Alguém que meta uma cunha em Fátima, faxavor

Há partidas de futebol que valem muito mais do que títulos. Como é o caso do França-Suíça neste Euro. O êxtase provocado nos adeptos suíços ultrapassa em 21 ordens de grandeza a satisfação obtida pelos adeptos portugueses com a vitória no Euro 2016 e a dos adeptos gregos com a vitória no Euro 2004 – exemplos siameses de equipas que mostraram um futebol horrível ao longo desses torneios e ganharam aquilo sem saber ler nem escrever para indigestão de quem gosta de ver bola.

Quando Pogba marcou o terceiro da França, por si só um dos melhores golos deste Euro, e quando ficavam a faltar 15 minutos para o final, até Deus e o Diabo apostaram 10 euros em como seria impossível alterar o destino: a Suíça ia para casa. O mais certo era até acontecer uma goleada de arrebimbomalho por superioridade evidente dos gauleses e afundanço anímico dos helvéticos. As flutuações quânticas saíram-se com outras ideias e não podiam ter sido melhores do ponto de vista do gozo dos suíços: 6 minutos depois, redução da diferença; mais 4 minutos e um golo do empate anulado; épico golo do empate em cima dos 90 minutos; e o craque maior do adversário a ser enganado pelo guarda-redes e a permitir uma defesa do tamanho dos Alpes.

Ligo esse jogo aos de Portugal porque odeio a herança salazarista que o Scolari avivou e cristalizou na terrinha, a miséria do ideal de se ambicionar ganhar “por meio a zero”. Essa converseta parece muito profissional e competitiva mas só gera cinismo, medo, atrofio da criatividade e exílio da paixão. Joga-se à bola, ou pratica-se qualquer desporto, não porque seja necessário ganhar, antes porque é maravilhoso tentar ganhar. É só isto que faz falta para se cumprir plenamente a experiência de nos fundirmos com o magma ctónico da identidade.

Fernando Santos atribuiu ao deus dos católicos e à “sua mãe” [fonte] o comando técnico-espiritual que levou Portugal à conquista do Euro 2016. A ser verdade (confesso a minha incapacidade para ter certezas a respeito), daqui peço à malta que passar por Fátima o favor de dizer a quem de direito que o senhor está a precisar de ordens superiores para ir fazer milagres noutras paragens. No reino da Selecção já não consegue.

Pedro Marques Lopes ao poder

Por causa do Pedro Marques Lopes assinei a Visão. Para ler coisas como esta:

«Podemos pensar que a corrupção em Portugal é um fenómeno recente ou que é agora pior do que já foi? Nos anos 80, 90 e já neste século, tudo corria muito melhor? Claro, não havia processos e não se se conheciam suspeitas. Vivíamos no paraíso.

Só quem não viveu nesses tempos, só quem nunca tentou abrir um negócio, marcar uma escritura ou sequer ir a uma consulta médica, pode de boa-fé pensar que a situação é pior. Tudo isto num País em que o Estado estava muito mais presente na economia. E se falarmos em fundos europeus, só mesmo alguém completamente ignorante ou de muita má-fé pode afirmar que os critérios e procedimentos dos princípios dos anos 90 eram sequer comparáveis na sua transparência e controlo aos de agora.

É preciso viver muito longe da realidade portuguesa, não a ter vivido ou viver de falar sobre corrupção para ignorar isto.»

A outra indústria da corrupção

Todo o artigo se recomenda mas aproveito o balanço das palmadinhas nas costas ao autor (de quem sou o maior fã a seguir à família e amigos) para também lhe dar uma biqueirada nas canelas. É que o estimado Pedro fica-se pela rama. Fala de uma indústria sem, acto contínuo, falar corajosamente nos seus industriais e respectivas ligações, conivências, parcerias. Fala de uma indústria sórdida e nefanda como se o principal foco de atenção devesse limitar-se aos profissionais da calúnia e ao negócio respectivo, o dos próprios e o de que quem lhes paga.

