Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Mais achas para a fogueira da liberdade de expressão, ou “Poor Charles and the appalling old waxworks”.

Prince Charles’ lawyers fight diary leak

The prince believes the diaries were accessed unlawfully
Prince Charles is entitled to keep his personal documents confidential, like “the humblest private citizen”, his lawyer has told the High Court.
Associated Newspapers is being sued for breach of confidentiality and copyright after the Mail on Sunday published part of his private journal.
In extracts about the 1997 Hong Kong handover, the prince described Chinese officials as “appalling old waxworks”.
The prince claims eight diaries were copied by a former member of his staff.
“We say it is absolutely vital to the position of the claimant, and anyone else in his position, that this sort of document cannot be published willy nilly by the press,” said Hugh Tomlinson QC, for the prince.
Mr Tomlinson said Prince Charles had given copies of his private journals to family members, friends and advisers over the last 30 years in envelopes marked private and confidential.
“The claimant does not intend or wish to publish the journals although it is possible that after his death, edited extracts may be published,” he said.
Like everyone else, from the humblest private citizen to the highest public figure, he is entitled to keep his personal documents private
The Prince of Wales says the documents, including the 3,000 word journal he titled The Handover of Hong Kong – or The Great Chinese Takeaway, were unlawfully copied and wants the court to order their return.
In another reported extract published by Mail on Sunday in November 2005, Prince Charles described one ceremony as an “awful Soviet-style” performance and dismissed a speech by then-Chinese President Jiang Zemin as “propaganda”.
His client recognised he was the subject of public comment, Mr Tomlinson said.
“What he says, however, is that like everyone else, from the humblest private citizen to the highest public figure, he is entitled to keep his personal documents private.”
Mr Tomlinson said the publication in the Mail on Sunday could not be justified as “press freedom” as the right of free speech was governed by responsibilities.
He told the trial judge, Mr Justice Blackburne, that the prince’s legal team had decided against seeking orders for confidentiality over witness statements in the case.
Associated Newspapers, together with other media organisations, had been trying to stop the case being made the subject of such rulings.

(Extraído há meia-dúzia de minutos do site da BBC)

Idiotia e liberdade

Um idiota que andou durante anos a fazer dinheiro dinheiro à conta de obras de “história” em que negava o Holocausto está preso e a aguardar julgamento na Áustria.
Alguns outros idiotas, que resolveram provocar a comunidade islâmica na Dinamarca com umas caricaturas sem grande graça, vendendo mais uns jornais pelo caminho, são heróis da liberdade de expressão.
Aguarda-se agora a aparição de reimpressões das teses de David Irving em resmas de jornais europeus, outras tantas provas de solidariedade desta Europa tão tolerante.

Em duas palavras

Pegava no currículo de Direito e deixava lá uma única cadeira, “Das Cadeiras em Geral”, com sebenta em dois vastos volumes, editada de preferência pela Almedina e escrita por algum antigo ministro do Prof. Oliveira Salazar (no final do quinto ano, para assinalar cinco anos de puro desperdício, haveria um único exame, um exame-súmula, um caldeirão jurídico que consistiria na prova de um hábil manejo dos códigos por parte do examinando, o mestre pedir-lhe-ia um artigo difícil e ele, de olhos fechados, encontrava-o logo à primeira com os seus dedinhos lestos).

Acabava com as bandas todas e mandava o R. saltar para o palco imitar o vocalista, o guitarrista, o baterista & o baixo, sem som nem nada, e depois ficava a gozar o prato à distância, até o produto acabar, o R. desmaiar de exaustão ou alguém desligar a electricidade e ficar tudo calado e às escuras (o público que interpretasse então o silêncio, se quisesse: como a música anda de péssima qualidade, só pode ganhar com uma dieta assim, este silêncio são as cinzas de que poderá renascer um dia).

(Isto na música; no desporto, atacaria em primeiro lugar, por causa do irritante high moral ground que reivindicam, os jogos olímpicos, que, mesmo se apenas de quatro em quatro anos, são sempre uma maçada e uma despesa:) Acabava com as modalidades todas e ficava só uma, a “pose olímpica”, ganhava o mais garboso e pronto, era o único que verdadeiramente merecia, uma só medalha, um só hino, uma só cerimónia, le tout vite fait, uma tremenda economia.

