Todos os artigos de Isabel Moreira

Maria José Nogueira Pinto – uma nota pessoal

 

 

MJNP morreu com 59 anos. Tenho 35 anos e não me lembro de não a conhecer. Não me lembro do dia em que vi pela primeira vez esta mulher inesquecível sentada, à conversa, em casa dos meus pais. Por isso, este raio que se abate sobre nós quando alguém como MJNP fecha os olhos pela última vez  e que nos faz percorrer imagens atrás de imagens até um início qualquer, não encontra, no meu caso, esse início.

A imagem de uma cara bonita, invulgar, a argumentar com prazer, irritada, alegre, interrompendo, impondo-se, essa imagem forma-se na minha infância, antes de eu saber o que era ser de direita ou de esquerda, mas já notando a inteligência, porque quando esta é aguda, as crianças sabem bem dar por ela.

MJNP fez uma carreira brilhante, era competente e guiava-se pela competência, às vezes inconveniente, felizmente, acesa e convicta nos debates, falando a cem à hora, interrompendo quando via nas palavras do adversário um limite para o seu silêncio, debatia com consistência e sem medo dos formalismos sexistas que quando quebrados perigam a qualificação do dito pela mulher.

Não vale a pena dizer o tão gasto “apesar” das nossas diferenças. Elas são evidentes, sabidas, porque MJNP sempre escreveu e disse sem margem para dúvidas quais eram as suas causas e valores.

Há dias, na AR, numa votação de horas e horas em que cada intervalo era esmagado por jornalistas, percorri o corredor com o olhar: encontrei-a ao fundo, sozinha, numa cadeira, a recuperar para a próxima rodada.

Sentei-me a seu lado e pousei a minha mão sobre a dela. Depois de umas palavras mais privadas, perguntou-me se eu já me orientava nos corredores do Parlamento. Respondi-lhe que eu era desorientada crónica e que daqui a quatro anos entraria triunfante no restaurante convicta de que seria o Plenário. Um fio de fraqueza e de beleza soltou uma gargalhada inesperada.

Há uns tempos, nesta sua dignidade perante a doença, aflitiva apenas para nós, mais fracos do que ela, houve um debate na televisão com independentes de todos os Partidos.

Vou guardar para mim o que nessa noite a fé profunda desta mulher traduziu em palavras após o debate, mas posso repetir uma verdade que lhe disse num abraço – “os ateus também rezam, Zézinha”.

 

 

Como era? Poupar nos ministérios, falar verdade, não apresentar medidas extraordinárias a não ser em circunstâncias extraordinárias

Passos Coelho ainda é um amador preocupante e, talvez, para bem de todos, o choque com a realidade que se chama Estado (que ele por vezes confunde com país) atenue a sua visão de uma pátria inexistente.

Em primeiro lugar, proclamou orgulhoso que teria 10 ministérios, não sabendo que tal implicaria fazer novas orgânicas, em lei, uma trabalheira, donde ter passado a uma redução de ministros que acumulam ministérios monstruosos, o que não significa nada em termos orçamentais, antes significando um pesadelo de gestão para os empossados.

Temos então menos ministros, mas trinta e tal secretários de estado, como é evidente, não sendo de excluir que surjam sub-secretários de estado, e temos inevitavelmente adjuntos que amparam o castelo de cartas.

Em segundo lugar, na apresentação do programa de governo, lá estava o PM a anunciar orgulhoso o fim dos governadores civis, esses inúteis que todos os portugueses querem no lixo. Ainda ninguém lhe explicou que os GC são uma exigência constitucional.

Em terceiro lugar, lembram-se quando nos últimos anos apareciam números surpresa, não do INE, mas de todas as instituições habilitadas par os ditar?  O que sucedia? A oposição e um exército de comentadores alinhados no ódio e não no contraditório democrático a Sócrates apelidavam-no de mentiroso, de “faltar à verdade”, de já conhecer os números das instituições internacionais que os cuspiam ao ritmo da crise. Sócrates reagia à realidade e lá estava o ódio, o ataque, o sem número de adjectivos.