Não, senhor Lopes. A calúnia como carreira não começou com o João Miguel Tavares, ele é apenas um oportunista que se aproveitou do mercado já existente. E quem criou o mercado foi a direita portuguesa logo a partir de um outro Lopes e da sua invenção do Freeport e da homossexualidade de Sócrates. Estávamos em 2004, íamos para as eleições de 2005 com a inaudita chegada a Portugal das campanhas negras à americana. Testado o conceito, visto o seu potencial, ele voltou em 2007 pela mão da Sonae e do Zé Manel e nunca mais deixou de empestar o espaço público e fomentar os assassinatos de carácter e o ódio como armas políticas.

O cúmulo deste fenómeno de decadência moral e degradação institucional da República é referido no texto do Pedro, e remete para a chegada dos magistrados com agendas políticas e gula corporativa – os quais se sentiram blindados pelo que viam os jornalistas e políticos fazerem para também eles aproveitarem o seu formidável arsenal de poderes judiciais e passarem a perseguir e destruir alvos impunemente. E assim nasceu o Face Oculta, o qual deixou os seus mentores furibundos por ter sido apenas um sucesso parcial. Os mesmos iriam voltar, num contexto de pleno domínio político em toda a hierarquia do Estado, para lançarem a Operação Marquês e consumarem o plano original. A Cofina, ao pé destes meninos e da sua capacidade de destruição, parece uma associação de colecionadores de borboletas. A judicialização da política e a politização da Justiça, enfunadas pelo zeitgeist mundial e que nos deu as estrelas Carlos Alexandre e Joana Marques Vidal (entre muitos outros justiceiros), transformaram-se na suprema obsessão da direita nacional por não ter esta qualquer projecto político capaz de vencer eleições.

Ferreira Leite, Cavaco Silva e Passos Coelho representam dezenas e centenas de outros quadros políticos de topo que os acompanharam no desempenho das suas funções. Ferreira Leite, Cavaco Silva e Passos Coelho são concomitantemente líderes históricos da direita portuguesa que não só conviveram pacificamente com a indústria da calúnia como a usaram para benefício político próprio. Querer aparecer decente a tratar deste assunto e não chamar os bois pelos nomes é pífio, na melhor das hipóteses, e colaboracionista, na pior.

O Pedro Marques Lopes terá as suas razões, que não precisa de revelar e que serão absolutamente legítimas, para não concorrer a presidente do PSD com os seus valores e a sua visão para a comunidade que somos. Apenas lhe digo que é trágico termos um PSD sem uma liderança capaz de derrotar – ou que fosse só afrontar – os decadentes do poder pelo poder.

Começa a semana com isto

2021, para além da continuação da anormalidade pandémica, deu-nos uma anormalidade leonina: um ano onde o Sporting alcançou a glória, sendo rei no futebol e no seu lendário ecletismo – com títulos europeus, um campeão do mundo e até triunfos em modalidades historicamente muito amadas em Alvalade, casos do hóquei (Livramento!) e do basquetebol (um crime de lesa-sportinguismo terem acabado com a equipa há trinta e muitos anos).

Tudo isto embrulhado e servido por um presidente sem carisma nem discurso que sucede ao taralhouco-mor. Eis o Sporting.

Revolution through evolution

Sports: Men and women react differently to a missing audience
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It’s true: Stress does turn hair gray (and it’s reversible)
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Toxic Workplaces Increase Risk of Depression by 300 per cent
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What Bird is Singing? Ask the Merlin Bird ID App for an Instant Answer
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Comet strike may have sparked key shift in human civilization
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Ancient chickens lived significantly longer than modern fowl because they were seen as sacred, not food
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Powerful people are less likely to be understanding when mistakes are made
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O que faz o ódio

«E por falar em Passos Coelho, que vai acontecer a Rui Rio depois das autárquicas? Adivinha-se uma derrota. Para a direita, se Rio cair, só existe uma solução, convencer Passos a regressar, mas não para Belém. O enigmático Passos parece não apreciar o poder como os antecessores. Se fosse o político que a direita acha que ele é, e precisa que seja, teria uma oportunidade de ouro para fazer Costa pagar e para tomar a fortaleza. Deixar que comecem os julgamentos de Salgado e Sócrates e atacar. Eu sou o único político português que continua pobre e sem emprego. Eu sou diferente. Esta carta seria de trunfo no empestado ambiente político português. Claro que nunca mais poderia aparecer no palco com o joker ao lado, Relvas. E teria de fazer esquecer os pronunciamentos da troika. Esse tempo acabou.»


