o “enorme aumento de impostos” que conduz a uma espiral recessiva, ao mesmo tempo que “não está em condições de prometer” que os baixa. São maus e têm péssimas consequências, mas são para continuar. Ou seja, não sabe o que fazer. Ou aliás, sabe que não os baixa, mas não o diz directamente. Não se compromete com uma posição.

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Coisas que só a magia explica

A inflação conduziu no passado, segundo o nosso astuto Primeiro-Ministro, a “guerras muito grandes”. Nós na Europa não queremos guerras muito grandes, queremos paz muito grande. E por isso, quando se fala em usar o BCE para ajudar os governos da zona Euro fazer a Europa sair da recessão onde se está a afundar, lá vêm os pacifistas recordar-nos dum aparente facto incontestável : ligar as impressoras do BCE provoca inflação, e a inflação provoca guerras muito grandes. Mais dinheiro criado do nada, menos esse dinheiro vale. Parece uma evidência.

Vamos ver se isso corresponde à realidade, sim? Os americanos, para variar, dão uma ajuda.

Gráfico 1: índice de fumo que sai das impressoras
Gráfico 1: índice de fumo que sai das impressoras

O gráfico acima representa a quantidade de dinheiro que os americanos andam a imprimir. Ou seja, desde 2008 que a quantidade de Dólares triplicou. O que significa que a inflação, esse monstro guerreiro, deve ter disparado. Vamos verificar isso também:

Gráfico 2: índice de risco de uma guerra muito grande
Gráfico 2: índice de risco de uma guerra muito grande

Como podemos verificar, a inflação não foi aparentemente informada de que há muito dinheiro em circulação e que era suposto disparar. Nada temei, no entanto. Os mercados e os seus analistas estão atentos e não vão deixar isto passar em claro. Vamos ver os juros que os americanos pagam pelo regabofe:

Gráfico 3: índice de viver acima dos seus meios
Gráfico 3: índice de viver acima dos seus meios

Ora, vamos resumir: imprimiram como se não houvesse amanhã, ao mesmo tempo que controlaram a inflação e pagaram cada vez menos juros da dívida. O que basicamente só se explica por duas razões:

1 – os americanos têm uma magia muito grande

2 – A única coisa mais baixa que a taxa de inflação e juros americanos são os conhecimentos económicos de muitos que se fazem passar por economistas.

Alguns, dizem-me, têm cursos universitários. O que só pode significar uma coisa: essas universidades andam a ensinar pensamento mágico.

Discutamos o estado, então

Se há alguma vantagem no relatório do FMI, é esta: goste-se ou não, o que ali está obriga finalmente a esquerda, e sobretudo o PS, a defender activamente o estado tal como nós o construímos nas ultimas décadas. Depois disto já não basta dizer – aliás, acho que nunca bastou – que não se discute, que não se admite, que é de alguma maneira impensável e nem se quer ouvir falar nisso. Não é, nunca foi, e vai discutir-se agora, e nas piores condições possíveis para a defesa deste. O que provavelmente era a ideia. Mas vai discutir-se. Vamos pois a isso.

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