Publicidade ao «Padre Nosso» nos cinemas: no mínimo, um péssimo momento

A Igreja Anglicana queria aproveitar a estreia do filme Star Wars em Inglaterra para publicitar a prática da oração ao «senhor». 80% das cadeias cinematográficas recusaram-se a exibir tal anúncio. A entidade que gere a maior parte da publicidade nos cinemas, a Digital Cinema Media, justificou a recusa do seguinte modo, de acordo com o Guardian:

Digital Cinema Media, […] has “a policy not to run advertising connected to personal beliefs, specifically those related to politics or religion. Our members have found that showing such advertisements carries the risk of upsetting, or offending, audiences.”

Concordo com a primeira parte da justificação e dispensaria a justificação suplementar. Começando por esta última, tem e não tem razão Richard Dawkins, o mais conhecido cientista ateu e ateu científico, citado pelo mesmo jornal, quando diz que quem se sente ofendido por este apelo tão inócuo merece ser ofendido (“I still strongly object to suppressing the ads on the grounds that they might ‘offend’ people. If anybody is ‘offended’ by something so trivial as a prayer, they deserve to be offended. ). Se for essa, a ofensa, a base da recusa, estamos de acordo em que é de repudiar a reação das cadeias de cinema. Já devemos ter ganho carapaça contra essa conversa. No entanto, há ofensas e ofensas, dependendo de quem publicita o quê em matéria religiosa. E isto leva-me à primeira parte, sobre a qual há mais que se lhe diga. Parece-me evidente que a política e a religião dividem as pessoas e não é do interesse de uma sociedade comercial que visa captar o máximo de audiências e, vá lá, de consensos quanto à qualidade dos produtos exibidos, o seu core business, começar por colocar os espectadores uns contra os outros ou suscitar a antipatia de parte do seu público. Depois, a religião é um assunto privado, de facto. Mas dir-me-ão que não há problema algum em publicitar um apelo de uma dada igreja à oração: quem adere, adere, quem não adere, esquece e passa adiante. Pois, a questão é que, por essa lógica, nada impediria os muçulmanos, todas as variantes incluídas, mesmo as mais aberrantes à luz dos nossos valores, eventualmente todas presentes em Inglaterra, de fazerem (ou exigirem) passar publicidade semelhante nas salas de cinema, em nome da liberdade de expressão e de culto e da não discriminação. No limite, todas as correntes religiosas do mundo poderiam querer passar mensagens antes do «Guerra das Estrelas» e outros filmes semelhantes de grande audiência, sobretudo jovem, e aquilo que até poderia ser uma disputa cómica correria o sério risco de trazer a religião e seus conflitos rapidamente à ribalta no mundo ocidental, onde felizmente jazem em paz há um par de séculos. E como foi difícil lá chegar.

Ó Church of England, não se metam nisso. Não nos faltava mais nada. Organizem uma sessão de Star Wars nas paróquias, seguidas de debate à luz da vossa teologia. Não era essa a ideia? Eu sei que não. Não era a mesma coisa? Pois não. Mas pensem dois minutos.

Francisca, a Holandesa

Daí que ontem me tenha surpreendido a comoção com que vi Van Dunem, com quem nunca na vida falei, a avançar, de forma que me pareceu particularmente altiva (imperial, apetece dizer), para a declaração e a assinatura. Tive a noção de estar a assistir a um momento histórico - quase tão importante, à nossa dimensão, como o foi a eleição de Obama nos EUA. E creio que também Van Dunem o sentiu - assim interpretei a maneira como, de olhos levantados, recitou a frase ritual.


Fernanda Câncio – “Uma ministra para a história”

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Para além do interesse que o artigo tem no seu todo e por si mesmo, esta passagem despertou uma especial curiosidade em quem, como eu, ainda não tinha visto as imagens da tomada de posse quando a leu. O vídeo das assinaturas está aqui – XXI Governo toma posse: Costa promete “alternativa realista” – no segmento das 16h05, e já o vi e revi mais de 10 vezes. Posso confirmar que Van Dunem se levanta, anda, fala, assina, volta a andar e senta-se. Mas não vi o que a passagem citada sugere.

