Todos os artigos de Isabel Moreira

Este senhor tem por ofício ofender, sorrindo, o país que “representa”

Como é possível não tomar calmantes quando vemos Passos na televisão, em Londres, a responder assim, a rir, a rir muito, sobre o alegado “ativismo político”do TC:

– “Bom…a questão do ativismo político do TC é uma questão muito complexa…e difícil de ser respondida por um PM…para mais em Londres!” (gargalhadas)

Não lhe reconheço nada. Nada.

O Outono do poder

Meia coisa. Às vezes quase quente. Céu azul depois de um dia de chuva. Chuva outra vez. Nada de mal. Meia coisa. Se fosse o estado do tempo. Mas é o discurso do poder, a perder apoio nas massas dos seus partidos de apoio. Uma solidão arrogante. Meia coisa. Às vezes explica-se. Nesses dias, pela metade. Vem a outra metade no noticiário do dia seguinte. Decisões surpresa. Nunca dizer “afinal”, porque essa palavra denuncia a omissão. A quem? Ao povo, que sabe e não sabe, que não é tido nem achado. Porque houve eleições. E isso basta para o exercício. O exercício do poder. Arrogante. Uma solidão. Propositada. Uma orquestra a ajudar o quase quente ou o quase frio. Os mesmos que queriam uma constituição reduzida a princípios arrasam o TC quando este decide, a pedido, de acordo com os tais princípios universais. Mas a orquestra até descobre que o TC toma decisões com base em leituras “dogmáticas” da CRP. Agora. E só agora. Que são poder. Céu azul depois de chuva. Agora omite-se o falhanço de uma política obstinada com uma voz firme contra o TC, conivente com atacantes externos da nossa soberania interna. O TC, tal que é dogmático e político, sem que a acusação seja feita a quem faz um requerimento convicto da inconstitucionalidade das normas de um governo sem normas, o PR, por exemplo, que já pediu a fiscalização de um OE, da lei da mobilidade, da lei do crime de enriquecimento ilícito e agora da convergência das pensões. Então em que ficamos? Meia coisa. Quem aciona o TC exerce um direito, diz-se; se o TC dá razão a quem aciona o TC é um caldo entornado, é uma força de bloqueio. Tomates para ir até ao fim da acusação antidemocrática e chamar ao PR os nomes que chamam ao TC não há, claro, “é um dos nossos”. Até fez o seu primeiro discurso no início da legislatura como presidente da maioria apenas, foi um ataque inesquecível, esse sim, em desvio de poder, ao governo anterior, mas foi tão bom. Contradição insanável. Mas é outono e amanhã talvez faça sol. Ou chuva. Tanto faz. A voz do poder é um eco. Mas de outras palavras. Ou de uma palavra muda: chama-se verdade. E assim entre a chuva e o sol espatifa-se o Estado de direito, o Estado social, a vida das pessoas, abandonadas, desesperadas, cortar, cortar, cortar, diz que não há alternativa, acena-se com metas cumpridas em reviravolta de má-fé do que tinham sido os objetivos em 2013. É indiferente. Não se explica. Dita-se. Porque a mentira não se explica. Disfarça-se: “os cortes são transitórios”; “subir o salário mínimo se”; “este corte é indispensável”; “há muito mais pensionistas salvos dos cortes do que apanhados pelos cortes”; é “proporcional” cortar a pensão de uma pessoa concreta de valor pouco acima do salário mínimo porque, presume-se, essa pessoa deve sofrer na carne uma visão geral sobre um e outro sistema; “cedemos”; “estamos a permitir que as famílias escolham em que escola colocam os seus filhos”, não a destruir a escola pública e a iniciar o regresso ao analfabetismo; “prefiro ser celta do que ser grego”; e assim vai o discurso da não alternativa fortalecido pelo encontro do bode expiatório desta destruição: o TC. É indiferente. Porque a solidão é sempre indiferente. Quando é escolhida. Quando é poder. A aula magna incomoda e é trucidada pelas franjas desta ou daquela palavra. Que solidão. A aula magna é o retrato da solidão do poder. Que é perigosa. Que dita. Mentindo sempre. Porque o povo existe e sabe do que se passa. Há que metê-lo num quarto à prova de som. Mas não é possível. O Outono é deste oráculo decisório e propagandístico. Não é do povo. Porque o que não tem alternativa, o que não é alternativa é a destruição do que nos define e do que nos permite sermos.

 

“Uma Viagem pelo Outono” – a despedida de Rui Nunes

Ler quem passou uma vida a viajar, fugindo à ficção de uma pátria, a escrever por si, mesmo que depois de si, um epitáfio que emudece vozes póstumas, esta é a voz de quem diz que uma voz é sempre a continuação de uma outra voz; mas não esta.

Este é um livro que viaja pelo Outono numa memória particularmente ideológica; alguém que na sua cegueira – ou é a cegueira que viaja?; ou é a cegueira a personagem? – vê o que viu e sobretudo como viu; é o mesmo homem que percorre a intenção mortal das pontes do Reno; é o mesmo homem que está enterrado na memória coletiva, não recorda, escuta o terror, porque é o mesmo homem que os homens mortos, Horst-Wessel-Lied, uma e outra vez, o hino e as botas ao seu ritmo, o projeto mais letal que a cegueira conheceu na história da humanidade, na Europa, na sua vida; é o mesmo homem que viveu o que a idade diz que não, o mesmo homem que entra, no Outono da vida, na casa singular de uma infância concreta; a mãe antes e o que resta dela, essa dor: burocracia. O pai, sempre quase a morrer. Crescer sabendo de quem vive quase a morrer, uma espera, a infância estagnada; é o mesmo homem que se vê miúdo ou o lagarto na mão do miúdo. Da infância até à viagem pelo Outono, sempre a descoberta das minúcias. Uma outra casa, um avô não soletrado, a encher uma página. Duas casas. Dois legados de nomes.

Um Outono de um cego velho – ou sempre foi velho? – com o dever de um legado, um último suspiro, sem trocos, um livro retirado de todas as estantes, para si, e este, ou aquele, para quem o encontre, para mim, não interessa, um homem despojado. Não interessa. Quem morre escrevendo num Outono, numa viagem do mês da véspera, o homem com a “véspera” estampada numa outra capa, é indiferente. Despojamento absoluto. Contar para ninguém.

Esta é a viagem em que Deus é reduzido à sua miséria, esta é uma viagem sintética, definitiva, um ofício que ficou por terminar: destruir todas as palavras e começar sem essa corda, essa opressão, essa corda, palavras filhas de outras, bastardas, armas, letais, cordas, muitas vezes escrever “corda” para escrever isto, esta opressão, porque corda, diria, é o símbolo do enforcamento.

Ler o livro como uma partida, de quem sempre partiu, de quem sempre viajou para lugar nenhum, uma derradeira viagem, a sua, no Outono, porque Outono é a véspera do Inverno, que também pode chamar-se morte.

Uma dor em cada vírgula, uma dor inscrita sem intuito de pedagogia, mas inscrita porque o viajante chama-se Rui Nunes.

O Rui Nunes ideológico na casa da mãe e na Europa estupidamente animada pelo apelo de Homero, essa coisa de
morrer pela pátria, essa arma aqui denunciada. O horror da ausência de substrato. A Europa vazia, a casa vazia, a árvore morta, que um cego progressivo abandona, sabendo da igualdade que conhece: o osso dos mortos, a igualdade nessa indiferença, os ossos dos fuzilados, os ossos dos gazeados, o viajante atira-se para a igualdade de uma vala comum.

