Diz-se, e é verdade, que Marcelo morde como o escorpião. Ultimamente são inúmeras as vezes em que desafia, provoca, ameaça ou ressabia com o primeiro-ministro: ou porque embirra com João Galamba e quer que se demita só porque um esgrouviado de um assessor, na sua ausência, surripia o computador de serviço (objectivo: causar ruído, dar matéria à oposição), ou porque entende que o pacote de medidas para a habitação é um bom pretexto para fazer ver quem manda e fazer ele a oposição que o Montenegro não faz, ou, eventualmente, porque embirra com a ministra dessa mesma pasta, ou ainda porque decide “espicaçar” os sindicatos dos professores para os manter assanhados, criando problemas sérios ao Governo, que já dava o assunto da contagem do tempo de serviço por esgotado (e está), e sobretudo causando prejuízos aos alunos das escolas públicas (objectivo: instabilidade política), ou porque decide fazer dos conselheiros de Estado ouvintes das suas próprias conclusões prévias, enfim, este exemplar, no seu segundo mandato, não se contém nas ferroadas, nas tentativas de golpe e na exorbitação dos seus poderes.
O que acontece depois? Depois, vem a tomada de consciência do abuso, a contrição (mas só para si) e o recuo público quando “a sacanice”, para não lhe chamar outra coisa, ou o desrespeito da Constituição se tornam demasiado óbvios e se viram contra ele ameaçando-lhe a tão almejada popularidade (nem os seus colegas comentadores o poupam). Que não, que é muito amigo do Costa, desde há já muitos anos, do tempo da faculdade!, que as amizades são para manter (tese do amuo como que confirmada, apesar de falsa, mais uma sacanice), que entende apenas ser sua função repor os equilíbrios institucionais, leia-se “ataca quando acha que o seu partido não está a ser contundente o suficiente”, o que é pior emenda que o soneto porque não é esse, de todo, o seu papel, ou, quando confrontado com as suas jogadas totalmente infantis mas malévolas, entabula um discurso enigmático, que ninguém decifra, mas pode soar para alguns a grande sabedoria, discurso a que já assistimos noutras etapas comprometedoras da sua vida (como aquando da despenalização do aborto). Um farsante. Um farsante que se faz passar por querido, beija muito, anda ao sabor do vento e está convencido de que pode passar raspanetes. Azar: ao Costa não pode. O Presidente não governa nem vai responder pela governação em futuras eleições. Portanto, voltar ao seu galho é mesmo o melhor que tem a fazer.
Em suma, Marcelo está a ser má pessoa, sabe que está, mas, como é vulgar nestes casos, entende-se lá com o seu deus quanto às desculpas, para garantir que será perdoado. A cada conversa mística privada, fica lavado. Já beijou a mão do papa. Mas isso é até à próxima. Aposto que tanta lavagem lhe garantirá o céu, mesmo que cá na Terra se divirta a infernizar os outros só porque pode.