Tenho a certeza de que, no caso de não ter lido a descrição da Fernanda, iria sentir e pensar o mesmo em que consistiu a minha experiência. Vejo uma mulher que avança descontraída, profere o juramento solene com calma profissional e regressa à cadeira no seu passo quase gingão. Trata-se de uma bela mulher. Bela pela projecção de confiança e serenidade. Bela pela aparência exterior, com roupa branca a reforçar o efeito cromático da tez e dos cabelos. E bela à Obama, no sentido de cool. Ou seja, não me ocorreria ver na sua presença nessa ocasião um qualquer manifesto político por estar a ser o primeiro cidadão de fenótipo africano a ser nomeado ministro em Portugal. O que vejo é uma pessoa cuja imagem exterior é sedutora.

Estava às voltas com esta comparação de subjectividades quando li A minha amiga é negra, de Ferreira Fernandes. É um texto onde também se reclama para a pose e modos de Van Dunem no acto da tomada de posse uma manifestação política de contexto e significado racial – embora esse aspecto apareça apenas no início do texto e como um elemento retórico, estético, sendo desconstruído no parágrafo final. Entre princípio e fim, as palavras do nosso maior cronista vivo dão-nos a conhecer um pedaço da sua vida em Angola, o qual fica como testemunho imperdível. E deram-me matéria para sustentar a minha percepção de alguém que encontrara pela primeira vez numa ocasião solene: esta família Van Dunem fazia parte da aristocracia angolana. Ou seja, a mulher que eu vira a deslocar-se de um lado para o outro no Palácio da Ajuda não tinha só uma echarpe elegante e uma voz pausada. Tinha berço.

Na variedade de olhares dirigidos ao mesmo rosto e ao mesmo corpo, não partilho da sensibilidade emocional da Fernanda a respeito da ocasião, talvez por não ser mulher, mas estou com ela na consciência da importância histórica de se entregar tão alta responsabilidade a uma portuguesa com África na pele e a Holanda no sangue.

Serviço público

Na quinta-feira, o Fórum TSF foi sobre “A polémica da sobretaxa”. Na abertura, foram passadas as últimas afirmações de Paulo Núncio no Parlamento, onde negou ter sido feita uma promessa eleitoral e onde se defendeu recorrendo à palavra “metodologia” – isto é, disse que a culpa pela trapaça não é dele nem de ninguém que ele conheça, é da “metodologia”. Minutos depois, no programa, passaram-se as declarações de Passos Coelho em campanha onde não só prometia os tais 35% aludidos como deixava no ar que se ia devolver tudo e mais alguma coisa. Para um retrato ainda mais completo: Gente que fez cálculos que batiam certo com a propaganda do Governo

Chamo a atenção para duas intervenções. A primeira, de Helena Garrido, a qual começa no minuto 19 da 1ª hora. Desde que está a dirigir o Jornal de Negócios, as suas opiniões passaram a ter um indelével travo a Cofina. Não sei se sempre foi assim embora não me apercebesse disso antes, até recordo ter dela uma imagem de opinadora que respeitava a nossa inteligência. Não é essa a avaliação que faço nos últimos dois anos. Nesta intervenção no Fórum TSF, aparece a relativizar e desvalorizar a ocorrência, disparando em duas direcções: contra a “classe política” e contra Paulo Núncio. Ou seja, isto aconteceu porque os políticos são todos iguais (entenda-se: os outros, os do PS, fazem o mesmo) e porque o Núncio é um tosco (ou seja, Passos, Portas e Maria Luís não têm qualquer responsabilidade, foram vítimas da inépcia do secretário de Estado). Pelo meio, ainda teve tempo para nos dizer que os cofres estão cheios; portanto, Costa, nem tentes vir com desculpas. Que dizer? Dizer que é um espectáculo triste ver alguém a mostrar que não precisa de ter honestidade intelectual para abrir a boca em público.

A segunda intervenção que realço é a de José Heitor, começando ao minuto 40 da 2ª hora, e a qual encerra o programa. Se não sabes quem é o José Heitor, o que faz ou fez e onde mora, estás como eu. Tinha umas coisas para escrevinhar a respeito mas faço apenas o convite para que se sinta – e se veja – o que a sua voz exprime. Eis um pedaço do melhor de Portugal.

Técnicas de guerrilha do Guerreiro

É a grande surpresa deste governo, com que António Costa consegue resolver ou pelo menos dissolver um problema bicudo: o caso Sócrates. A entrada de Francisca Van Dunem para a Justiça é praticamente à prova de bala do ponto de vista das suspeitas de interferência no processo, tendo em conta a sua reputação de seriedade e de coragem.