Sem mais uma palavra porque a palavra “palavra” não é uma palavra hoje e porque a palavra “hoje” não é uma palavra. Que ladre um cão uma e outra vez em todos os lugares; que seja um cão a matar as palavras.

O Rui Nunes a morrer deixando um mundo morto; o Rui Nunes a morrer mutilado pelas palavras; o Rui Nunes numa Europa decadente; o Rui Nunes a morrer a insinuar a traição de quem pensou; o Rui Nunes a morrer, por isso, pondo a casa burocrática da mãe no Reno que atravessa a Europa; o Rui Nunes a morrer num mundo em que a traição “é uma luz póstuma”; o Rui Nunes a morrer pelos seus próprios olhos, ou o Inverno do seu rosto; o Rui Nunes a morrer sem o muro certo da sua morte, isto é, quem sabe da diferença entre quatro paredes e um muro, a que muro coletivo deve regressar para morrer?; o Rui Nunes a morrer usando a mão, em vez dos olhos, a mão que não sente palavras, mas que descobre a sua pedra; a sua lápide; Deus é apenas um nome e o viajante estará no Inverno num muro qualquer, a cair, como sempre acontece às heras de todos os muros: desaparecem. Ossos.

Que pobreza não saber sofrer nesta viagem; que pobreza não trair o viajante morrendo com ele.

No “Público”, hoje.

 

Portugal dos pequeninos

A ministra das finanças olha para a irlanda e anima-se. Se lá correu “bem” o memorando funciona, esta política funciona, nós também não precisaremos, talvez, de um “programa cautelar”. De resto, temos um trimestre que diz tudo sem estudo: 0,2% de crescimento.

Machete, por seu turno, sabe que com juros a 4, 5% da dívida podemos ir a mercados (?).

Este é o Portugal dos pequeninos.

Em duas coisas: comparamos o incomparável e analisamos o estado estrutural de um país com números respeitantes a três meses, desde que bonzinhos, mas sem qualquer estudo acerca do significado desses números: a que se devem, quais os setores em causa na descida do desemprego, se há alguma coisa que possa ser analisada em termos efetivamente estruturais, de durabilidade.

Portugal dos pequeninos escuta mensagens contraditórias do governo porque o governo emite mensagens à medida de notícias pontuais, como a notícia da recuperação da Irlanda, que não quer programa cautelar, donde o oráculo do momento a dizer que nós vamos bem, como eles.

Isto não é ignorância, é desnorte remendado. A ministra das finanças sabe que o que se passou na irlanda não foi, não é, e nunca será comparável com Portugal. Dos pequeninos.

A ministra das finanças sabe que a estrutura económica, os níveis de pobreza, os níveis de qualificação na irlanda são outros que, numa pátria de menos de 5 milhões de habitantes, ajudam bastante a que um programa de assistência não tenha o impacto monstruoso que o programa de austeridade aplicado ao Portugal tem.

A ministra das finanças sabe bem que as causas da assistência financeira à irlanda em nada se assemelham com as causas do pedido de resgate português.

A ministra das finanças sabe que a irlanda nunca se pôs de gatas perante os seus credores, sabe que o povo irlandês está representado com quem se realmente se senta à mesa para discutir e não apenas para ouvir e comer.

A ministra das finanças sabe que as medidas de austeridade aplicadas à Irlanda nada têm que ver com as medidas de austeridade aplicadas a Portugal. Dos pequeninos.

A ministra das finanças sabe também que os 0,2% que nos tiram da recessão, nesta análise pontual elevada a estrutural, que o OE em discussão tem tudo para fazer explodir com a notícia.

Convinha ter uma ideia estrutural para Portugal, que não reduziu a dívida, que não reduziu o défice e que falhou em todas as metas.

A ministra das finanças se tivesse uma visão estrutural do país – que a troica se atire a uma abstração já é letal, mas convinha que quem governa o concreto, Portugal, soubesse do que fala – teria de chegar à conclusão de Gaspar: esta política não funciona e evidentemente um programa cautelar (seja lá o que isso for) é a certidão de óbito da tal da política de austeridade na qual estava incluído como objetivo o regresso aos mercados no final do programa, e não depois dele.

E vivemos assim, com um relatório do FMI a bater no TC, a dizer de baixar ainda mais os salários, isto e outras loucuras numa visão que vai até 2016, ano que não teremos mais, espero, esta ministra das finanças e este governo.

A lógica do empobrecimento da população tem método: o FMI bate na função pública, chamando-a de privilegiada em relação aos privados; depois de empobrecida a função pública, exige menos salários para os privados, talvez para nivelar; ataca-se as pensões, com o mesmo método, para depois se baixar as reformas e dar cabo da segurança social. Isto é ideologia pura, maoista, e abraçada por este governo.

Estão a conseguir. Os mais ricos de Portugal estão mais ricos e a restante população está mais pobre. A pobreza, hoje, no Portugal dos três em três meses, é insuportável.

Tudo o resto é essa coisa do desnorte remediado com declarações pontuais sobre comparações incomparáveis e sobre números que dizem nada de nada sobre Portugal.

Vale a pena ler o relatório da organização internacional do trabalho, esse pilar do qual fazemos parte, que explica fundamentadamente como em momentos destes as medidas a tomar são as opostas às tomadas.

Vale a pena desligar a televisão e não ouvir passos, nem Passos, nem Machete, nem Barroso, que gostava que existissem mais Alemanha na Europa, o que congelaria as relações económicas entre países, vale a pena desligar a televisão quando nos ofendem.

Certo é que entre a OIT e um técnico do FMI o governo sabe quem prefere ouvir.

 

Ao cuidado de Aguiar Branco e do pensador Barreto

Um com responsabilidades governativas, outro sem responsabilidades algumas, afirmam mais coisa menos coisa, sobretudo menos coisa, e respetivamente, que “esta” constituição representa uma tentação totalitária e que não é possível uma reforma do estado sem uma profunda reforma da constituição (profunda, notem).

Talvez lerem constitucionalistas de esquerda e de direita a explicarem o óbvio: a modernidade da nossa lei fundamental, a sua enorme abertura às opções do legislador, a sua semelhança com as outras constituições que nos rodeiam.

Por exemplo:

O manual e todas as obras da área do professor Gomes Canotilho (podem ler a mais recente edição da própria constituição anotada daquele professor e do professor Vital Moreira). Verão que é gente perigosa;

O manual e todas as obras do professor Jorge Miranda (podem ler a mais recente edição da constituição anotada em parceria com o Professor Rui Medeiros, da Universidade católica, um liberal que vem explicando desde antes da sua tese (“a decisão de inconstitucionalidade”) o que referi). Verão que é gente perigosa;

Todas as obras do Professor José de Melo Alexandrino. Admito que ler a tese seja tarefa dura, porque é extensa e excelente, um constitucionalista perigosamente dedicado aos direitos, liberdades e garantias e à sua relação com os direitos sociais. (Podem sempre ler a constituição comentada em parceria com o professor de extrema esquerda Marcelo Rebelo de Sousa. Estes totalitários também dão com eles a lerem, como nós, os pobres, a lei fundamental como um texto flexível). Verão que é gente perigosa.

Todas as obras do professor Jorge Reis Novais (cuidado, que ele gosta de princípios, assim do estado de direito e tal, cuidado, leiam a tese que explica que a constituição permite restrições não expressamente autorizadas pela própria). Leiam o totalitário.  Verão que é gente perigosa.

Acho que estou a exagerar.

Leiam a Constituição .