Clara Ferreira Alves, candidata a Maria Vieira do Passos

Vamos lá a saber

Se nos dermos ao exercício de escolher os mais importantes jornalistas portugueses – importantes no sentido em que o seu trabalho jornalístico corresponde à consistente produção de um bem com valor para a qualidade da democracia e para a defesa dos direitos e das liberdades – que nomes registaríamos numa lista de 10, ou de 5, ou 3?

Abismo chama o abismo

Há um abismo entre a governação e a oposição.

Há um abismo entre a representação política e a comunicação social.

Há um abismo entre o jornalismo e a opinião.

Há um abismo entre o conhecimento e a ignorância.

Há um abismo entre a responsabilidade e a ganância.

Nesses abismos, que é só um, estamos sempre à beirinha de perder a inteligência, a coragem e a liberdade.

Todos os dias. De hora em hora.

Começa a semana com isto

Fyodor Urnov consegue o milagre de falar de biologia molecular de forma a que um completo leigo na matéria se convença que está a apanhar tudo o que se faz de mais vanguardista nessa disciplina. Não só isso, ele tem também muita graça.

Acho que essas duas qualidades estão geneticamente correlacionadas.

Revolution through evolution

A quarter of adults don’t want children – and they’re still happy
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Hollywood stereotypes of female journalists feed a ‘vicious cycle’ of sexism
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How gender norms and job loss affect relationship status
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Lack of math education negatively affects adolescent brain and cognitive development
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Case study shows patient on ketogenic diet living fully with IDH1-mutant glioblastoma
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Emotional Acknowledgment: How Verbalizing Others’ Emotions Fosters Interpersonal Trust
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Communication Technology, Study of Collective Behavior Must Be ‘Crisis Discipline,’ Researchers Argue
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De que ano é o teu socratismo? Talvez te safes ou então estás feito, anunciou a suprema autoridade na matéria

JMT – […] E o pior que tudo é que esteve ligado ao PS na pior altura em que podia estar ligado ao PS, que foi durante o consulado de José Sócrates. Para mim, o tempo socrático é para mim um tempo prova do algodão. Prova de algodão para quem foi colunista nessa altura e também para quem tinha alguma espécie de actividade política nessa altura. Eu sou muito pouco tolerante para quem era socrático em 2009. Eu consigo compreender os socráticos de 2005, 2006, 2007. Assim com muita vontade talvez consiga nos de 2008. Aos de 2009 eu já não perdoo. Há três tipos de atitudes para as pessoas que estavam no espaço público naquela altura, que eram: combatiam José Sócrates, não queriam saber, ou então apoiavam José Sócrates activamente - e Pedro Adão e Silva foi desses. Aquelas pessoas que almoçavam com os Joãos Galambas, que almoçavam com os Miguel Abrantes, e todos eles que criaram aquela atmosfera dos tempos das Câmaras Corporativas, em que Portugal, nos seus tempos democráticos, esteve ameaçado nas suas liberdades como nunca desde os tempos do PREC. E é bom repetir isto: Portugal, na altura de José Sócrates, esteve ameaçado nas suas liberdades como não aconteceu desde os tempos do PREC. E, portanto, quem colaborou activamente nisso não pode ser...

CVMDeve ser banido da vida pública?

JMTNão, não tem de ser banido da vida pública. E pode continuar a comentar. Não pode é ser comissário das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Não pode.