Sonho com um futebol parado, onde nunca nada aconteça, ninguém perca, ninguém se magoe, onde os campeonatos não comecem nunca, nem muito menos cheguem ao Natal, onde todos sejamos campeões, tomba-gigantes de gigantes que nunca tombaram. Sonho com um futebol falado, uma conversa sem fim e sem propósito, recordado em vez de visto, descrito em vez de jogado, o futebol de senhores que devia haver no lugar do futebol de carroceiros que há. Se eu mandasse (ai, se eu mandasse!…), se eu mandasse (mas quem disse que eu queria mandar?), se eu mandasse (apenas, sem excessos, como um bom pai de família), suspendiam-se os jogos, dissolviam-se os clubes, depurava-se o público e acabava-se com o futebol de vez, sempre por amor ao futebol. As vitórias morais da minha infância confundir-se-iam assim com as vitórias propriamente ditas, que sempre invejaram, em cujo encalço sempre seguiram e cuja sombra sempre habitaram; subversivamente, os campeões passariam a ser sempre justos; e enfim, vasto como a vida, o futebol confundir-se-ia em definitivo com ela, deixaria de ser a chatice de desporto que alguns aindam teimam que ele é para passar a ser a musa, o mote, a filosofia que sempre será.

Em duas palavras, a crescente complexidade do real requer uma redução drástica da nossa disponibilidade mental; em duas palavras, é preciso apreender menos para perceber melhor (no further comments, j’en peux rien pour vous, quem ainda não percebeu que meta explicador).

Eu edito-me, tu editas-te

O João Pedro George informa, no Esplanar, que valter hugo mãe (assim, sempre com minúsculas e sem acento), um dos fundadores da Quasi, criou recentemente uma nova casa editorial, a Objecto Cardíaco. Óptimo. Queremos editoras. E valter hugo mãe fez, na Quasi, um magnífico trabalho.

Mas, que vemos? Que a Objecto Cardíaco acaba de editar o «Livro de Maldições» de… valter hugo mãe. Quer dizer: um dos primeiros livros, possivelmente o segundo, da juvenil editora é do próprio responsável da casa.

Trata-se, ainda assim, de um exemplo de discrição, já que conhecemos editores (pequenos, mas que julgávamos sérios) que oferecem ao mundo, antes de quaisquer outros, um livro próprio. Dão a desconfortável (ou descarada…) impressão de terem fundado a casa para se darem, a si mesmos, em repasto.

João Pedro George, que sabe fazer levantamentos, bem poderia ir mapeando os auto-editores portugueses. Bom proveito.

Literaturas ibéricas? Ufff, que alívio!

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O «Público» de hoje trazia um apontamento de Raquel Ribeiro sobre um importante encontro literário na Póvoa de Varzim, que dá pelo inventivo nome de «Correntes d’Escritas». Trata-se de um acontecimento anual que reúne escritores de língua portuguesa e espanhola. Nele surgem sempre autores portugueses, galegos e espanhóis, mas também africanos, brasileiros e hispânicos. Lembro-me de um ano em que estive à conversa com Ubaldo, Scliar e Sepúlveda. Bom, conversa… Ao pé de sumidades assim, embatuco.

Na Póvoa, lê-se, escuta-se, debate-se. E este ano um dos temas (se bem reconstituo) foi: «Literaturas ibéricas: realidade ou mito?». Moderou a discussão Eduardo Prado Coelho que terá afirmado (sei-o de outra fonte) ser o evento «um marco fundamental da vida literária nacional», e a «exímia organização» de louvar. E é uma singela verdade: a Póvoa esmera a cada Fevereiro.

Mas agora as «Literaturas ibéricas». Lia-se no «Público»:

«Se houvesse um referendo sobre se as literaturas ibéricas existem, o escritor espanhol José Manuel Fajardo votaria “sim”. O escritor Mário de Carvalho disse que essa “não era propriamente uma pergunta a que tenha de responder”. O brasileiro Luiz Ruffato não sabe a resposta, mas diz que “elas tentam criar diálogos entre os homens”. O angolano Manuel Rui fala de “transidentidade” porque “nunca ninguém pode ser encontro a sós com o umbigo do eu”. E o português Pedro Eiras perguntou: “O que eu escrevo é literatura de língua ibérica? Então quer dizer que eu sou um mito?”»

No debate, «todos acabaram a falar de nacionalismos, de fronteiras, de penínsulas “que transbordam para vários istmos que somos todos nós”, disse Manuel Rui. O angolano sente-se mais próximo do Brasil do que de Portugal e Ruffato admitiu, com pena, que o Brasil “sempre virou costas para os países de língua espanhola da América Latina” e está mais próximo dos EUA do que de Portugal.