Estado democrático de direito e o senhor caladinho de bandeira ao peito

O que aflige não é tanto ouvir hoje  Barroso voltar a pressionar o TC, explicando (ao TC) as consequências trágicas de um chumbo das medidas orçamentais.

O que aflige não é ver Barroso afirmar no mesmo discurso que nunca pressionou o TC.

O que aflige é ver um senhor ao lado dele, a escutar a lição, caladinho, sem um protesto, mas por acaso primeiro-ministro de um Estado soberano com uma Constituição e com órgãos de soberania, como o TC, que a garante.

E o senhor anda com a bandeira na lapela. Está tudo explicado.

 

 

curta cansada

a ouvir o telmo correia (parte do grupo “qual é a parte do não há dinheiro que não percebem?) a explicar a maravilha do cheque ensino. então o estado poder ajudar uma família a colocar os filhos numa escola privada, católica, ou mais tecnológica (sic e na SICN).
subtexto: o CDS sabe que só se financia escolas privadas onde não há oferta pública, porque a cobertura do ensino tem de ser universal.
o CDS sabe que cortou o que cortou na escola pública.
o  CDS sabe que há abandono escolar por falta de meios dos pais para comida, livros, transportes e material escolar.
o CDS sabe que a intervenção promotora da igualdade do estado chama-se escola pública e que as privadas, sejam católicas, o que for, são isso: privadas. pagas por quem tem o negócio.
o CDS afinal tem dinheiro para mandar os putos para as escolas privadas?
o CDS sabe que está a repetir experiências falhadas (EUA; Suécia), mas insiste porque ataca com sorriso doce um pilar do estado social.
e dizer as coisas com os nomes todos? tenham ao menos essa dignidade, em nome do que vos inspira, que já não sei o que é.

Portas burocrático

Há um ano atrás, Vítor Gaspar, no âmbito das jornadas parlamentares da maioria, anunciou a necessidade de uma “reforma do estado”, à qual atribuiu um valor de 4 mil milhões de euros. Ninguém seria contra uma reforma do Estado, mas muitos estranharam a ausência de ponto de partida: qual a avaliação feita previamente das funções do Estado para o poder reformar?

A estranheza foi confirmada quando Passos falou numa “refundação do memorando”. Isto é: esta maioria nunca teve a mais ténue ideia de uma verdadeira reforma do Estado, empreendimento válido com ou sem assistência externa, já agora em nada sinónimo de um “protetorado”, como, de forma calculista no discurso, Portas insiste em denominar Portugal, apesar do convívio que deve ter tido, enquanto MNE, com direito internacional em geral e com direito da união europeia em particular.

Esta maioria foi cortando à medida que todos os seus objetivos falhavam, insistindo numa austeridade idiota aos olhos de todos e em nada correspondente ao memorando inicial da troica. A “reforma do estado” foi assim levada a cabo, destruindo-se a solidariedade, a comunidade, a dignidade da administração pública, a certeza da segurança na reforma contratualizada com o Estado de bem. Teve o preço exato, nos cortes sucessivos, a que Vítor Gaspar chamava de “reforma do Estado”.

Acontece que o Governo quis convencer o país que a tal da reforma não era a desesperança a que conduziu a sua política. Chegou a haver uma comissão parlamentar que a maioria quis que não funcionasse; sempre teria mais tempo para cortes sem sentido nem sentir e ia-se prometendo para um dia a “reforma do estado”.

Essa coisa ficou há muito tempo a cargo de Portas, que se viu com esse encargo, que continuou com esse encargo depois de sair sem sair e ficar como Vice.

Portas surge um ano depois, dia 30 de Outubro de 2013, perante os portugueses, resumindo umas – imagina-se – trabalhosas 110 páginas, num exercício populista, vago, responsabilizando outros pela concretização desta tragédia grega e falhando na sua habitual linguagem amiga do ouvinte, trabalhada no jornalismo.

O Vice diz banalidades como as seguintes: 1) é uma proposta aberta (mas não convoca ninguém); 2) recorda que ninguém tem o monopólio da razão (agradecidos, sobretudo o PS, pontapeado desde o início da governação); 3) é preciso ter humildade democrática (fala o apoiante da maioria que jurou em eleições não tocar nem em pensões nem em salários); 4) parece que se trata de “consolidar um caminho” (qual? O de três anos consecutivos de falhanço?); 5) reformar é diferente de cortar (não se reforma sem cortes e tem-se reformado e “refundado” Portugal com base em cortes cegos, um ano aqui, um ano ali, uma mera operação contabilística); 6) menos despesa significa menos impostos (portanto, cortar na escola pública não é aumentar indiretamente nos impostos das famílias e de forma não progressiva?); 7) Portas entende que o fim do memorando é a recuperação da soberania, ele lá sabe, mas atira-se com enorme espírito soberano para o tratado orçamental, talvez pensando não sei o quê; 8) estar no euro não se compadece com a demagogia (?); 9) há fatos que não dependem de opinião (e elenca vários que são certamente opinativos, pobres e vagos, como a relação entre PIB e segurança social); 9) seria do interesse nacional que a regra de ouro pudesse estar na CRP (o disparate desta ideia, como Jorge Miranda já explicou, é maior vindo de quem acusa a lei fundamental de se ocupar de matérias a mais. A regra de ouro é matéria, por exemplo, da lei de enquadramento orçamental, porque a vida tem incertezas) 10) mais funcionários públicos e mais bem pagos (a ofensa desta afirmação dispensa comentários); 11) munir os ministérios de bons quadros (funcionários) jurídicos (já estão munidos); 12) nem estatização, nem estado mínimo. Estado melhor (a frase mais vazia e mais demagógica da noite); 13) reformular as funções do estado: é a partilha com a sociedade civil. Portas chegou a inventar um novo tipo de escolas, incentivou professores a comprarem escolas; 14) reduzir o estado proprietário, alienar imóveis (com base em que estudo?) Voltamos ao vende-se e depois à constatação que a venda de bens públicos só rende no momento da venda?; 15) uma nova arquitetura judicial constitucional. O que é isso?

E por aí fora. Está lá o snif snif neoliberal, a privatização de fatias grandes do Estado social, mas basicamente tudo é o cumprimento da burocracia de Portas, tudo é demagogia, tudo é propositadamente vago, tudo é a confissão do nada.

E acabou hoje, porque amanhã começa a discussão do Orçamento de Estado.

 

Mais ataques à CRP: da nova narrativa pró-pátria alegadamente presa a velharias jurídicas

Há sempre paciência. Porque tem de haver. Porque se trata de nunca deixar o discurso equivocado sobre a CRP e sobre o TC instalar-se em tom suave. Ouvi Miguel Sousa Tavares (MST) dizer o certo e o errado sobre estas matérias, mas acabou, no seu comentário televisivo, por cair nas “partidas” que certos encomendados andam a dizer da democracia. Porque é de democracia que se trata. Porque quando se ataca o TC está a atacar-se o garante contramaioritário de todos nós.

MST começa por dizer que o TC tem de aplicar “esta” CRP, o que é absolutamente verdade.

Em segundo lugar, feita a dedução de que o TC não pode ser atacado por cumprir o seu papel (certo), dá um salto e descobre o problema na CRP.

A responsabilidade de ser difícil não haver declarações de inconstitucionalidade não está, pois, no TC, mas na CRP que o mesmo tem de aplicar.

Qual a solução? Rever a CRP, o que, explica, não é possível porque são necessários 2/3 para uma revisão e o PS não está de acordo.