Governo Sombra – 11 de Junho 21

Segundo o eleito de Marcelo para honrar e elevar o 10 de Junho em 2019 – e dessa altura falar à Nação para que ela bebesse palavras de sabedoria a respeito de Portugal, das Comunidades e de Camões – quem foi colunista entre 2005 e 2011 e apoiou Sócrates, ou quem exerceu algum tipo de função com ligações ao Partido Socialista ou ao Governo nesse período, está agora limitado nos seus direitos cívicos e políticos. Por exemplo, o exemplo acima dado, não pode ser comissário das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Se quisermos outro exemplo, o fulano já o deu a respeito de Domingos Farinho, tendo usado a influência mediática de que dispõe para tentar (repetidamente) que ele fosse despedido da FDUL. De certeza certezinha, este canónico “liberal” terá muitos outros exemplos para dar, tantos quantos as centenas de milhares de casos abarcados pelo seu critério. Basta lembrar que nas eleições legislativas de 2011 votaram no PS 1.568.168 indivíduos. Donde, temos aqui 1.568.168 retintos apoiantes de José Sócrates, condição agravada por então já terem passado dois anos sobre 2009, altura em que o João Miguel começou a despachar ordens de linchamento sem parar. Se cada um destes párias estiver curioso a respeito do castigo que o Torquemada de Portalegre gostaria de lhe aplicar, tem bom remédio: vá ter com ele, exponha a gravidade do seu socratismo e aguarde pela pancada.

Rivalizando em honestidade intelectual e sanidade mental com a temática anterior é a temática congénere de Portugal ter estado ameaçado nas suas liberdades “como nunca desde os tempos do PREC” por causa de José Sócrates. E de que forma tal perigo tamanho nos ameaçou? Felizmente, o autor da corajosa denúncia igualmente revela pormenores secretos desses tempos terríveis. Informações espantosas a que, de certeza certezinha, muito poucos jornalistas e magistrados da PGR tiveram ainda acesso. Foi assim, conta: algumas pessoas reuniam-se para almoçar com “os Joãos Galambas” e/ou com “os Miguel Abrantes“, e depois, talvez recorrendo a tecnologias extraterrestres ou à alquimia, “todos eles“, grupo onde se encontra o perigoso Pedro Adão e Silva, criavam “aquela atmosfera dos tempos das Câmaras Corporativas“. Ora, isto de criar atmosferas, metendo-se câmaras ao barulho, é das coisas que mais danos provoca nas liberdades. A tal atmosfera suga as liberdades para dentro das tais câmaras corporativas, e depois as liberdades, coitadas, já não conseguem sair. Ficam por lá a pão e água, a definhar.

Não temos qualquer razão para duvidar da bondade e seriedade com que estas declarações foram feitas. O famosíssimo e importantíssimo “jornalista” só está a querer o melhor para Portugal e para os portugueses. Aliás, até devíamos iniciar um movimento para levar Marcelo a atribuir-lhe o Grande-Colar da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito pelo que ele conseguiu fazer em 2017. Lembremo-nos: a 12 de Maio desse ano, manhã cedo, foi deixar quatro filhos de tenra idade ao cuidado de um bando de facínoras que apoiou abertamente José Sócrates em 2009 e anos seguintes, chegando vários deles ao ponto de terem ido a Évora em romaria prestar vassalagem ao tirano. Este tipo de heroísmo exibido pelo mais valente dos caçadores de socráticos, arrisco-me a dizer, não se voltará a testemunhar na nossa História. Porque não está ao alcance das pessoas normais.