Pedro Santos Guerreiro

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Qual a importância do Expresso na sociedade portuguesa? Que significa ser-se, ou reclamar-se, imprensa de referência? Estas questões preliminares para enquadrar uma passagem, a que ninguém deu importância, inclusa num texto já esquecido 3 dias passados desde a sua publicação.

Santos Guerreiro não é um mero colunista, é o director executivo deste jornal. E o que podemos ler na citação está em português e não tem erros de gramática. Lá vem declarado que existem suspeitas de interferência no Processo Marquês a mando de governantes ou militantes socialistas. Segundo a sua opinião, essas suspeitas ficam mitigadas em grande parte, mas não desaparecem de todo. E tal diminuição do risco deve-se a qualidades de carácter aparentemente extraordinárias, ou raras, de “seriedade” e de “coragem”. Isto é, antecipa-se que Van Dunem vai ser contactada e pressionada, mas que irá resistir aos criminosos.

Resumindo, o director executivo do Expresso, num texto em que comenta da forma mais abreviada possível a nomeação de Francisca van Dunem para o cargo de Ministra da Justiça, considera que o mais importante é falar de Sócrates e dos interesses que existirão no Governo de Costa para o favorecer através de ilegalidades não definidas mas que pressupõem inevitavelmente a corrupção de agentes da Justiça, sejam procuradores e/ou juízes. Só uma natureza heróica atribuída à senhora pelo articulista é que poderá conter essas forças malignas.

Esta insinuação sonsa e caluniosa passa como normal no ambiente de decadência que a actual direita instaurou no espaço público, pelo que estar a falar do assunto é passar por tontinho posto que ninguém percebe onde esteja o problema. Entretanto, o populismo contra os políticos engorda enquanto uma classe jornalística de merda faz do poder mediático de que desfruta um espelho para narcisismos destituídos de ponta por onde se lhes pegue.

Pedro, de que suspeitas estás a falar? E, acima e antes de tudo, de que suspeitos? Os do costume?

Turcaria

O que é que passou pela mona dos turcos quando decidiram abater o caça russo? É um episódio que se presta imediatamente a sustentar teorias de conspiração, tão desvairadas como desvairada é a real situação no terreno em guerra, mas igualmente automática é a conclusão de ser algo que se torna muito provável dada a complexidade e o caos do conflito. Tal como nos acidentes por “fogo amigo”, há erros que acontecem no palco de operações militares apesar de todos os esforços para os evitar.

Neste caso, porém, parece haver outra origem para o ataque para lá de um qualquer procedimento disfuncional. Ninguém acredita que o piloto do F-16 turco tivesse tomado a decisão autonomamente, e ninguém acredita que o poder militar tivesse agido sem aprovação política. Pelo que voltamos ao quadro de giz na mão e sem saber o que escrever ou desenhar. Porque bastaria que os F-16 turcos se aproximassem do caça russo e gravassem a ocorrência para já se ter material para um protesto que daria para alimentar o caso durante o tempo que Erdoğan quisesse – e não haveria agora um piloto russo morto pelo que parece um absurdo gratuito, e ainda um Putin ferido na sua imagem de líder de uma potência militar muito superior à Turquia.

Como ouvi há anos a uma barbeira, o mundo foi feito um bocado à pressa.

O precipício do editorialista

O país entrou em bancarrota em 2011 e o Presidente da altura não era Costa Gomes, não era Ramalho Eanes, não era Jorge Sampaio, era ele mesmo, Cavaco Silva. Foi ele quem assinou muitos dos diplomas que vieram do executivo ou do Parlamento e que ajudaram a conduzir o país ao precipício.


André Macedo

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Não tenho forma de medir a influência, política e/ou social, de qualquer editorial de um qualquer meio de comunicação social. Seguramente, não deste do DN e do André. Mesmo que estivesse a olhar para os números dos eventuais leitores, não o saberia calcular. Mas desconfio que não movem montanhas. Pelo que o interesse é de mera curiosidade acerca dos mecanismos mentais que levam a este registo de permanente sectarismo.

