
Memória do eterno titular da selecção nacional «B» (a José Vilela)
As mãos tinham que ter a força das tenazes embora no retrato ficassem atrás das costas. Como a baliza, como o Estádio Nacional minutos antes de um jogo da equipa «B» de Portugal. Entre 1946 e 1954 havia cinco nomes para Sporting e Os Belenenses: Capela, Sério, Azevedo, Dores e Tormenta. Em Belém fui suplente até à chegada de José Pereira. O guarda-redes é o topógrafo do relvado, o seu olhar é uma lente de ângulo aberto aos movimentos mais inesperados. São cinco avançados contra três defesas, sempre à espera que os médios possam recuar. Havia então muitos pelados, a bola ganhava efeitos de capricho, a chuva era mais fria, o vento forte era um temporal desatado sobre o campo e sobre a solidão da pequena área.
No ano de 1949 havia nuvens de morte à volta dos estádios. Os jogadores do Torino morreram na montanha de Superga. Havia luto nas camisolas e nos corações de toda a gente. As irmãs Meireles (Milita, Cidália e Rosário) cantavam na rádio e no Sporting enquanto Hermínia Silva dava o tiro da partida no ciclismo. Era preciso construir a alegria todas as manhãs. Nas reservas havia nomes insólitos: Cascalheira, Palmense, Fósforos, Marvilense. Na primeira divisão havia clubes hoje ausentes: Lusitano de Évora, Sporting da Covilhã, Estoril Praia, Elvas, Atlético.
Meu filho Victor vai ser, anos depois, o confidente das lágrimas e dos sonhos de uma geração: Luís Boa Morte, Simão Sabrosa, Caneira, Miguel Garcia, Hugo Viana, Ricardo Quaresma, Cristiano Ronaldo, Nani. Ao intervalo, um cubo de marmelada ajuda a repôr os hidratos de carbono e o sorriso. Quando tudo corria mal na cabina, ele dava a solução: ganhar o próximo jogo. No olhar de meu filho o meu tempo interior continua: ficar nos bastidores a esperar as condições para uma subida ao palco dum jogo onde o efémero faz o seu esplendor. Sempre.