Com Passos, tudo é veludo. Abraça o INE e os respectivos números para o primeiro trimestre, depois de todo este tempo de escrutínio das contas por parte das instituições nacionais e sobretudo por parte da troika e toca a criar um imposto extraordinário sem ter demonstrado que não havia alternativa ao mesmo.

Adjectivos?

Zero.

Ódio?

Zero. E ainda bem. Ainda bem que esta oposição se atira ao que discorda com argumentos e não com uma inexplicável estratégia de ódio pessoal.

Nem mesmo quando não se fala verdade. Ouvir Passos e Portas dizerem que o imposto não afecta os mais pobres, os que recebem o salário mínimo nacional, é aflitivo. Por que não dizer que afecta todas as classes sociais, incluindo os mais pobres – quem ganha 483 Euros é rico? – mas que se estabeleceu a fronteira no salário mínimo? Não queriam tanto falar verdade?

A verdade, essa coisa tramada.

Finalmente, esta gente é dada a eufemismos. Quem recebe o subsídio de desemprego ou o RSI vai trabalhar, assim tipo trabalho para a comunidade ou voluntário, para simplificar. Por outras palavras, chama-se escravatura. Os meus amigos que recebem o RSI e que passam o dia à procura de emprego, até porque o RSI é transitório, agora vão trabalhar para o Estado, sei lá, talvez a varrer ruas por oitenta e tal euros.

Eles sabem poupar.

A ver se eu percebo a guerra aos governadores civis e outras coisas

Passos Coelho, durante a campanha, falou em emagrecer o Estado, muitas vezes de forma genérica. Por exemplo, para gente comum como eu às vezes o “Estado” correspondia a Ministérios, que passariam  a 10. Depois de eleito, Passos (ou Relvas, já não sei) veio explicar que nunca estivera em causa diminuir as máquinas e estruturas ministeriais mas o número de ministros.

É de chorar.  Então a poupança foi em Ministros? Isso pesa quanto no OE? Nada. Para mais criou ministérios monstruosos que vão gritar por gente, sob pena de não ser possível a articulação entre as áreas postas debaixo de uma só cabeça.

Depois veio a história dos governadores civis. Passou-se claramente a ideia de que são cargos supérfulos, facultativos, que concorrem com as autarquias locais, pelo que não servem para nada. Já temos aquelas, já há descentralização, PPC não quer nem mais um.

Estamos, mais uma vez, a ouvir PPC a falar para um país imaginário.

As autarquias locais constituem um fenómeno de descentralização administrativa, com legitimidade democrática e competências próprias.

O que se passa com os GC?

Os GC estão ligados aos distritos, à divisão distrital nacional, e, em cada distrito, num fenómeno de desconcentração e não de descentralização, há um GC que representa o Governo e exerce os poderes de tutela na área do distrito . É por isso nomeado pelo Governo, como seu representante, numa lógica de proximidade, e como autoridade de tutela administrativa, de segurança pública e de protecção civil.

Faz todo o sentido algumas competências do Governo, que não podem ser delegadas nas autarquias locais, sejam exercidas numa lógica de proximidade.

É este o desígnio constitucional (artigo 291º), concretizado na lei.

Pergunto então: se a Constituição faz depender a divisão distrital da concretização das regiões  administrativas (artigo291/1), ocorrendo a previsão da norma, que dirá PPC do artigo 262º da Constituição, o qual, imagine-se , prevê a possibilidade de um representante do governo  junto de cada região?

Desde o 25 de Abril que não se via isto

Tem-se falado muito no facto de ter desaparecido o Ministério da Cultura – retrocesso lamentável -, mas menos da circunstância de ser a primeira vez desde o 25 de Abril que não há um Ministério do Trabalho.

É uma opção de base ideológica, perigosa e sintomática do pensamento da direita.