Quem for leitor e espectador do André sabe que ele pertence ao grupo daqueles que utilizam a situação que levou ao resgate de emergência como arma de arremesso contra o PS e, em especial, contra Sócrates. Fazê-lo só se entende como vantagem do ponto de vista da actual direita, interessada desde 2008 em reduzir o combate político à culpabilização por resultados negativos na economia e finanças. Pelo que assim ficamos a saber do seu gosto partidário, mas nada mais. Que saiba, e penhoradamente agradecido ficaria se alguém me mostrasse estar errado, nunca o André explicou quais foram os factores da exclusiva responsabilidade dos Governos de Sócrates que possam ser objectivamente apontados como causadores do pedido de resgate. Porém, isso não o impede de martelar sempre que pode a tese da culpa do Governo português da altura. É o que volta aqui a fazer, voltando a nada explicar.

Compreendo facilmente que nada explique. Para o fazer, teria de despir o fato de editorialista que manda bocas da plateia montado no seu jornal ou na sua cadeira de estúdio e vestir o do investigador multidisciplinar. Para isso, ele já não terá tempo. Pelo menos. E com isso ficamos sem saber se, intimamente, acredita que teria sido possível evitar o que aconteceu quando aconteceu, bastando aos socialistas não terem feito aquela cena ou terem feito a outra. Como se esses socialistas não estivessem limitados pela Europa, não estivessem boicotados pela oposição e pelo Presidente da República e pudessem adivinhar o futuro. Às tantas, o André até acredita que foi Sócrates quem enterrou a Grécia, a Irlanda, o Chipre e mesmo a Espanha (embora aqui, não tendo conseguido levar o seu trabalho até ao fim), e nós não estamos a poder aprender com o seu entendimento da realidade.

Sim, a imaginação é coisa maravilhosa.

O gajo ainda aí está, preparado para tudo

O emplastro de Belém insinuou hoje que, até Março, ainda tem o poder de demitir o governo – para o que só poderia alegar que as instituições democráticas não estariam a funcionar regularmente. Não teve tomates para o dizer claramente, mas isso não escapou a Constança Cunha e Sá. Outros comentadores, mais ingénuos, viram naquela insinuação apenas a ameaça do uso do veto presidencial.

Preparemo-nos para o pior, porque o odre está a transbordar de ódio e é bem capaz de jogar a cartada da demissão do governo, mesmo sabendo que ela seria altamente controversa e desafiadora da Constituição – que em 1982 retirou ao PR toda e qualquer tutela política do governo. Cavaco sabe que (infelizmente) em Portugal nenhum órgão de soberania, incluindo a AR e o Tribunal Constitucional, tem o poder de verificar a inconstitucionalidade dos seus actos – os quais não seriam “sindicáveis”, como Portas pretendeu há dias! – e pode querer arriscar tal cartada, agora que está de despedida. Ele até já declarou que estudou todos os “cenários possíveis”…

Escudado na sua eleição por sufrágio universal (mencionou isso hoje) e na opinião dos compinchas que há anos o incitam a agir “perante a nação”, Cavaco conserva na manga essa possibilidade de hostilizar frontalmente o governo legítimo e a maioria do parlamento, mesmo correndo com isso o risco de lançar o país numa grave crise de legitimidade política.

Colunista doente

TVI24, 21.45. João Miguel Tavares não ultrapassa a obsessão com Sócrates. Ninguém, nem os comentadores da direita que ultimamente tenho ouvido, e são mais que muitos, se lembrou de pegar no tema da «proximidade com José Sócrates» para criticar os ministros ou os ministeriáveis do PS, sob a liderança de António Costa.

Que JMT tenha escrito, hoje, um artigo no Público a defender que quem algum dia tenha privado com Sócrates deveria estar interdito de aparecer em público, quanto mais integrar um executivo (então e o Costa?), enfim, o homem está treinado nisto, foi promovido por isto, isto é o seu ganha-pão nos jornais, há mais traumatizados como ele; mas não ter entretanto, em 24 horas, tido a capacidade para se recompor e ganhar alguma compostura e tino ao apresentar-se como comentador na televisão, pegando na mesma paranoia e insistindo em desenvolvê-la, já é mais preocupante, para além de espetáculo degradante da sua pessoa. E eu sou uma boa alma. Possivelmente acho que devia tratar-se. Na televisão, o absurdo acentua-se. Vejam o tal senhor Pedro Arroja, que perora no Porto Canal. Se escrevesse as extraordinárias baboseiras que por lá diz sobre a sabedoria das mulheres a fabricarem pénis, ninguém se incomodaria muito. Na televisão, é surreal. É um fenómeno. Um caso de estudo. Assim está o Tavares. Enxerga-te, menino. Ou pede ajuda.

