MJNP morreu com 59 anos. Tenho 35 anos e não me lembro de não a conhecer. Não me lembro do dia em que vi pela primeira vez esta mulher inesquecível sentada, à conversa, em casa dos meus pais. Por isso, este raio que se abate sobre nós quando alguém como MJNP fecha os olhos pela última vez e que nos faz percorrer imagens atrás de imagens até um início qualquer, não encontra, no meu caso, esse início.
A imagem de uma cara bonita, invulgar, a argumentar com prazer, irritada, alegre, interrompendo, impondo-se, essa imagem forma-se na minha infância, antes de eu saber o que era ser de direita ou de esquerda, mas já notando a inteligência, porque quando esta é aguda, as crianças sabem bem dar por ela.
MJNP fez uma carreira brilhante, era competente e guiava-se pela competência, às vezes inconveniente, felizmente, acesa e convicta nos debates, falando a cem à hora, interrompendo quando via nas palavras do adversário um limite para o seu silêncio, debatia com consistência e sem medo dos formalismos sexistas que quando quebrados perigam a qualificação do dito pela mulher.
Não vale a pena dizer o tão gasto “apesar” das nossas diferenças. Elas são evidentes, sabidas, porque MJNP sempre escreveu e disse sem margem para dúvidas quais eram as suas causas e valores.
Há dias, na AR, numa votação de horas e horas em que cada intervalo era esmagado por jornalistas, percorri o corredor com o olhar: encontrei-a ao fundo, sozinha, numa cadeira, a recuperar para a próxima rodada.
Sentei-me a seu lado e pousei a minha mão sobre a dela. Depois de umas palavras mais privadas, perguntou-me se eu já me orientava nos corredores do Parlamento. Respondi-lhe que eu era desorientada crónica e que daqui a quatro anos entraria triunfante no restaurante convicta de que seria o Plenário. Um fio de fraqueza e de beleza soltou uma gargalhada inesperada.
Há uns tempos, nesta sua dignidade perante a doença, aflitiva apenas para nós, mais fracos do que ela, houve um debate na televisão com independentes de todos os Partidos.
Vou guardar para mim o que nessa noite a fé profunda desta mulher traduziu em palavras após o debate, mas posso repetir uma verdade que lhe disse num abraço – “os ateus também rezam, Zézinha”.