Abrantes, Pereiras e Tavares

A polémica com a nomeação de Pedro Adão e Silva vem de uma peça do Porto Canal que tem tanto de inusitado (não se conhece outro caso de ataque político a outrance com origem nesse meio de comunicação) como de alarve: Editorial – Pedro Adão e Silva – comissário das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. A canalhice dedica parte generosa da sua duração a pintar o alvo como “socrático”, assim apagando a veemente e sistemática denúncia que o Pedro fez da conduta moral de Sócrates desde que este foi detido e admitiu ter uma relação com o dinheiro na sua posse que era causa para suspeitas legítimas de ilícitos. E chega ao ponto de ir buscar o blogue Câmara Corporativa como combustível da associação. Noutras réplicas deste modus faciendi onde tropecei, casos da Joana Amaral Dias e do João Miguel Tavares, a munição mais grossa continua a ser o carimbo “socrático” e igualmente se traz o Corporações à liça no exercício de tentar macular o Pedro. Significa isto que os caluniadores profissionais exploram a contaminação por proximidade no passado e valorizam como difamação poderosa qualquer ligação a esse blogue e/ou ao seu autor (que assinava com o pseudónimo “Miguel Abrantes”). Mas como é que um simples blogue – um blogue, foda-se caralho! – ganhou tal fascínio na pulharia? Há neste fenómeno algo que raia o mistério mas só até nos recordarmos que foi o Pacheco Pereira o principal responsável por uma diabolização que em 2021, a caminho dos seis anos depois de o CC ter acabado, continua a atrair tratantes e videirinhos.

É preciso recordar. Quando o CC começa a ser visita diária obrigatória para os direitolas da comunicação social e dos gabinetes políticos, algures em 2008, isso coincide com a vitória de Manuela Ferreira Leite no PSD (assim adiando a chegada do especialista em aeródromos). Tal tem duas consequências que se ligam directamente com o CC: (i) Cavaco inicia uma oposição aberta e desvairada ao Governo de Sócrates, a qual dará origem a sórdidas golpadas mediático-judiciais nunca antes vistas em democracia; (ii) Pacheco Pereira sobe a conselheiro-mor da Manela e alinha com o vale tudo cavaquista. Ora, eis a paisagem mediática ao tempo: Correio da Manhã e Sábado, Sol, Público do Zé Manel, Expresso do Monteiro, TVI do casal Moniz, SIC do Balsemão, do Crespo, do José Gomes Ferreira, do mano Costa, RTP da Judite de Sousa e do José Rodrigues dos Santos, DN do Marcelino e saco de passistas na redacção, TSF do Baldaia e seus editoriais, jornal i do Martim Avillez, e ainda o grupo Rádio Renascença. Fica de fora o JN e a imprensa regional, mas nem aqui se encontrava um alvo que permitisse complementar o que já se estava a fazer desde 2007 com os “casos” do primeiro-ministro, início da vingança da Sonae por Sócrates ter resistido à tentativa de tráfico de influência exercida directa e pessoalmente por Paulo Azevedo na OPA da PT. A direita dominava (como continua a dominar) todo o espaço mediático sem sequer se vislumbrar um oásis de apoio editorial socialista. Ter aparecido um blogue que conseguia desmontar as mentiras e manigâncias do PSD, CDS e sua legião de jornalistas, para mais tendo um autor que preferia usar um pseudónimo, era simultaneamente uma fonte de ódio e de êxtase. Ódio, porque se viam expostos como os reais trastes que eram (e são). Êxtase, porque a situação era perfeita para lançar as mais estouvadas teorias da conspiração. E foi exactamente o que o Pacheco Pereira consagrou, recebendo dinheiro da Cofina por tal, quando publicou A Frente da Calúnia. Só pelo que deixou assim no espaço público (embora haja toneladas de fruta podre igual lançada por si antes e depois deste condensado de alucinações), por vir de alguém com o seu trajecto e com a responsabilidade política de então (era deputado), merece a camisola amarela dos caluniadores profissionais em Portugal – o CC continua com acesso público aos seus conteúdos, desafio qualquer um a ir lá buscar uma calúnia.