É difícil seguir o salto lógico. Isto é: porque não pondera MST a hipótese de o problema estar nas normas da autoria do Governo que não teriam final feliz em Espanha, na Alemanha ou em qualquer outro país da nossa proximidade valorativa? Por acaso vê MST na nossa CRP alguma coisa de tão diferente das outras?

É difícil, também, compreender em que consistiria essa revisão. É que as inconstitucionalidades declaradas pelo TC (pensões e subsídios) tiveram como fundamento o princípio da igualdade (na dimensão “repartição equitativa de sacrifícios”) e o princípio da proporcionalidade. Estes princípios têm, hoje, uma dimensão dogmática e jurisprudencial altamente densificada e a sua violação tem de ser “manifesta” para que o TC declare uma inconstitucionalidade.

É justo perguntar, seguindo o raciocícnio de MST, se alguém apoiaria uma revisão constitucional que revogasse princípios presentes em todas as constituições democráticas.

Que CRP teríamos sem o princípio da igualdade ou sem o princípio da proporcionalidade?

Depois, MST afirma que o TC está sempre a invocar o “princípio da proteção da confiança”, o que segundo o comentador dá para tudo, dá para pensões, mas dá para tudo o que seja defraudar as nossas expetativas.

MST está duplamente enganado: em primeiro lugar, é raríssimo, dada densificação muito exigente que a jurisprudência do TC deu àquele princípio – precisamente porque não dá para tudo – uma decisão fundada na violação do mesmo. Recordo que nos dois casos de intervenção do TC em matéria de cortes de pensões e de subsídios não há, nas decisões, qualquer alusão à confiança. Recordo também que o TC passou mais de uma década sem trazer à colação o princípio da proteção da confiança, mesmo se invocado pelo/s requente/s. Assim é, repito, pela elevada densificação já feita pelo TC dos requisitos que têm de estar preenchidos para que se possa alegar a violação do princípio em causa. Recentemente, numa norma que anulava retroativamente acordos coletivos de trabalho, o TC invocou, e bem, o alvo de MST.

Fica assim por entender que revisão constitucional quer MST; fica assim por perceber que densificação ligeira tem em mente MST de princípios comuns a todas as constituições democráticas; fica assim por perceber de onde terá MST desencantado a ideia segundo a qual o TC pode usar o princípio, delicado, da proteção da confiança “para tudo”.

Outro ponto essencial é o ataque a uma CRP imaginária; uma CRP que impediria um Governo de governar sob assistência externa. Essa CRP vive na cabeça de quem a quer violar sem pudor, de quem disserta mesmo sobre a necessidade de conjugação de esforços do TC e do Governo.

Isto é não perceber nada. É não perceber que a CRP é a nossa garantia de soberania e de garantias, por isso contramaioritária, sem a qual o Governo não tem “guarda”, o qual dá pelo nome de TC.

É evidente que princípios como os atrás referidos não impedem um Governo de governar; é preocupante que os princípios mais básicos de uma lei fundamental sejam violados sistematicamente; é mais preocupante que o travão dessa violação seja atacado em vez de elogiado; é preocupante que não se entenda que atacar o TC é atacar a CRP.

 

 

JSD: da deslealdade.

Hoje, quando tudo apontava, ao fim de tempo demais, que o pl que permite a adoção do filho do cônjuge ou unido de facto também em casais do mesmo sexo (co-adoção) fosse a votação final global, houve uma iniciativa.

A JSD entendeu apresentar uma proposta de resolução para referendar a coisa e, já agora, a adoção por casais do mesmo sexo.

Diz a resolução que a co-adoção é fraturante, que não reúne consenso, que não foi suficientemente discutida e que a sociedade não está esclarecida.

Vejamos: a pl da co-adoção foi aprovada na generalidade; seguiu-se o trabalho na especialidade com um grau de intensidade, esclarecimento, riqueza e diversidade de que tenho memória rara; ao longo desses meses a JSD, e o seu presidente, nada disseram; imagina-se que davam algum crédito à sua colega de bancada (presidente do grupo de trabalho elogiado pelo cardeal patriarca) e a todas e todos que se dedicaram à democracia; foram ouvidas entidades de todos os quadrantes imaginários, gente com um papel importante nas várias áreas científicas e sociais a que pertencem e que foram, a pedido dos vários partidos, incluindo o PSD, portanto, dar o seu tempo e trabalho à tal da democracia; as audições foram fisicamente abertas, disponibilizadas ao país no site da AR, bem como toda a documentação disponibilizada; a cada passo, os membros do grupo de trabalho informavam o respetivo partido do estado da arte; o debate abriu-se à sociedade, sem a participação da JSD, é certo, mas a JSD deve ter dado conta da multidão de artigos de opinião, de debates na televisão e na rádio; o prazo do grupo de trabalho foi alargado; a co-adoção estava pronta para ser votada em Julho, mas houve um adiamento a requerimento da direita para que os Partidos tivessem mais tempo de reflexão; estamos a 22 de Outubro e amanhã a primeira comissão tem pela terceira vez na sua ordem de trabalhos o envio do diploma para votação final global.

Referendo? Porque é fraturante? Mas não era antes de a JSD desrespeitar meses de trabalho democrático? E o país não está esclarecido? Ou não está a JSD que começa a resolução referindo-se à adoção?!! Mas a co-adoção é fraturante por quê? E o CPMS? Houve referendo? E os projetos de lei prevendo a adoção por casais do mesmo sexo? Onde estava a JSD nessa altura a pedir referendos? E as petições que recebemos ao longo dos anos pedindo referendos sobre todas as questões ditas fraturantes? Foram acolhidas? A JSD lutou por elas?

Pois.

Será que o incómodo é ver liberdade e possibilidade de aprovação, donde largar a cartada desrespeitadora da democracia representativa à última da hora?

A partir de hoje, a JSD passa a ser a favor de se referendar direitos como o direito à maternidade e à paternidade e o direito ao desenvolvimento da personalidade? Ou só será a favor nos últimos dias do procedimento legislativo parlamentar conforme corra a coisa?

O que terá afligido a desatenta JSD ao ponto de ser evidente o desconforto transversal a todas as bancadas, a quem votou contra a co-adoção e a quem votou a favor da co-adoção, desconforto pela política do truque, da irresponsabilidade institucional e do desrespeito?

Terá sido o consenso, que quer transformar em falta de unanimidade (coisa diferente que não usa afligir democratas), a que se chegou no Grupo de Trabalho por exemplo no plano científico? No plano científico (psicologia, psiquiatria, pediatria) o balanço é mais do que sólido e consensual da parte das entidades que se dedicam à investigação e que analisaram a evidência disponível (sendo igualmente de sublinhar que em momento algum foi apontado qualquer resultado de investigação credível que demonstre um prejuízo para a criança decorrente de ser criada numa família homoparental). Mas quem sou eu? Talvez pedir ao líder da JSD que leia os textos e trabalhos como o levantamento feito pela Ordem dos Psicólogos.

Talvez pedir ao líder da JSD que não tenha por irrelevante que o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa tenha escrito à 1.ª Comissão no sentido da aprovação do projeto. Antes disso convinha ler a decisão do TEDH que condenou a Áustria por não consagrar a co-adoção, já que, tal como nós, a consagra para casais de sexo diferente, no superior interesse da criança.

Talvez pedir ao líder da JSD que descubra quem é o Dr. Jorge Gato, investigador da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, que estuda a matéria da homoparentalidade e que preparou uma exposição, que se doutorou na área, que faz diretamente trabalho de terreno na matéria. É ler os estudos.