Se o nosso quadro normativo-social – e consequente necessidade de concertação numa área tão fulcral – sempre justificaram um Ministério do Trabalho, nos tempos que correm parece mentira a inclusão da pasta numa misturada.

Não é mentira, é verdade, é mau e é consequência de um pensamento político e é perigoso.

O Senhor Professor Paulo Otero justifica todos os esforços

Não tenho escrito. Não posso. Se durante a campanha eleitoral não há um minuto livre, após um assalto violentíssimo à minha residência que resultou no furto de tudo o que tenho de valor – a começar pelo computador – e na destruição porque sim de muita coisa, é-me impossível escrever. Repito que não tenho computador e, como é fácil de imaginar, ando há dias e dias perdida na burocracia pós-furto.

Feita a introdução, devo dizer que tenho acompanhado há tempos a coragem de assistentes, de professores, de alunos e de funcionáros que fizeram o que devia ser um acto normal: apresentaram uma lista à Assembleia da Faculdade da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL)  (conhecida por “Clássica”). A lista foi a votos e ganhou e – imagine-se (!!!) – tinha e tem ideias que passam pela democratização da Faculdade.

Tudo isto seria normal, se não existisse de facto, naquela casa, e isto deve ser denunciado, um clima de intimidação, por parte dos Exmos. Senhores Professores avessos a votações e dados a decretarem. Tudo isto seria normal se naquela casa todas as ilegalidades que testemunhei não acabassem em nada, num “apagão” jeitoso difícil de impugnar.

Dei onze anos de ensino em tantas salas cheias de alunos que eram a minha vida, fiz lá a minha tese de mestrado e toda a gente sabe que desde o dia em que publiquei o livro com um parecer técnico sobre o CPMS a minha vida foi-se transformando num inferno. É bom ser-se mestre promissora com 18 valores até ao dia em que gente como Paulo Otero “detecta” que a tal da mestre que já tem o doutoramento aprovado e tudo defende “pecadores”.

Mas hoje não vou contar a minha história, nem a forma “totalmente livre” como rescindi o contrato com a FDUL; hoje quero comovidamente saudar os meus para sempre colegas, que têm teses para discutir, contratos para renovar, concursos por fazer e que disseram “basta” arregaçando as mangas e fazendo uma loucura: propostas.

Um desses meus colegas já fez o doutoramento e tem pela frente vários graus na carreira. É uma ameaça para o sistema de comadres da FDL.

O que fez Paulo Otero?

O mesmo que havia feito com o CPMS.

Usou os alunos, ignorou a sua função pedagógica, e elaborou um teste de direito administrativo no qual todas as datas e acontecimentos “coincidem”  com a carreira daqueloutro professor.

Um teste provocador e ameaçador.

A  tal da Assembleia da Faculdade aprovou uma resolução condenando a situação e, na expressão “mais uma vez”, vai a ligação ao que se passou com o CPMS.

O que fez o Conselho Científico?

Nada.

Eu tenho o material todo em papel, mas felizmente o mundo de Paulo Otero, bem como a cumplicidade silenciosa de outros, está aqui.

Senhor Professor, espero que tenha aprendido de uma vez por todas, porque mesmo que haja Professores famosos, semanalmente famosos, que votam contra a resolução, a maioria aprovou-a, e desta vez a sua instrumentalização do ensino para guerras pessoais veio ao de cima como nunca.

Aprenda: há quem não tenha medo de si, sejam quais forem as consequências.

E faça-me um favor: se eu acabar o meu doutoramento, esteja no júri.

A campanha de casos e de reacções ou do total desrespeito pelo eleitorado

Os portugueses estão preocupados com o seu presente e o seu futuro, sabendo que, nesta coisa que se chama democracia, há uma campanha eleitoral a correr para escolher quem apresenta obra feita, programa, consistência, coerência, equipa e sentido de interesse nacional para merecer o seu voto.

