
Recebemos o texto abaixo, que com prazer reproduzimos, de Ana Francisco Sutherland, arquitecta e autora de Personagens para um Lugar Memorável (Black Sun Editores, Lisboa, 2003), livro sobre que, no saudoso Blogue de Esquerda, se falou com admirado enlevo.
Em 1935 é publicado um anúncio pessoal na revista “Nursery World”, no Reino Unido:
“Can any mother help me? I live a very lonely life as I have no near neighbours. I cannot afford to buy a wireless. I adore reading, but with no library am very limited with books… I have had a rotten time, and been cruelly hurt, both physically and mentally, but I know it is bad to brood and breed hard thoughts and resentments. Can any reader suggest an occupation that will intrigue me and exclude “thinking” and cost nothing! A hard problem, I admit.”
Este pequeno “recorte”, banal e perturbador ao mesmo tempo, é o catalisador para o início do CCC ou Cooperative Correspondence Club, uma iniciativa que durou 55 anos e acompanhou a vida de mais de 20 mulheres. A história do CCC foi recentemente escrita por Jenna Bailey e publicada pela Faber & Faber em Inglaterra, com o título Can any mother help me?.
Em resposta ao pedido de ajuda, várias mulheres decidiram começar a corresponder-se de um modo regular e assim, resolver a solidão da jovem mãe. E definiram uma séria de regras: de 2 em 2 semanas cada membro escreve um texto (sobre actualidades, eventos familiares ou outro qualquer interesses pessoal) e envia-o para a “editora” que compila os textos recebidos e os encaderna com uma capa (de linho e bordada). No dia 1 e 15 de cada mês envia o número completo para a primeira leitora da lista e através dos correios, a revista circula por todos os membros do club. A leitora final lê não só os textos originais, mas também os comentários que foram acrescentados nas margens, e devolve a revista à “editora” que por sua vez redestribui cada artigo às autoras originais.
Falta acrescentar que as mulheres decidiram usar pseudónimos (apesar das identidades reais serem evidentemente conhecidas) o que permitia maior liberdade na escrita. Algumas das “identidades” escolhidas foram: Ubique (do latim “em todo o lado”), Ad Astra, Cotton Gods (homenagem ao pai, trabalhador na produção de algodão), A Priori, Accidia (derivado do latim “accidie” ou preguiça), Sirod (reverso de Doris), Angharad (nome de um parque natural galês), Elektra (dos clássicos – apaixonada pelo pai e de más relações com a mãe) e Rosa (inspirada por uma personagem de Charles Dickens que ”precisava de saber tudo”).
Ana Francisco Sutherland
Continuar a lerNum tempo sem blogs… →