Talvez pedir ao líder da JSD a humildade de ler o depoimento por escrito, favorável, do Dr. Mário Cordeiro.

É pediatra.

Talvez.

O Comunicado da Sociedade de Sexologia Clínica que se pronunciou favoravelmente também não magoa.

Talvez recordar que estão disponíveis os depoimentos favoráveis da
Conceição Nogueira, da Universidade do Porto (com investigação nesta área também); do Prof. Daniel Sampaio; do  Dr. João Seabra Diniz; do jurista de Direito da Família Prof. Pamplona Corte-Real.

Recordar o Instituto de Apoio à Criança, a ILGA e a AMPLOS (Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual)?

Depois, recordar a posição de todas as grandes associações americanas (da psiquiatria à pediatria) de que são associados profissionais portugueses e que estudam os “terríveis efeitos” paras as crianças provocados pela homoparentalidade, sendo que há 20 anos que se atualiza permanentemente a conclusão consensual, sim, consensual, de que nada há de negativo na homoparentalidade, que tudo há de positivo em oferecer um estatuto jurídico como o da co-adoção no interesse da criança, que a parentalidade não se resume “à natureza”, lógica que de resto levou a resultados trágicos.

Algum respeito por este trabalho implicaria sentido democrático, trabalho, ler, ouvir, uns e outros (as personalidades chamadas para defender o não a este regime, claro) e, finalmente, votar.

Mas chega-nos a triste epifania: ninguém pode ser assim tão sei lá o quê. A JSD leu isto tudo e o seu líder quer minorar as possibilidades de perder. Sacou de uma hipótese de referendo como quem saca de um cafezinho, pelo meio a democracia, pelo meio a verdade no discurso.

Em cima dele uma tentativa falhada e malfalada.

Espero votar na casa da democracia o projeto de lei que atribui deveres e o nome certo a quem já é, agora mesmo, pai ou mãe de alguém.

Se o projeto de lei chumbar, pois que seja por uma regra simples: mais votos contra do que a favor.

Tristes os que jogam feio contra isto.

 

Um país expulso de um orçamento

Lê-se o OE e falta lá uma variável: Portugal. Já faltava na receita da troica elevada a programa de governo de cariz religioso, o “ir além” do acordado, roubar dois subsídios e duas pensões, desígnio “insultado” pelo Tribunal Constitucional (TC). A religião insistiu nos alvos fáceis, e mais uma vez o roubo, rouba-se uma pensão e um salário, aos mesmos, os diabos, os funcionários públicos e os privilegiados, os pensionistas, gente que se chama “despesa do Estado”. Junta-se um colossal aumento de impostos que atinge todos e, em dose dupla, os tais roubados: o desígnio é novamente “insultado” pelo TC.

Corta-se no RSI, faz-se de uma prestação social uma “remuneração” e põe-se o “peso morto da sociedade” a trabalhar sem salário na Administração Pública, a tal que tinha funcionários a mais, pois, o que certamente será uma ideia mais vendável com esta medida que, no século XXI, reintroduziu a escravatura em Portugal. Alteram-se os regimes jurídicos das prestações sociais – não foi só cortar, foi humilhar – de maneira que o ónus de demonstrar tanta coisa que está demonstrada no sistema informático do Estado é do cidadão, presumivelmente aldrabão, e que perde os seus 200 euros ou 100 porque não entregou o papelinho de difícil decifração.

A receita da austeridade pela austeridade teve resultados desastrosos, como sempre teve noutras experiências históricas. Mas persistiu a ligeireza de quem defende a lei dos despejos, a extinção de juntas de freguesia, o aumento do preço de transportes, as falências diárias, sempre sem uma pálida ideia de quem é o cidadão que ficou algures sem amparo, enterrado na acumulação de medidas que não o deixam ver no horizonte a sua pertença ao Estado, a sua ida a uma consulta, a sua condição de pai de bolsos vazios, nada para ajudar os filhos, desempregados, emigrados, persistiu a ligeireza de quem ou é fanático ou não conhece o país real ou sabendo da desesperança não é empático ou, pior, de quem é tudo isso. As palavras mentirosas para dizer a verdade que tem o nome de “desemprego”, de “despedimentos”, de “cortes retroativos de pensões”, são palavras de uma estética agarrada a regimes de má memória.

Um dia, Vítor Gaspar deu a estratégia por falhada. Mas continuou-se. Sem reforma do Estado, sem projeto: uma prostituição intelectual. Ideias avulsas: flexibilizar ainda mais a lei laboral, sem um estudo a dizer que isso é coisa que gera postos de trabalho, mas porque sim, e aumentar ainda mais o período dos contratos a termo, o contributo do ministro “democrata-cristão”. Tal como na “mobilidade”, o TC tramou o Governo, porque está sempre, sempre, tudo bem até às decisões do tribunal cuspido pela comissão europeia sem um sobressalto de quem diz representar uma pátria.

Por tudo isto este OE nasce morto. É que Portugal não está lá inscrito. O Portugal que sacrificou mais de 5.000 milhões de Euros para uma consolidação transformada em recessão. O mesmo défice, uma dívida pública a subir e mais 54 mil desempregados. A reforma do Estado de Portas está nos 4.000 milhões de Euros de novas medidas de austeridade, presume-se. E então volta-se à carga aos diabos e aos dispensáveis: cortes nos rendimentos dos funcionários públicos e cortes retroativos de pensões, a partir de 600 euros, boas notícias, dizem, porque anunciam os que se safam, celebrando assim a miséria e a divisão incutida na sociedade.

Ouve-se gente a agarrar-se a banalidades: não há direitos absolutos; não há princípios constitucionais absolutos; o TC tem de ter em conta o contexto. É verdade e o TC frisou o contexto atual em todos os acórdãos que zangam “democratas”. Coisa diferente é dizer-se que o TC não pode declarar normas inconstitucionais seja em que contexto for, porque o princípio que alguma gente tem na cabeça é outro: estão convencidos de que a interpretação que o Governo faz, através de leis, do tal contexto e das medidas que tem por adequadas é um princípio supraconstitucional. Não é coisa nenhuma. Eu sei que tentam, mas o Portugal expulso do OE é uma democracia.

O país não merece isto. Merece uma política nova e palavras antigas, como respeito e dignidade.

No Público de hoje

Grande intervenção de Pedro Marques sobre o OE, ou a “cara do Governo”

Declaração Política OE2014

 

Pedro Marques, Deputado do PS

 

Este Orçamento de Estado nasce ferido de morte, porque ferida de morte está a credibilidade da política orçamental deste Governo.

Prometeram consolidação orçamental. Prometeram menos défice e menos dívida. Mas ao contrário do prometido, quais são os resultados que têm para apresentar?

Mais de 5.000 milhões de Euros de sacrifícios perdidos para a recessão! Toda a austeridade de 2013, todo o enorme aumento de impostos, deitado para o caixote do lixo. A depressão provocada pelo choque de expetativas e o corte de rendimentos, anulou , para efeitos orçamentais, todo o resultado dos sacrifícios que o governo pediu aos portugueses.

O défice com que iniciaram o ano de 2013, é assim, nas contas do próprio Governo, exatamente o mesmo que transitará para 2014. Um fortíssimo e repetido desvio de todas as promessas do Governo. 5.000 milhões de austeridade, de aumento de impostos, perdidos para a recessão.  Uma dívida pública que não para de subir, com um desvio de  5.000 milhões de Euros e mais 54.000 desempregados, do que nos prometiam há um ano.