Quem faz de uma campanha eleitoral um tempo de criação de “casos”, sempre infundados, sempre reveladores de uma impreparação preocupante, frequentemente caluniosos, deve ser desmascarado, analisado, portanto, e objecto deste juízo de prognose simples: – e se PPC fosse PM?

É tão claro como isto. É fazer a pergunta. E responder.

PPC não tem campanha; tem “casos”. Das novas oportunidades, às calúnias, passando pela história milenar da Católica, não esquecendo as “nomeações”, até à IVG, enfim, tudo o que contribui para o esclarecimento do presente e do futuro hipotético do país nas suas maravilhosas mãos, PPC vive daquilo de que sempre acusaram por deficiência cognitiva o PS: o efeito mediático de um dizer por dia.

Resta saber por quê.

Não é apenas pela amoral estratégia política que ora pisca o olho ao CDS ora o ataca, ora chantageia o eleitorado ora proclama a liberdade. É, também, porque PPC sabe que a sua cassete sobre as medidas de austeridade do Governo PS durante a crise que atingiu o mundo inteiro, sem referir essa mesma crise, já não cola. Ele esquece-se que os portugueses têm miolos.

PPC teve o desplante de atacar  medidas de austeridade, por exemplo no debate com Sócrates, com uma demagogia rara, porque esqueceu-se de explicar que foram tomadas apenas e só no decorrer da crise (também se esqueceu que as aprovou). Por outro lado, PPC, o coveiro do Estado Social, falou de tais medidas como se fossem um ataque ao Estado Social. Lá está: não sabe o que é o Estado Social; não sabe o que são medidas transitórias para vencer a crise e para, precisamente, proteger o Estado Social, ao contrario de outras que cortam de tal maneira as pernas ao que nos define colectivamente que só com uma revisão constitucional que destrua o boneco é que lá vão.

Não por acaso foi possível atribuir 6 mil milhões de euros em prestações sociais apesar da crise.

Em termos de obra feita, já não falando na primeira legislatura que corrigiu os horrores da direita, PPC tem dificuldade em discutir coisas como a  redução do abandono escolar e do insucesso escolar e a melhoria do sistema educativo; a modernização do parque escolar;  o investimento na ciência e alargamento do acesso ao ensino superior; o plano tecnológico e a promoção da inovação; reforma da AP e simplificação administrativa (aqui houve lugar de forma estudada à extinção de 25% dos organismos públicos e dos cargos dirigentes, bem como a eliminação de mais de 1300 estruturas intermédias (PRACE), controlo das admissões e a redução de mais de 70 mil funcionários públicos, e não a uma cega e ignorante regra de entra um se sairem cinco.; reforço da independência energética; reforço do sector exportador; qualificação do SNS;  garantia da sustentabilidade da segurança social pública;  e aumento do salário mínimo em diálogo social.

Obra feita. É difícil discuti-la. É mais fácil dar as mãos a todos os partidos, ao BE, a PCP, a todos, com fome de São Bento, criar casos, ameaçar os portugueses – olhem que se votarem Sócrates eu não falo com o homem! – virar a camisola do avesso.

Mas mais do que tudo: evitar discutir o programa do PSD, o seu seu documento histórico do liberalismo, e não discutir o programa do PS, que ao contrário do dele, sabe manter o Etado Social e apostar no crescimento económico.

A última parece ser a do “medo”. PPC fala em medo. Sócrates tem medo. Saiu-lhe mal. Ainda estava a respirar de ter desabafado com o país o medo que Pacheco Pereira lhe provoca.

Que difícil enfrentar o difícil de costas direitas.

 

 

 


O suicídio de Passos Coelho

Já tinha sido fascinante ver o descontrolo de PPC sobre as declarações dos seus aliados. Escrevo fascinante quando penso na observação do fenómeno político, de um determinado fenómeno político. Estranha-se, e sabe-se que é sinal de má liderança, que o cabeça de lista por Lisboa escolhido após muito pensamento por PPC tenha horror à democracia e que avise que deitará fora os votos dos portugueses se não for “designado” presidente da AR.