10 anitos de iniciação à aprendizagem

Convencionou-se que o dia 25 de Novembro seria a data da fundação do Aspirina B, embora a primeira publicação tenha ocorrido dois dias antes. Em 2005, ano do lançamento, era o Luis Rainha quem regia a orquestra, tendo partido dele a ideia de criar este pardieiro. Talvez tenha partido dele, igualmente, a colagem ao 25 de Novembro, por oportunidade e subtexto. Se alguma vez falámos sobre isso, já o esqueci. O elenco inicial era retintamente esquerdolas, versão agitprop, daí a eventual graçola.

Há 10 anos, este blogue surgia como um híbrido. Ainda com a vitalidade do que era novo em Portugal, mas já marcado pela consciência de ser velho pelos que tinham começado nisto um par (ou dois pares) de anos antes. Em 2005, estávamos à beira de abandonar os blogues como locais da crescente socialização digital e migrar felizes e em massa para o Facebook já inventado e para o Twitter a inventar no ano seguinte. O que manteve a relevância sociológica dos blogues por mais um lustro foi só o calendário eleitoral e o facto de terem servido, à direita, como associações de apoio a doentes de socratopatias, agremiações de famintos do pote e colégios de pulhas profissionais até 5 de Junho de 2011. O que ainda resiste da outrora “blogosfera política”, à esquerda e à direita, está como a rádio local para as televisões nacionais. Existem umas coisas espalhadas por aí, mas ninguém a não ser os viciados e os malucos sabe o que lá se passa. Obviamente, há excepções nesta paisagem, conformes ao estatuto mediático dos autores respectivos.

Agora que se cumprem 10 anos, e umas palavras solenes se impõem como praxe, a minha atenção vai, primeiro, para os colegas de escrita que por aqui passaram, em tempos tão diferentes e com tão diferente motivação. Sem nada publicado, ninguém aqui viria parar. Para mim, prazer e honra por esta partilha de brincadeiras adultas, nuns casos, infantiloides, em muitos outros. Logo depois, a minha atenção vira-se para os leitores e comentadores. Em especial, para os que desapareceram e que fizeram parte desta estranha e mutilada forma de conviver. Alguns terão morrido, outros adoecido, algo estatisticamente muito provável. Mas a maior parte simplesmente não voltou porque se fartou passada a novidade, ou deixou de comentar porque perdeu o encanto e até a simpatia com as constantes vagas de agressividade demente que este canal de comunicação não só permite como acirra nas caixas de comentários. Outro factor é a inevitabilidade de se quebrarem os laços afectivos porque em algum momento algum autor deixou de representar uma qualquer preferência, ou passou a representar uma qualquer aversão, quebrando-se a confiança moral e o sentimento de identificação. Por fim, como força principal para a efemeridade das afinidades, a consciência implacável de que há muito mais e melhor para fazer com o tempo que resta do que estar a assistir à banalidade alheia. Pelo menos, é essa a minha opinião a respeito do que escrevo.

Existe um conceito grego que descreve o acto de expressar verbalmente a sinceridade do pensamento: parrésia. Foucault deixou-nos uma célebre reflexão sobre a sua importância – The Courage of Truth: The Government of Self and Others II – First Lecture – que é em simultâneo uma lição de política. O que está em causa nesse exercício é a ousadia de ser fiel à consciência mesmo que se arrisque o perigo máximo. Nesta celebração dos 10 anos deste passatempo irrelevante chamado Aspirina B, reclamo o mérito de ele servir para a iniciação à aprendizagem da parrésia. E que nos faça bom proveito.

Não podemos concordar mais, sr. Presidente

O aviso veio esta quarta-feira de manhã do Presidente da República: o mundo já não vive sem as tecnologias de informação e comunicação (TIC), mas “quando tudo se torna digital”, as instituições e a sociedade em geral ficam mais “vulneráveis à acção criminosa de indivíduos solitários ou de organizações, ao activismo político subversivo, aos conflitos entre Estados soberanos."