Prometeram consolidação, tivemos dor e desilusão!

Mas também ao contrário do que repetiram, aí está um novo e enorme pacote de austeridade para 2014. Quase 4.000 milhões de Euros de novas medidas de austeridade, ao contrário do que foram repetindo aos portugueses. Sempre estes 4.000 milhões de Euros que nos perseguem, que este Governo propôs à Troika inscrever no Memorando na longínqua quinta avaliação. Lembram.se, sras e srs. Deputados?

E qual a via que escolheram? Os cortes de rendimentos de funcionários públicos e de pensionistas. Que como se sabe, para as famílias, é o mesmo que aumentar impostos. Na vida das pessoas, cortar retroativamente os rendimentos é o mesmo que aumentar impostos. Portanto, ao enorme aumento de impostos, acrescentam, sob outra forma, outro enorme aumento de impostos, agora impostos de classe.

E nem a demagogia do Governo que ia fazendo o seu caminho, de que medidas anunciadas à Troika em Maio não são medidas novas nos bolsos dos portugueses, nem essa demagogia encontra respaldo nesta proposta de Orçamento.

Ao contrário do que disseram repetidamente aos portugueses, aí está um impressionante alargamento dos cortes de vencimentos aos funcionários públicos. Não há novas medidas de austeridade? Perguntem às centenas de milhares de funcionários públicos com salários mais baixos, a partir dos 600 Euros, se a sua expetativa era verem agora cortado o seu salário. Perguntem às dezenas e dezenas de milhares de  funcionários públicos a quem vão mais do que duplicar o corte de vencimentos, se estavam à espera deste corte?

Perguntem às dezenas de milhares de pensionistas de sobrevivência se esperavam um corte nas suas pensões, para as quais descontaram uma vida inteira os seus falecidos cônjuges. Perguntem aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações se esperavam a diminuição das suas pensões, quando ouviram Passos Coelho dizer em 2011 que cortar o valor das pensões já atribuídas seria o Estado a apropriar-se de algo que não lhe pertence.

Perguntem a estes pensionistas se estão chocados. Se estão chocados  com o facto de a palavra do Primeiro-Ministro não ter nenhum valor. Se estão chocados por a linha vermelha de Paulo Portas se ter afinal transformado numa enorme burla grisalha.

Ou se os choca mais, afinal, o corte retroativo das suas pensões, ao fim de uma vida de trabalho e de descontos, julgando que o Estado de Direito lá estaria para os proteger. Ao menos a estes, que tendo chegado ao fim da idade ativa, nada mais podem fazer para mudar a sua situação. Não podem , com 70 ou mais anos, ir à procura de trabalho para compensar os rendimentos que o Governo agora lhes quer tirar. Choque de expetativas? Não, é mais um país a chocar com a parede!

Qual é, em suma, a credibilidade de uma política orçamental de um Governo que faz repetidamente o contrário do que prometeu, e que ainda por cima falha repetidamente todos os seus resultados? Que perde toda a austeridade para a recessão, e que de seguida, não retira nenhuma ilação, e continua no mesmo caminho?

Alguém pode acreditar nos objetivos deste Orçamento? Como pode o Governo achar que o aumento do desemprego e o profundo corte de salários e pensões vai benignamente garantir uma estabilização do consumo privado? Como pode o Governo considerar que o Investimento vai agora crescer, se os empresários, quando inquiridos, sempre referem que não investem, porque não há procura para os seus produtos? Mas alguém pode investir quando as classes médias e os pensionistas continuam esmagados pelo aumento de impostos, e vão ter ainda mais cortes de rendimentos?

 

Não, a única saída desta situação é parar com a adoção de novas medidas de austeridade recessiva. Dito de forma muito clara, se uma terapia de choque provoca tantos efeitos secundários, que o paciente está a morrer da cura, a solução é dar ainda mais uma dose, ou mudar a terapia?

E não se desculpem com a Troika. Se o Governo propôs à Troika a inclusão no Memorando dos 4.000 milhões de Euros de austeridade para 2014. Se, como ficou bem evidente na reunião da Comissão Parlamentar de Acompanhamento do Memorando, o Governo iniciou esta nova ronda de avaliação trimestral sem se entender quanto ao objetivo do défice para 2014. Como queriam que a Troika aceitasse alguma alteração de trajetória?

 

Não! O que se exigia do Governo nesta situação tão difícil, era clareza, coesão e liderança. Para mobilizar os portugueses e para convencer os credores de que outra estratégia era possível e necessária.

Mas este é um capital de que já não dispõe o Governo de Portugal.

Porque este Governo não é claro, é dissimulado, piorou aliás muito na nova formação governativa, com os rodriguinhos do Vice Primeiro-Ministro e os problemas com a verdade da Ministra das Finanças.

Coesão, essa degradou-se severamente no episódio da TSU há um ano, e perdeu-se em definitivo na crise política deste Verão.

Liderança, nunca teve, nem um líder dentro do Governo, nem capacidade de liderar e mobilizar o país.

É imperiosa outra estratégia orçamental, mas para tanto seria necessária outra capacidade de mobilizar o país, e até outros parceiros europeus, para lutar na Europa pela mudança de políticas.

Mas para isso o país teria que acreditar no Governo, mas para isso as políticas do Governo teriam que estar do lado do país. Já nada disso se verifica, e essa é a tragédia deste Orçamento.

Este Orçamento é assim a cara do Governo, pouco credível e muito deprimido. Afunda o Governo num mar de contradição, mas, pior, afunda ainda mais o país na recessão.

 

Dissimulação ou simulação?

 Ministra das finanças

 

– Chegou-se aqui por causa do que se passou antes de nós chegarmos aqui.

– Governamos para os técnicos da troica.

– Medida louca para reequilibrar a economia: imposto sobre o gasóleo.

– A economia vai crescer mais dos que desceu (o ano passado?).

– Desemprego é para 17%. Vai descer 17, 4%. Acertamos sempre.

– A dívida pública vai aumentar em termos absolutos e diminuir em termos relativos. Acertamos sempre.

– 2013: o défice de 2014 seria sempre o mesmo: 5, 8% do PIB.

– Coisas que o governo não controla: medidas de outros governos (está tudo explicado).

– Temos mais pensionistas, o que é uma “pressão orçamental” (eliminar os velhos?).

– Cortes: vamos também a outros que os velhos não deram para o gasto. A política estava certa, mas aquele buraco rapado não deu para tudo.

– 2014: redução da despesa pública (sempre previsto no memorando, sempre, salários dos funcionários públicos, cortes atuais e retroativos de pensões. Diz que estava no memorando). Deve haver por ali uma cópia do memorando original adulterado.

– Os 70% da despesa que são prestações sociais devem ser vistos como um ato isolado apresentado para desatar ao tiro.

– 3200 milhões de euros: chatices sociais.

– Funcionários públicos: redução entre 2, 5 e 14% a partir de 600 euros. Bem melhor do que em 2011, hum?

– Acalma-te: 600 euros é onde começam os ricos.

– Tribunal Constitucional: ainda não deu para ultrapassar o obstáculo.

– Subsídio de natal em duodécimos: é porque o governo sabe governar o dinheiro melhor do que aqueles que têm direito a ele. Não é por mais nada. Nadinha.

– Convergência, revisão das pensões de sobrevivência, cortes retroativos: tudo justo, equilibrado e motor do prometido crescimento económico.

– 300 milhões de euros na educação e outros na saúde.

Está tudo certo. Não havia mais austeridade.

É que é no plural: austeridades.