Estranha-se que PPC diga uma coisa sobre o IVA e Carrapatoso outra, estranha-se e sabe-se que é sinal de fumo caso aquela gente tome conta do Estado (conceito que desconhecem).

Estranha-se que PPC assista caladinho a Catroga comparar Sócraes a Hitler, estranha-se, mas sabe-se que para PPC um ataque pessoal deste calibre não deve ter consequências, sabe-se que se fosse um ministro seu assobiava para o lado.

Ou seja, para além da sede pelo poder com um marco histórico no chumbo do PEC IV sem propostas alternativas, mas apenas porque havia umas sondagens que o animavam mais do que ao país, PPC tem uma postura política moral digna do candidato “mais africano de todos os candidatos”.

Hoje, passou das marcas. PPC, no último referendo sobre a IVG, explicou numa entrevista por que razão tinha evoluído no seu pensamento e tinha votado a favor da despenalização. Estava, então, a criar a figura do “Pedro, o liberal”. Agora, descobriu que pode ser “liberal” concretizando no seu programa o projecto de revisão constitucional mais obtuso que tive o prazer de ler, mas piscar um olho ao CDS, nos microfones da renascença, admitindo um novo referendo sobre a despenalização da IVG.

Nunca aconteceu em nenhum país da Europa tamanha atrocidade. Antes de ser um problema constitucional (que também é, de segurança jurídica e de tutela das expectativas jurídicas) esta proclamação encerra um problema político, moral, de incoerência e de falta de vergonha na cara.

Vale tudo.

Pequeno episódio revelador do todo

Sábado, na feira do livro, coincidiram vários cabeças de lista e candidatos a deputados por Lisboa.

Nada de anormal.

Presenciei o cumprimento democrático entre Ferro Rodrigues e Fernando Nobre, porque se cruzaram e os candidatos a Deputados fizeram o mesmo, trocando, num espírito de abertura normal, os “jornais” ou “panfletos” de cada Partido.

Evidentemente, os encontros são rápidos, cordiais, e cada um segue o seu caminho.

Faltava, claro, encontrar o Bloco de Esquerda. Estava eu com Alberto Costa a olhar um livro ou coisa assim, quando um membro da comitiva do BE me pergunta, proporcionando o diálogo que se segue:

– aceita um panfleto nosso?

– com todo o gosto.

Agarrei o panfleto do BE e, como é da praxe, ofereci-lhe o “jornal” do PS.

– já agora, se quiser, fique com o nosso também.

– olhe, sabe? O vosso serve apenas para eu forrar o meu caixote do lixo, é o que é.

Quase que fiquei estupefacta, mas logo me veio à cabeça estar perante um dos membros da delegação do BE. Disse apenas que o espírito democrático do BE confirma-se a cada pequeno ou grande gesto e que eu, ao contrário dele, leria o panfleto bloquista com todo o gosto.

Porque é isso que nos separa.

São estas pequenas grandes faltas de vergonha na cara

No “i de ontem Catroga dá uma grande entrevista e brinda-nos com estas duas afirmações:

“O Governo de Sócrates assenta numa estratégia de meter medo às pessoas”.

Quando perguntado sobre o por quê das sondagens que não reflectem o horror ao PS, responde:

– “Hitler, até ao final, também resistiu”.

Palavras para quê? Leiam a entrevista e maravilhem-se com a evidência de que, quem imputa o medo aos outros é quem usa, esse sim, o medo como arma, ou não estivesse o citador terrivelmente amedrontado.

Inspirar desconfiança

Estava aqui a imaginar uma pessoa qualquer, mais uma vez, a tentar perceber minimamente as propostas e o rumo do maior partido da oposição. Hoje vê-se confrontada com o fim da taxa intermédia do IVA para compensar a fortuna que representa a redução da taxa social única proposta (anúncio de Catroga) – peça fundamental na elaboração do programa do PSD – e com Passos Coelho a negar tal disparate.