«Não se pode, assim, “compreender a Espanha sem Portugal, a América sem a Ásia”, diz Fajardo, porque há “fluxos, vínculos e influências permanentes”. Essa é a “essência da literatura”. Pedro Eiras está de acordo. “Não acredito em fronteiras”, diz. “Nunca reparo na morada da minha língua”.»

Uff, que alívio! Podia recear-se que, no calor da camaradagem, se erguesse por ali o fantasma ibérico. Feitas as contas, só Fajardo o encarnou, ao produzir o pitonísico teorema de ser a Espanha incompreensível sem Portugal.

Razão teve o excelente Mário de Carvalho ao dizer que o haver ou não literaturas ibéricas não era pergunta a que «propriamente» tivesse de responder.

Para pitonisa, pitonisa e meia.

1ª Obra Pública de José Sá Fernandes

Votei neste homem por me parecer ter a alma indicada para a função. O facto de contar com o apoio do BE, e assim suscitar reacções alérgicas de alguns bloquistas, foi mais uma agradável surpresa a juntar-se à sua candidatura. O José mostra possuir aquele intangível concreto que nem pais nem professores já cuidam de promover – o carácter. Moldar o carácter dá trabalho, leva tempo e é sempre uma empresa de destino incerto. Mas, mais luciferinamente, o vulgo constata ser o carácter uma dimensão que só atrapalha o rumo dos negócios mundanos. E com razão.

A aprendizagem da corrupção é, talvez, a disciplina mais bem sucedida do currículo secreto dos modernos. Começa na família, essa selva dos afectos, onde há desvairados pesos para a mesma medida. Continua na escola, local do tirocínio para a manipulação. Conclui-se no mercado de trabalho, em que é prática normativa. É corrupção a lógica da cunha, a fuga aos impostos, a complacência com as patologias dos incompetentes, a passividade na auto-formação, o medo perante a violência de terceiros, a destruição ambiental, o desprezo da política. Até os chico-espertos que se metem por uma bomba de gasolina para assim passarem à frente dos que estão parados no trânsito, ou que vão até ao limite de uma saída de via entupida e depois se atravessam à frente de quem lá chegou a passo de caracol, são corruptos. Que não espante, depois, as notícias relativas a casos de corrupção causarem esse misto de satisfação anal por alguém poder vir a ser castigado e de identificação aspiracional com o corruptor e o corrompido; no fundo, apenas vítimas do azar (isto é, da aselhice) de terem sido apanhados.

Se fosse eu a mandar no BE, ia por esta via com obsessão metódica: apoiar independentes. E se quem mandasse no BE fosse eu, acabava com esta tentação: o culto de personalidade à figura do Francisco Louçã. O menino tem apetência para tal – como se viu no discurso espontâneo na noite das eleições presidenciais, só para citar um caso próximo e paradigmático – e quem o cerca tem sido amável cúmplice. Aliás, espanta-me (porque sou ingénuo) a falência dos partidos de Esquerda com representação parlamentar (pelo menos, destes) naquela que deveria ser uma das tarefas mais urgentes no seu ofício: a denúncia da corrupção. Deputados com imunidade parlamentar e acesso a fontes de informação vastas, precisas e exclusivas, não aproveitam os meios para combater a corrupção. Em mais de 30 anos de democracia, é o marasmo que todos conhecemos e legitimamos. Escusam de tentar explicar, já sabemos pela leitura dos jornais desportivos como os sistemas são diluentes da coragem e da dignidade.

Como estaríamos em Portugal se a classe política fosse constituída pela fibra que José Sá Fernandes e irmão acabam de exibir? Como estaríamos em Portugal se quem nos governa tivesse o amor à Cidade que o idealista-pragmático-íntegro-lírico-pain-in-the-ass José revelou? Não estaríamos em Portugal, seria a resposta.