A situação parece ao alcance do entendimento de um bebé acabado de nascer. Se lhe pedíssemos para comparar o poder de influência política, social e eleitoral dos meios de comunicação social profissionais nas mãos da direita com o de um blogue lido por uns poucochinhos de carolas da blogosfera política, metade deles da direita e a outra metade de uma esquerda já com o seu voto cristalizado, o bebé desataria num choro desesperado, como é natural. E por dentro ficaria a pensar “Minha nossa senhora do Caravaggio, vim parar ao planeta dos taralhoucos!”. Porém, a diabolização do CC realmente pressupõe haver uma massa relevante de taralhoucos à disposição de figuras como o Pacheco Pereira, a Joana Amaral Dias, o João Miguel Tavares e as alimárias do Porto Canal que se prestaram ao infame serviço de tentar assassinar o carácter do Pedro Adão e Silva. Este registo importa como retrato da comunidade que somos, e especialmente importa por causa do que estamos a ver na escaramuça entre o JMT e o PP. É que podemos ler isto num desses episódios:

«[...] havia falsificações, fake news, com a publicação pela Legião Portuguesa e pela PIDE de documentos falsos, disfarçados de verdadeiros. Era uma prática muito comum, que abrangia panfletos com assinaturas falsas, exemplares falsos de jornais clandestinos e cartazes com imagens manipuladas, de que os que aqui reproduzo são meros exemplos. Desde Salazar, mentindo publicamente sobre o assassinato de Delgado, ao legionário da esquina, a falsidade era o corrente. A falsidade, a calúnia e a difamação como instrumento de ataque aos opositores.

Dos exemplares que reproduzo acima um é particularmente repulsivo, a “biografia” de Mário Sottomayor Cardia. Cardia é acusado de roubar dinheiro nos vestiários da Cidade Universitária para ir cear ao restaurante Mónaco, de onde saía embriagado, e de ter sido protegido pela PIDE por ter participado num atentado à bomba. Tenho a certeza, mas tenho mesmo a certeza, que haverá quem leia isto hoje e pense: “Se calhar era mesmo verdade.” Hoje, em 2021, porque quando este papel imundo foi feito quem o lia percebia que a PIDE ou a Legião estava a fazer o seu trabalho sujo. Do modo como as coisas estão, era mais inócuo lê-lo em 1969 do que hoje.»

Pacheco PereiraA indústria de falsificações do Estado Novo

O nosso Pacheco viveu no Estado Novo como adulto, estudou o que foi o salazarismo, tem na sua extraordinária biblioteca os calhamaços essenciais sobre o que é o fascismo. Ele sabe o que é estar privado da liberdade, não ter direitos cívicos e políticos e sofrer a violência do Estado. Só por esta dimensão existencial, passando a viver num regime de Estado de direito democrático, qualquer alusão que fizesse a “mentiras”, “falsidades”, “difamações” e “calúnias” teria sempre de ser contextualizada pela comparação com o que no regime anterior se fazia e cuja citação do seu artigo que trago ilustra e dá exemplo. Acontece que ele traiu esse dever de consciência, essa deontologia de historiador e cidadão, ao se apaixonar por Sócrates e fazer desse transe um duelo que o arrastou para a ignomínia. Não só Sócrates (ou algum governante de governos socialistas) nunca atentou contra qualquer valor democrático, bem ao contrário, como vimos o Pacheco a mentir, a lançar falsidades, a recorrer a difamações e a cair na calúnia. Porquê? Porque havia algo para ganhar em cima da mesa, ele queria provar a sua virilidade como guerreiro, um papel onde descobria a cada embate com Sócrates que não lhe chegava aos calcanhares em talento político. Daí só ter encontrado um sossego resignado quando, usando e abusando do seu cargo de deputado, se fechou numa saleta da Assembleia da República para ler sôfrego e febril as escutas aos telefonemas entre Sócrates e Vara. Saiu desconcertado para a frente das câmaras a dizer que tinha encontrado muitos crimes mas que não iria fazer nada a respeito. E com esse número voyeurístico, finalmente, encontrou um pouco de alívio para o seu sentimento de inferioridade.