Diz que não vai tocar em qualquer taxa, que Catroga é Catroga, mas que quem manda, afirma: – “sou eu”.

Este ódio ao Estado que em tempos de crise pede uma mão à demagogia

Desde quando? Desde sempre. A direita, efectivamente, não gosta do Estado. Dessa coisa que foi inventada, concretamente o Estado-Administração, que serve os cidadãos e que é instrumento da prossecução dos fins que caracterizam o Estado Social.

A direita gosta do Estado no sentido de substrato filosófico, o Estado-nação, o Estado português, o tal Estado de tantos anos de história, o do orgulho, invocado com o peito cheio de vazio em discursos com palavras que são só palavras, como “Portugalidade”.

É a direita agora tão bem representada no PSD que quer mudar a terminologia constitucional para que se leia, não “Constituição da República Portuguesa”, mas “Constituição da República de Portugal”. Diz que é mais patriótico.

Estes peitos vazios gostam dessa ideia de Estado, assimilada a país, a pátria, e tropeçam com horror na noção precisa de Estado-Administração, no Estado que é prestador dos serviços que nos permitem falar de serviço nacional de saúde, de assistência social, enfim, de tudo o que sabemos que não constava do orçamento do Estado novo, que teve tempos tão equilibradinhos.

Não por acaso, a primeira medida do programa do PSD que aparece em destaque nos rodapés das notícias é a proposta da proibição de contratação de um funcionário público sem que “saiam”  pelo menos cinco.

Não deve ser possível apresentar uma proposta feita sem calculadora mais poupadinha, mas mais um eco daquele horror ao Estado-Administração, horror cego, aqui dando a mão à demagogia, em face do momento actual de crise.

Quem conhece a orgânica da Administração pública sabe que esta medida é absurda. Se aplicada sem mais, podemos vir a ter serviços essenciais aos cidadãos em ruptura, sem capacidade de resposta, e outros a funcionarem talvez bem. A questão é que sem um estudo profundo das necessidades reais de cada serviço administrativo, não se pode dizer com espantosa leviandade “entra um, saem cinco”.

Não vale a pena. Nós sabemos que se a direita pudesse, ficava só com a Pátria.

É bom que alguém continue a objectar ao discurso demagógico e culpablizante do Estado que a todos serve e que, de resto, permitiu a palavra “todos”.

Obrigada a todos os que estiveram comigo ontem na feira do livro

Amigos, amigas, familiares, ex-alunas de há tantos anos que me fazem chorar, colegas, anónimos. Obrigada ao Rui Nunes por um dos textos mais extraordinários que ouvi na minha vida, escrito com a evidente dificuldade para todos por quem já quase não vê, lido com a força da convicção, ali e ali onde os seus olhos doentes, que vêem o mundo inteiro meticulosamente, não conseguem, ao nosso ritmo, juntar as letras. Uma plateia em silêncio pasmada com a lição de Rui Nunes, daí que alguém lhe dissesse no fim:- a inteligência não se agradece, só a amizade.

Obrigada à Babel, que publicou oAnsiedade através da arcádia.

Obrigada ao meu editor, Hugo Xavier.

Mais insanidades no PSD: hoje é a vez do cabeça de lista pelos Açores

São circunstâncias gravíssimas que imporiam que tivesse havido um governo de
gestão nomeado pelo Presidente da República, com a imediata demissão e
afastamento do poder de José Sócrates e do seu governo”