Um conto de fadas

Eduardo Pitta expõe uma ideia esclarecedora: se a operação policial que foi sujeito o 24 Horas se tivesse passado com um jornal “sério”, teria caído o Carmo e a Trindade. Tenho, sobre este assunto, uma historieta lateral.
Eu que trabalho para viver, já fui jornalista no 24 Horas. Não me arrependo de lá ter estado, assim como fiquei aliviado quando sai. «Não entendia o “produto”», como diziam os directores, com a graça de quem faz “o jornal que mais subiu de vendas”. Mas o “produto” tinha uma regra admirável: não publicava mentiras. E quando se enganava, desmentia tudo com grandes parangonas. Claro, que não pretendo que a regra se aplique a alguns jornais de referência, estou de acordo que seria muito enfadonho ter que ler edições inteiras com desmentidos, mas podiam aprender com a ralé. O director do 24 Horas, Pedro Tadeu, antigo jornalista do Avante, actualmente, apostado em fazer o jornal mais alienante possível, assumia esta limitação, dizendo que o seu jornal não tinha credibilidade suficiente, para se dar ao luxo de publicar uma mentira.
Alguns meses depois, ajudei a organizar uma manifestação contra a ocupação do Iraque. Durante o desfile, a organização ambientalista GAIA tinha criado uma peça de rua, em que participavam figuras mascaradas de soldados norte-americanos, bombistas suicidas e vítimas civis. A encenação pretendia exprimir que a escalada da guerra era louca e assassina.
O jornal Público estampou nas suas páginas, para ilustrar a manifestação, uma fotografia com uma legenda que garantia que os manifestantes tinham-se vestido de bombistas suicidas. Em nenhum lugar da notícia era enquadrada e explicado esse acto.
Aproveitando a fotografia, o impoluto e imparcial José Manuel Fernandes fez mais um editorial a afirmar que os manifestantes contra a guerra eram apoiantes declarados do terrorismo internacional e escandalizou-se que os manifestantes tivessem permitido gente a homenagear os bombistas suicidas. A seguir do guru, as hienas menores replicaram o mesmo argumento em várias crónicas.
Identificando-me como um dos organizadores da manifestação, pedi esclarecimentos ao provedor do leitor da altura, o jornalista Joaquim Furtado.
Na semana seguinte, saiu a sentença salomónica :
1. Consultado o director José Manuel Fernandes, o próprio desmentiu ter tentado aproveitar uma fotografia enganadora para desqualificar a manifestação. A esse respeito, o Furtado garantiu que o seu director Fernandes era um modelo de virtudes.
2. Que as jornalistas responsáveis pela peça, consideravam correctas a legendagem da foto.
3. Apesar disso, o provedor teve que considerar que a fotografia não estava correctamente enquadrada. No final acrescentou ufano: “disseram-me que Nuno Ramos de Almeida é jornalista do 24 Horas”. Assim como dissesse: “Como é que uma puta pode queixar-se de ser violada?”.

Confesso que fiquei bastante divertido com a resposta do provedor. Mandei-lhe outra mensagem dizendo que não tinha percebido a alusão. E que se estava tão interessado na minha biografia podia ter dito os vários órgãos de comunicação em que tinha trabalhado; informações tão relevantes como o clube da minha preferência, o meu posicionamento político e o número de filhas que tenho. Tendo em conta que Joaquim Furtado há muito tempo que não fazia jornalismo, lembrei-lhe, de passagem, a regra de cruzar as informações; se o tivesse feito saberia que eu já não era jornalista do referido jornal.
Magnânimo, na semana seguinte o provedor reconheceu que eu já não era, mas que tinha sido. Estou portanto condenado para todo o sempre.
Acredito que José Manuel Fernandes viu sair com uma lágrima ao canto do olho, tão estimável provedor.

A vingança do Gato Constipado

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O Procurador-geral da República, o divertido Souto Mora, mandou revistar o jornal 24 Horas. Toda a gente percebe porquê. Ninguém percebe para quê.
A propalada investigação das disquetes do curioso “envelope 9”, devia servir para perceber porque raio de razão estava no processo da “Casa Pia” uma listagem exaustiva de chamadas telefónicas de centenas de pessoas que teriam sido, alegadamente, investigadas durante o processo. A grande maioria dos números que constavam desta lista de bisbilhotice não tinham nenhuma relação com o escabroso assunto, eram apenas gente poderosa, certamente com contactos interessantes.
A perseguição dos jornalistas que revelaram a existência do envelope no processo, entretanto tornado público, poderá aliviar a bílis do procurador, mas não responde a nenhuma questão importante.
O procurador arrisca-se ser empurrado para o desemprego pelo riso, mas tem um prémio de consolação: terá lugar em qualquer circo que se preze ao lado do saudoso Santana Lopes. Cocó e ranheta já estão, só falta arranjar o facada.

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