As taxas de IRS mais as novas é o quê? Os FP vão perder os dois salários com a conjugação de tudo.

Este OE é indigno: atacar FP que auferem 600 euros é querer uma declaração de inconstitucionalidade.

Vítor Gaspar não podia continuar a ser MF depois de 2 chumbos, certo?

Pelo menos foi o que ele escreveu.

Por quê este ataque insistente aos pensionistas?

Não estava nos compromissos eleitorais – antes pelo contrário – do governo, não estava no memorando da troica. Cada medida, para além de imoral, nunca melhorou em nada qualquer das metas do governo.

Por quê então assistirmos há dois anos a um ataque cerrado a quem recebe o fruto da contribuição que efetuou ao longo da vida? Por quê a insistência em desbaratar o princípio da proteção da confiança, esse que vai agarrando o contrato social? Por quê instigar à guerra social?

Por quê reduzir as deduções específicas em sede de IRS para os rendimentos de pensões?

Por quê roubar duas pensões em 2012 aos pensionistas?

Por quê roubar uma pensão em 2013 aos pensionistas?

Por quê somar a isto um aumento colossal das taxas de IRS?

Por quê a criação de  uma sobretaxa a pensionistas?

Por quê a a contribuição extraordinária de solidariedade?

Por quê, depois desta acumulação sangrenta de ataques, aumentar a contribuição dos pensionistas para a ADSE?

Por quê fingir que a isto tudo não acresce o corte nos serviços públicos, o aumento do preço dos transportes, a lei dos despejos (entre tanta coisa) que torna insuportável, de forma muito especial,  a vida de quem, já sendo velho e pensionista, ainda faz de segurança social privada acolhendo como pode filhos e filhas no desemprego?

Por quê tapar os olhos ao Povo com discursos cheios de palavras enguias fingindo que há um “sentido” em cortar retroativamente 10% pensões a partir de 600 euros ilíquidos , sim cortar isto a quem já acumulou toda a loucura que referi?

Por quê vir agora com uma vaga enunciação do corte retroativo das pensões de sobrevivência num discurso que esconde que também estas são contributivas?

Será, aqui, com uso dos exemplos de Mota Soares, tão ilustrativos dos  pensionistas de um país que se chama Portugal, uma tentativa de centrar o debate só num ponto a ver se o Povo se esquece de tudo o resto? 

Qual é a razão para esta barbaridade? A sustentabilidade da segurança social?

Mentira.

Como explicou hoje Vieira da Silva, esse é o álibi para fazer tudo isto aos mais frágeis, até porque, como também referiu, “apenas com as medidas fiscais e para fiscais o rendimento nominal  disponível da pensão média da CGA foi reduzida em mais de 8%  de 2011 a 2013. Um corte bem superior àquele que o Governo conseguiu na despesa corrente do Estado”.

Por quê, então?

Por quê saber que há milhares de pessoas concretas que fizeram, com base no princípio da confiança, planos absolutamente irreversíveis de vida e que agora levam tiros todos os dias?

Penso que sabemos, não é?

Silenciar o povo numa recatada comissão parlamentar

Há pretensos “episódios” muito importantes. É o caso daquele que se passou recentemente na mais nobre comissão da AR, a comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias (1ª comissão). Cada deputado é eleito para, em nome do povo, cumprir as suas funções, desde logo as que decorrem da Constituição (CRP) e dos regimentos das comissões a que pertencem.

Recentemente, como é prática corrente, a comissão de orçamento, finanças e administração pública (COFAP) solicitou à 1ª comissão, no âmbito das suas competências, parecer sobre a proposta de lei do Governo que estabelece mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social (PL), para ser sucinta. O parecer foi distribuído à deputada do PS Isabel Moreira, eu, portanto, tendo o mesmo sido chumbado, como era de esperar, com os votos contra do PSD e do CDS, em reunião do dia 2 de Outubro de 2013.

Na reunião referida, o deputado Hugo Velosa (PSD) sustentou que a relatora não tinha competência para considerar, no seu parecer, as normas constantes do artigo 27º da PL inconstitucionais (cortes retroativos das pensões). Para tanto, alegou que ficara “combinado” que a análise do relator teria de se restringir às matérias relativas ao pessoal da justiça e da administração interna. A deputada Teresa Leal Coelho fez uma interpelação à mesa no sentido de esclarecer o ponto alegado. O Presidente da comissão confirmou o evidente: o pedido da COFAP não se restringia a quaisquer normas e a relatora é livre de se debruçar sobre o preceito que diz respeito ao direito fundamental à segurança social, na medida em que, na sua liberdade, o tinha por violador da CRP. De resto, foi recordado o pelos vistos esquecido artigo 3º do regimento da 1ª comissão que lhe confere competências para apreciar a constitucionalidade de normas, nomeadamente de PL submetidas à sua apreciação por outra comissão.

No mesmo sentido, perante a alegação de que a “1ª comissão não é o Tribunal Constitucional (TC) ”, foi recordado o dever de zelar pela constitucionalidade das leis previsto na CRP e concretizado no referido preceito regimental, cujo espírito é este: permitir aos deputados da 1ª comissão, sem prejuízo das discordâncias democráticas normais, em parecer solicitado ao abrigo das competências referidas ou em qualquer parecer, antecipar inconstitucionalidades, porque ainda não estamos perante normas em vigor.

Chumbado o parecer e após a acusação desesperada de que o mesmo seria uma “pressão sobre o TC” (é bom ouvir alguém do PSD alegar isto) e de que eu estaria a tentar que um dia alguém me apontasse como juíza do TC (?), foi o mesmo distribuído ao deputado Hugo Velosa. Este deputado, que poderia, sem mais, ter votado contra por não concordar com o parecer, como fizeram os restantes deputados da direita, sem acusações pessoais, esqueceu subitamente todos os precedentes que invoquei, banais, em que outros relatores fizeram exatamente o mesmo que eu.

Chegou o dia de nos deleitarmos com o parecer do deputado angustiado com a democracia parlamentar. De forma inédita, dedica a quase totalidade do seu esforço a rebater o parecer chumbado (não há precedentes). Mesmo as normas que o novo relator defendera serem de apreciar, sobre as quais emite um juízo de constitucionalidade, apesar de ter considerado que não pode ser feito um tal juízo por um deputado da 1ª comissão (?!), são apreciadas esquecendo as normas implícitas às exceções. É pois um parecer limitado e, na sua limitação, excludente.

A apreciação – inédita, repete-se – de um parecer já chumbado (forma habitual, em democracia, de expressar a discordância em causa) resume-se a um conjunto de mentiras e inexatidões, acusações veladas de falta de seriedade intelectual da ex-relatora, e lamentos sobre as escolhas (nomeadamente bibliográficas) da ex-relatora, as quais, para espanto do deputado Hugo Velosa, não sendo as que o próprio escolheria, são de má qualidade e abraçadas por uma deputada “acrítica” e com preconceitos ideológicos.

É por demais evidente, lendo o parecer aprovado, que o incómodo feito em “opinião pessoal” do deputado Hugo Velosa não é com a simples regra democrática que lhe teria permitido pura e simplesmente votar contra um parecer. O incómodo, como se pode ler contrapondo os dois pareceres (de resto, um parecer e um projeto de parecer, já que foi chumbado), tem a ver com uma deputada, no uso da liberdade de análise confirmada pelo Presidente da 1ª comissão, ter o “atrevimento” de considerar, fundamentadamente, inconstitucionais as normas do preceito relativo ao corte retroativo de pensões. Esse tema, sim, é o elefante na loja de porcelanas.