Eis o reconhecimento implícito de que não foi bom alinhar numa coligação negativa contra-natura que chumbou o PEC IV, aprovado por quem de direito a nível europeu, e o único instrumento que havia à disposição para evitar a ajuda externa. Mota Amaral, em todo o seu esplendor, vem então dizer que quem devia ter dado a cara pela expulsão do Governo e afastamento imediato de José Sócrates era Cavaco. Ele ajudou, andou calado, mas não chega. Depois, o PR que nomeasse um Governo de gestão. Podia alguém explicar a Mota Amaral que o PR não pode demitir o Governo nos mesmos termos em que pode dissolver a AR. Por exemplo, não basta que o PR perca a confiança política no executivo para que possa demiti-lo. Se Cavaco tivesse demitido o Governo, antes do número inesquecível que o PSD fez na AR, teria sido apenas por interesses partidários. Tem de estar em causa, seriamente, o regular funcionamento das instituições: guerra; caos social incontrolável; incapacidade de se fazer passar uma lei que seja; resultados de inquéritos parlamentares gravíssimos; rompimento de uma coligação governamental; enfim, o país não estava assim, pelo que Mota Amaral, tal como todos os apoiantes do PSD nestas eleições, têm de viver com o feito e, sobretudo, responder por ele.

“A dissolução do parlamento impede-nos de interpelar formalmente o governo sobre a recente visita aos Açores do ministro da Defesa, deslocando-se em avião
privativo, com custos significativos e utilidade mais do que duvidosa”,
salientou Mota Amaral.

O PSD fala a tantas vozes que aflige. Mota Amaral está descontente com o desejo expressado pelo seu líder ao PR, o de irmos a eleições, com a consequente dissolução da AR. Então? Queriam eleições ou não? E francamente…Se o Dr. Passos Coelhos anda a fazer dezenas de perguntas ao Governo, em competição com aqueles senhores que nos vieram visitar, se ele anda a escrever cartas, sem  estados de alma, alguém diga ao Dr. Mota Amaral para ele escrever a sua perguntinha ao Ministro da Defesa, ou todo o esforço e empenho na demissão do Governo terá sido em vão.

Perante o vazio de soluções, voltaram à “verdade” e acrescentaram mais populismo cara-de-pau

“E nós vamos fazer de outra maneira, falando verdade, trazendo para cima da mesa as contas verdadeiras e dizendo aos portugueses que chegou à altura de o Estado fazer os sacrifícios que andou a impor aos cidadãos e de apostar na economia, mas na economia que cria emprego, não na economia que cria rendas aos amigos do Estado (…) Temos a cara lavada e os bolsos lavados. E é porque estamos e somos livres que traremos essa liberdade a Portugal”, disse.

Pedro Passos Coelho

Uma caso para a história: TC “chumba” revogação da avaliação dos professores

Aquando da bizarra revogação por lei de um decreto-regulamentar, acompanhada de “ordens” dadas ao Governo enquanto Estado-Administração, escrevi isto.

Era evidente que a irresponsabilidade começava por ser política. A oposição achou por bem revogar sem mais, a meio do ano lectivo, o modelo de avaliação dos professores. Isto, para piorar, quando o Governo estava quase em gestão e as eleições surgiam no horizonte.

Ainda assim, em modelo bomba atómica, a oposição uniu-se no absurdo e na irresponsabilidade, passando uma mensagem de apoio a um modelo de não avaliação dos professores.

Infelizmente, largar bombas sem alternativas é coisa a que nos vêm habituando.

Podia, em todo o caso, um jurista de uma das bancadas ter recordado à mesma a escandalosa inconstitucionalidade da revogação.

Cá está a decisão do TC que “justificou a declaração de inconstitucionalidade da revogação da avaliação de desempenho dos professores, aprovada pela oposição, com a “violação do princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania”.

Penso que este caso vergonhoso fica para a história.

Mais do mesmo, diz uma espécie de voto nulo

Ontem assisti à apresentação do Programa de Governo do PS. Coube a Sócrates apresentar as linhas gerais do mesmo, claro, e não ler o documento na íntegra. Mas apresentar as linhas gerais não é coisa pouca, porque fica claro, claríssimo, quais são os pontos basilares do programa de governo apresentado a tempo e horas daqueles, imagine-se, que não são Governo em plenitude de funções, que não estão a continuar o seu trabalho árduo porque o PSD, de punho erguido com toda a oposição, preferiu a crise ao país. O mesmo é dizer, preferiu a hipótese de poder mais rápido às pessoas, aos cidadãos e cidadãs que estavam a ser alvo das consequências de um esforço tremendo para que não chegássemos aos dias de hoje.

