A pressão para a demissão de Galamba após a conferência de imprensa não se relaciona substantivamente com os episódios ocorridos entre ministro, adjunto e SIS. Atendendo aos factos, o que se passou não tem uma natureza política na sua origem, antes psicológica. Existiram comportamentos incorrectos e violentos da parte do adjunto, assim declaram as testemunhas, e pode-se questionar se o ministro agiu correctamente ao envolver o SIS por causa do computador. Mas o ministro não é responsável pelos alegados abusos do adjunto despedido nem a entrada do SIS em cena tem qualquer importância política. Inclusive a questão acerca de quem pediu a reunião da ex-CEO da TAP com parlamentares socialistas antes da sua audição remetia apenas para os trabalhos da comissão de inquérito em curso. Porém, as matérias embrulhadas na situação, assumidas de viva voz pelo ministro, eram suficientes para se poder abrir uma crise política que pudesse causar um grave dano ao Governo e, portanto, ao PS. Foi isso que Marcelo viu, ou lhe fizeram ver, como oportunidade imperdível.
Por ser essa a única motivação do telefonema de sábado para Costa, não aconteceu o que Paulo Pedroso sugeriu e Rui Tavares lamentou não se ter feito. O primeiro apelou a convocar-se o Conselho de Estado, o segundo teria gostado que os partidos fossem convocados pelo Presidente da República. Em qualquer dos casos, Belém estaria a tratar com a dignidade institucional adequada o que supostamente considerava uma gravíssima crise política a causar prejuízo ao mais alto interesse nacional. Ora, Belém não considerava tal, daí não querer meter-se nessa farsa até ao pescoço e depois já não ter por onde fugir. O que se pretendia era tão-só assustar Costa, forçá-lo a capitular, e oferecer a Marcelo um dos troféus mais cobiçados pela direita decadente: a cabeça do odiado Galamba. Quando, na segunda-feira, ouviram Costa no aeroporto a defender o ministro das Infraestruturas, a equipa presidencial entrou em pânico. No desvario que se seguiu, resolveram lançar um míssil nuclear táctico que atravessou as instalações do Expresso, continuou a fazer caminho pelos ares, e veio explodir na Praça Afonso de Albuquerque no dia seguinte por volta das 20 horas.
O actual Presidente da República, por irredutível responsabilidade própria, exauriu o valor da sua palavra. Consequentemente, malbaratou a sua autoridade. Mas o dano para a cidade não se limita a isso de ser um psitacista à solta com o código nuclear na algibeira, igualmente a sua inteligência política genérica parece drasticamente diminuída. Desde a reacção desastrada, e sumamente suspeita, ao desvalorizar os primeiros números relativos aos abusos sexuais na Igreja Católica, estávamos em Outubro, que nunca mais Marcelo se apresentou como estadista. Seguiu-se o ataque descabelado e absurdo, quase marialva, à ministra Ana Abrunhosa. O “esqueçamos isto” a respeito dos direitos humanos no Qatar. O cerco a Galamba logo aquando da sua nomeação como ministro. E a intensificação das sessões públicas de auxílio ao regresso da direita a São Bento, a par da introdução de ameaças semanais sobre a dissolução da Assembleia. Um festival de disfuncionalidade representativa e degradação do ambiente político.
A obscena chantagem sobre o primeiro-ministro nasceu desta falência cognitiva e deontológica.