Ainda que compreendendo o incómodo, mas não aderindo ao mesmo, é lamentável que o parecer do deputado Hugo Velosa ignore o papel da 1ª comissão na apreciação da constitucionalidade de normas em formação, a importância desse papel e o esclarecimento feito pelo presidente da 1ª comissão no sentido atrás referido. Ignora também o mail dos serviços enviado aos relatores indicando todas, todas as alterações efetuadas pela PL, para efeitos de redação do parecer, sem prejuízo da análise das normas do regime em vigor, como se refere (e eu só me referi a um único preceito. Mas era “aquele”).

Em democracia, e portanto em democracia parlamentar, a rejeição de diplomas ou de pareceres faz-se com o uso do voto e não com truques procedimentais para silenciar deputados ou mesmo, como foi o caso, para rejeitar a conquista longa dos poderes da AR e das suas comissões que concretizam o princípio da separação e interdependência de poderes.

Assim é, mesmo quando se está desesperado com o tema abordado. Assim é, mesmo quando se acusa em dias uma relatora de ser tão fundamentada que quer pressionar o TC ou ser juíza e depois de afinal ser “acrítica”, vaga, preconceituosa e escrever coisas que não escreveu, enfim, uma peça fundamentada em nada: talvez num espelho.

A 1ª comissão não é o TC: a CRP, o regimento e, antes disso, o povo sabe dessa novidade panfletária de mau guarda-redes. Continuarei, como outros relatores o fazem e fizeram, a explicar em parecer que me seja distribuído, a apontar as inconstitucionalidades que tenha por evidentes. É isso que a CRP e as normas da AR esperam de qualquer deputado. Quem não concorde, pois que vote contra. Quanto ao deputado Hugo Velosa, aconselharia o mesmo a não usar cortes retroativos de pensões gravíssimos, a usar a vida de pessoas concretas em desespero crescente, para caluniar o juízo livre de uma relatora. Espero que nunca mais se assista, na comissão que deve debruçar-se sobre os limites constitucionais destas medidas, a uma tentativa de censura que começa na calúnia e acaba no apagão das competências dos deputados.

É gravíssimo. E o povo deve saber disto.

No  “Público” de hoje.

Pensões: da dignidade esmagada

As pensões, segundo a direita, são despesa imediata e, como estamos em crise, e os princípios constitucionais têm de ter em conta a realidade, os objetivos normativos do governo não podem ser inconstitucionais. Por isso mesmo, alguns deputados da direita vão recordando o que é a interpretação evolutiva da constituição (CRP) e a integração na interpretação da CRP das circunstâncias de cada momento. Recordam assim uma banalidade que se aprende no primeiro ano de direito. O problema está em fazer das regras de interpretação constitucional regras de impossibilidade de um juízo de inconstitucionalidade sobre, por exemplo, o corte retroativo de pensões.

Isto é: alegadamente, os princípios constitucionais nunca foram densificados pelo TC, os direitos fundamentais são conceitos absolutamente indeterminados e vivemos fora da possibilidade de juízos de inconstitucionalidade.

Porque há a realidade.

Esta visão simplista esquece que o TC tem sempre em conta, como é evidente, na interpretação que faz de normas, o chamado contexto.

Assim se viu quando chumbou o corte de duas pensões e de dois subsídios de férias; assim se viu no chumbo, um ano depois, da insistência no erro; assim se viu no chumbo do diploma sobre a função pública; assim se viu no chumbo de algumas normas do código do trabalho.

Se a direita, que nos ilumina com frases vagas como “é preciso ponderação”, ler todos os acórdãos que referi, verificará que o TC tem sempre em conta o contexto.

Acontece que ter em conta o contexto não significa transformar a visão normativa de um governo acerca de correções a fazer ao contexto por si interpretado numa espécie de valor supraconstitucional.

Nem em estado de necessidade no verdadeiro sentido do termo (19º da CRP) a CRP é alvo de um apagão. E por acaso o estado de necessidade pode ser um contexto particularmente lixado, como uma agressão estrangeira, por exemplo.

Estou cansada de ouvir banalidades sobre como interpretar a CRP com o único objetivo de a pôr de lado.

 Gente que tenho por responsável a falar do princípio da proteção de confiança como se após 20 anos de jurisprudência ainda estivéssemos perante uma promessa sem conteúdo.

É o que se passa com o corte retroativo de pensões.

Classificar o pagamento de pensões e de reformas como dívida do estado a pagar imediatamente, é começar com um erro clamoroso. Do que se trata é de uma reposição que foi sempre feita ao longo do tempo, e por isso assegurada. A aldrabice nesta matéria começa logo na terminologia.

Para dar outro exemplo, lendo a proposta de lei, é dolorosamente fácil verificar como se deturpa a descapitalização da CGA. A descapitalização, através das entidades empregadoras públicas, desobriga, na verdade, e em muito, o Estado dessa transferência. Retendo para si o valor “poupado”, o destino deste último pode ser, por exemplo, aqui sim, o pagamento de dívidas imediatas.

De resto, na delineação dos objetivos prosseguidos pelo Governo, não é de afastar o risco de uma outra consequência do regime proposto, como vem explicando, por exemplo a Raquel Varela: os trabalhadores da função pública poderão receber menos do que os privados por causa das regras da convergência. A acontecer o referido, haverá fundamento para mais tarde se alegar que, estando os privados a receber mais do que os públicos, há que proceder a cortes precisamente à conta da convergência. É a isto que a Autora chama a convergência da miséria.

Mesmo não tendo nada disto em conta, mas apenas a jurisprudência do TC, se quiserem, só a produzida em tempos de crise, alguém compra uma lei que tem preceitos que roubam em 10% pensões de aposentação, de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a € 600,00?

Não me parece.

Antes tenho a convicção profunda de que este preceito e os restantes no mesmo sentido violam o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de adequação e necessidade (a medida ainda que admissível, tinha de ser sustentadíssima pelo governo. Isto é, a adequação do meio ao fim, a inexistência de alternativas, é ónus de quem faz a lei e não de quem a aprecia); o princípio da proteção da confiança (ínsito no princípio do estado de direito democrático e com vinte anos de densificação efetuada pelo TC (artigo 2º da CRP)); o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP); e o direito à segurança social (artigo 63º da CRP)

Isto tem de ser dito. Porque “isto” são pessoas idosas, desprotegidas, que recebem o que descontaram respeitando a lei, sem alternativa de vida e, ao que se soube de repente, duplamente oneradas se se atreverem a enviuvar.

É por isso que o princípio que justifica toda a CRP e que é torturado pelo governo é atacado na sua raiz mais profunda: dá pelo nome de dignidade da pessoa humana e anda nas ruas da amargura à conta de gente indigna e imoral.

 

 

 

 

 

A nossa diplomacia decente está salva: finalmente uma defesa honrosa de Rui Machete

 

Um artigo de opinião publicado no ‘Jornal de Angola’ defende que o ministro Rui Machete “pediu diplomaticamente desculpa pelas patifarias cometidas pelo Ministério Público” e acusa a Procuradora-Geral da República de agir fora da lei.

“Ao alimentar manchetes e notícias falsas que têm no centro figuras angolanas, o Ministério Público e a procuradora-geral da República (PGR) Joana Vidal puseram-se fora da lei. E deram esse salto arriscado, para atentarem contra a honra e o bom-nome de dois cidadãos que desempenham altas funções no Estado angolano”, lê-se no artigo de opinião assinado por Álvaro Domingos.

(Aqui)