Os dias de hoje são os dias em que é esse mesmo PM que foi varrido na AR sem que o PSD tivesse uma única ideia alternativa, uma única proposta de convergência, uma única resposta aos pedidos de diálogo, que está a negociar a ajuda externa a Portugal, discreto em cada reunião, com o interesse nacional evidenciado em cada gesto. Ironias do destino.

Ao mesmo tempo, quando estamos a ser avaliados para efeitos de recebermos a tal ajuda externa, o PSD lança perguntas ao Governo sobre o estado da Administração e das suas contas, explica que não haverá entendimentos com o PS após as eleições sem a substituição de Sócrates, etc, etc, etc.

Passos Coelho escolhe para cabeça de lista de Lisboa quem não tem cultura democrática. Podia ser lapso. Podia não dizer nada sobre o presidente do PSD. Mas diz. Passos Coelho, na tradição de alguns sociais democratas, tem problemas com regras elementares da democracia. É quase aterrador ouvir um candidato a PM, neste momento de crise em que estamos a ser observados à lupa ou noutro qualquer, deitar por terra as regras democráticas partidárias.

Só vejo uma receita para Passos Coelho. Ele que se inscreva no PS e entre no processo democrático para afastar Sócrates.

Hoje, depois de tudo o que ouvi ontem, que tem muito que ver com o assegurar de linhas mestras essenciais para a esquerda que vêm sendo ameaçadas pela direita através de recados, isto é, que tem muito que ver com não usar a ajuda externa como pretexto ou desculpa para destruir traves mestras do Estado social, dou com a extraordinária declaração reactiva do PSD: mais do mesmo.

A sério?

Leram o programa todo?

Eu lia o do PSD, mas não há.

O Partido que provocou esta crise tinha o dever ético e moral de nesse momento ter propostas alternativas. Não tinha.

Passada essa vergonha histórica, esperava-se que fosse o primeiro a surgir com um programa, ideias sólidas, mesmo que sem a nossa concordância, uma equipa unida, um líder que diz o mesmo de manhã e à noite.

Nada.

Não me lembro de um momento político assim.

O PSD é um voto nulo.

Coisas do 25 de Abril

Ler uma das pessoas mais entrevistadas do momento, Otelo Saraiva de Carvalho, no “i”, dizer isto: “o único excesso que podia ter evitado foram os mandatos de captura em branco, mas tinha uma diversidade tão grande de funções que não tinha possibilidade…”

Vai que o magistrados com milhares de processos em mãos começam a condenar as pessoas sem ler os ditos processos. Depois a malta é toda presa, o cidadão estranha e eles dizem: – pá, é tanto o trabalho..

Isto é ideológico

Este vídeo com uma mensagem de páscoa de Pedro Passos Coelho, tendo por adereço a sua mulher, calada, como um sorriso na cara, a olhar para nós, daria para umas piadas, se tivesse graça.

Não são apenas as grandes opções que os Partidos apresentam nas matérias clássicas que os distinguem e que nos permitem identificar uma esquerda e uma direita.

Actos de campanha como este vídeo são claramente reveladores de uma zona de conforto moral e ideológica, de direita, claro, ali, onde um político tem por normal dirigir-se ao país na páscoa, preocupado com a saúde, usando o seu estado civil como trunfo, a sua mulher sentada como uma estátua, mas prova estética, a todos os níveis, de que o candidato a PM é homem de bem, casadinho como se quer, um homem de família. Aposta-se nessa imagem que se adivinha que ainda dá votos num ringue com políticos divorciados, sem filhos, sem mulher, sem marido.

Esta direita existe porque ainda há um país para quem esta propaganda pessoal conta.

Não é o país da esquerda.