Com o João Miguel Tavares também há algo para ganhar na sua perseguição a Sócrates e ao PS mas com este profissional da calúnia é apenas dinheiro o que está em cima da mesa, ele não quer sujar as mãos na porca da política que depende do Zé Povinho e dos votos. Por dinheiro, pelo encanto babado de meter o Ricardo Araújo Pereira em sua casa para mostrar aos filhos quão famoso é o papá, está disposto a fazer qualquer coisa; como branquear o Estado Novo, conviver com fachos e promover o Ventura para tentar dar a Passos mais uma rodada para ir além da Troika. Todavia, este Tavares é tão-só um arrivista, não tem um passado que valha a pena conhecer nem uma obra que valha a pena conservar. É por estas antagónicas biografias que, quando ambos recorrem à mesma decadência para atingirem os seus fins, um deles tem desculpa por lhe ter calhado o destino de ser um asco ambulante, e o outro não tem perdão por ter usado a liberdade para empeçonhar a liberdade.

Sérgio Sousa Pinto, um príncipe da Cagadócia

Nesta edição de A Lei da Bolha, Sérgio Sousa Pinto estava a pontapear a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital (começa ao minuto 22:30) quando lhe perguntaram o seguinte:

FCSTu és deputado do PS. Foi o PS o principal proponente desta lei. Foi com os votos a favor do PS, essencialmente, que esta lei foi aprovada. E estava lá também o teu voto. Por que é que votaste a favor de uma coisa sobre a qual tens estas críticas?

SSPPorque não conhecia. Não vi. Não conhecia.

O homem admite ter votado à maluca. Chega a lançar a suspeita, como reles sonso, de ter sido enganado. Resultado: deixa a farfalhuda suspeita de não estarmos perante uma anomalia bizarra na sua conduta, antes perante um paradigma. O que será, a acontecer, algo perfeitamente de acordo com a postura dandy que cultiva, exalando desprezo pela política e pelos políticos de cada vez que abre a boca. Como é que este nefelibata vai encontrar tempo e pachorra para se informar sobre as votações em que participa, quando participa, se é tão mais interessante fingir que é fã de Hölderlin? Santa ingenuidade.

E depois falou a Isabel Moreira. Por sorte, estava lá a Isabel. Para grande sorte dos que preferem a inteligência e a coragem à verborreia demagógica e sensacionalista. Porque ela de imediato, com implacável rigor, coloca no seu lugar de voluntária e militante estupidez deturpadora tanto os jornalistas, como os comentadores e, especialmente, o próprio Sérgio que vota de costas, olhos fechados e mãos a tapar os ouvidos. Tudo o que ela diz é não só útil para se entender o que está em causa na tal carta como altamente valioso para se contemplar a quantidade de trabalho parlamentar e a qualidade democrática que está na origem da lei. É do fundamental labor de legislar que fala, esse trabalho que sustém e molda a nossa comunidade de acordo com os princípios constitucionais e para dar as melhores soluções aos nossos problemas quotidianos. Um trabalho da mais preciosa responsabilidade e complexidade, o qual depois acaba invariavelmente achincalhado nestes espaços de “opinião” transversais a toda a paisagem mediática. Espaços de sistemática perversão da própria soberania só para alimentar a política-espectáculo e o cortejo de bonzos que nela enche os bolsos e a vaidade.

Repare-se ainda na forma como o Sérgio tenta arrastar a Isabel para um bate-boca de taberna e como ela o ignora olimpicamente (o mesmo tendo feito a igual pulsão do jornalista logo desde o começo do programa). Não admira que esta infeliz e ridícula figura prefira conviver com André Ventura, só porque lhe ofereceram palco para se ouvir a si próprio e receber aplausos de serôdios e neo-fachos, e se recuse a criticar a normalização do Chega pelo PSD. Ele esperava vir a ser um dos reis do PS quando liderava a JS, nos finais de 90. 20 anos depois, arrastando-se enfastiado e cínico pelos corredores do regime, já só quer usufruir das prebendas e sinecuras próprias de um genuíno príncipe da Cagadócia.