Cavaco, 2015

“Quem quiser conhecer a verdade – repito: a verdade; insisto: a verdade – sobre aquilo que diz e faz o presidente da República, basta ir ao site da Presidência. Lá, está a verdade.”


Cavaco, 2010

O mano Costa pede sangue

O mano Costa, inspirando-se no zeitgeist, quer ver cabeças a rolar. Vai daí, lançou uma campanha para que Cavaco vete ministros socialistas, pelo menos um: O Presidente pode vetar algum ministro? No artigo dá-se a ler a jurisprudência que coligiu entusiasmado de forma a que em Belém não haja dúvidas nem hesitações. Simultaneamente, consegue a proeza de ter dois artigos lado a lado, no espaço digital do jornal, onde defende posturas diametralmente opostas. Enquanto neste artigo promove o vale tudo contra os candidatos ministeriais sem necessidade de explicações por parte do Presidente, no Cavaco optou pela única solução que tinha canta o faduncho do formalismo, das regras constitucionais e do institucionalismo no afã de se justificar por ter defendido um Cavaco sectário e irresponsável. Não contente, ainda conseguiu pôr a anedota do Bernardo Ferrão a ir buscar Sócrates para o atirar contra Van Dunem. O mano Costa é mesmo aquela máquina a despachar serviço.

Ora, os candidatos socialistas a ministros de Costa exibem retintos e perigosíssimos socráticos. Santos Silva, Vieira da Silva e Capoulas Santos, qual deles o pior; e estes são apenas os mais cabeludos. O Capoulas carrega a chaga de ter sido a primeira visita de Sócrates em Évora. O Vieira da Silva também lá foi ao beija-mão. O Santos Silva, julgo que não foi a Évora, mas nem precisava. Estamos a falar de mais um Santos Silva, como se o outro bandido não chegasse, pelo que não é preciso dizer mais nada. Para além destas vergonhas que Costa foi desencantar só para afrontar o chefe de facção que ocupa Belém, é impossível que Cavaco já se tenha desmemoriado do que sofreu com esta gente quando os três eram auxiliares do Diabo. E para quem nada aprende e nada esquece, a pulsão para a vingança deve estar no máximo da força.

É para esse desfecho que o mano Costa trabalha. Não chega fazer exigências pataratas e indicar que não se indigitou o outro Costa para formar Governo. É preciso que haja mesmo sangue a valer. Foram 7 anos seguidos de impunidade e rancor para o líder da direita portuguesa, o ciclo tem de terminar num festival de pulhice – berra a claque paga pelo militante nº 1 do PSD.

Novo Governo – primeira boa impressão

 

A confirmar-se ser esta a composição do novo Governo do PS, parece-me bem pensada, para não dizer impecável, apesar de haver três ilustres desconhecidos para mim – nas pastas do Ambiente, da Administração Interna e da Ciência. Até João Soares me parece bem talhado para a pasta da Cultura. Não sei se é inédito uma procuradora do MP ser responsável pela pasta da Justiça, mas, se for, é uma curiosidade (e um risco) merecedora de ser acompanhada. Penso também que é boa ideia manter João Galamba no Parlamento, dado o fel que a direita segregará em modo desvairado. Conjugado com Pedro Nuno Santos, Galamba chamá-los-á ao planeta Terra. Pedro Marques, Maria Manuel Leitão, Capoulas Santos e Ana Paula Vitorino não poderiam estar noutro lado – ótima escolha e garantia de eficácia. Parabéns.

Primeiro-ministro – António Costa

Ministro da Saúde –  Adalberto Campos Fernandes

Ministra da Justiça – Francisca Van Dunem

Ministro-adjunto do Primeiro-ministro – Eduardo Cabrita

Ministro das Finanças – Mário Centeno

Ministro da Economia – Manuel Caldeira Cabral

Ministra da Presidência e da Modernização Administrativa – Maria Manuel Leitão Marques

Ministro do Trabalho e da Segurança Social – Vieira da Silva

Ministro do Planeamento e Infraestruturas – Pedro Marques

Ministro da Educação – Tiago Brandão Rodrigues

Ministro dos Negócios Estrangeiros – Augusto Santos Silva

Ministra da Administração Interna – Constança Urbano de Sousa

Ministro da Defesa – Azeredo Lopes

Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior –Manuel Heitor

Ministro do Ambiente – João Pedro Matos Fernandes

Ministro da Agricultura – Capoulas Santos

Ministra do Mar – Ana Paula Vitorino

Ministro da Cultura – João Soares

Secretária de Estado Adjunta do Primeiro-ministro – Mariana Vieira da Silva

Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares – Pedro Nuno Santos

Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros – Miguel Prata Roque

Saraivadas

Que saiba, não existem estudos, académicos ou outros, acerca dos efeitos sociológicos, mediáticos, antropológicos, e até psicológicos, que a presença de Sócrates na vida política portuguesa gera. Pelo que estamos reduzidos à observação avulsa, empírica e superficial. Mas, a existirem esses estudos, a figura e textos do Nuno Saraiva poderiam oferecer paradigmáticos exemplos do que acontece em grande escala.

Tome-se o seu último espasmo – Com amigos destes… – para análise. Trata-se de um editorial, primeira e significativa nota. Significa, portanto, que representa institucionalmente o corpo redactorial do jornal, a sua visão directiva ou posicionamento como agente político que emite opinião. No caso, a opinião pode sintetizar-se assim: Sócrates pretende prejudicar Costa e o PS. Em subtexto, a seguinte mensagem: Sócrates devia estar calado; isto é, não devia emitir opiniões políticas, não devia exercer os seus direitos políticos. A ligação entre uma coisa e outra, ou a razão pela qual o Saraiva se assume como defensor do PS, não fica exposta nem é fácil de descobrir. Se é que existe.

Pelo meio do texto, enchendo o chouriço, tropeçamos numa tese de arrebimbomalho. Afiança o Saraiva que Sócrates faz o que quer de Cavaco. E explica: ao ter falado neste domingo do chumbo do PEC IV, Sócrates acordou Cavaco da letargia, ou ter-lhe-á dado um sopro de alma, que resulta em mais problemas para Costa. Tivesse Sócrates ficado calado e o Sr. Aníbal nem percebia o que se estava a passar com essa malandragem do BE e do PCP que não é de fiar. O zelo e minúcia do Saraiva com este argumento foi tal que até deu ideia de querer à força que a sua carta fosse entregue em Belém. Para que depois ninguém dissesse que ele não tentou avisar a gente séria do palácio.

Esta estupidez tem método, no entanto. O Saraiva viu uma oportunidade e aproveitou-a. Só que tudo se resume a dizer que não gosta de Sócrates, que não suporta aquele gajo que insiste em aparecer por aí, e cada vez mais, e cada vez mais acompanhado. É muito aborrecimento junto. Ao menos, o Costa podia mandá-lo fechar a matraca, pensou o Saraiva. E toca de teclar. Ainda por cima, pagam-lhe por isto, assim se provando que há quem tenha mesmo encontrado o céu na terra.

A enorme maioria da opinião política publicada pelos editorialistas e comentaristas limita-se a este número. Dizer-se que não se grama fulano, sicrano e beltrano. E depois ficar agarrado a essa paixão enquanto houver força nos dedos.

Casos de estudo.

O regresso da múmia paralítica

O Presidente da República não estará presente na cerimónia do 5 de Outubro, porque terá de "se concentrar na reflexão sobre as decisões que terá de tomar nos próximos dias", disse à TSF fonte de Belém.

"Dado o atual momento político, o Presidente da República (PR) tem que se concentrar na reflexão sobre as decisões que terá de tomar nos próximos dias. Desta forma, não poderá estar presente na cerimónia comemorativa da Implantação da República", disse a fonte.


Fonte

Do mesmo autor da “Inventona de Belém”

Em 2009, Cavaco não impôs quaisquer exigências a Sócrates para o indigitar como primeiro-ministro de um Governo minoritário. Acima e antes de tudo, não lhe foi sequer perguntado como é que ele ia aprovar Orçamentos e passar moções de confiança. Isso não foi feito porque nesse tempo o que estava em causa era garantir que esse Governo minoritário fosse queimado em fogo lento, servisse de saco de pancada e tivesse apenas o tempo de vida necessário para que Cavaco obtivesse a reeleição.

De 2010 a 2011, com o início da crise das dívidas soberanas na Europa e o crescente risco de os juros da dívida obrigarem a um resgate de emergência, tal como acontecia na Grécia e na Irlanda e se previa poder acontecer inclusive na Espanha e Itália, não vimos Cavaco a contribuir para a estabilidade e a confiança, mas o contrário. Nesse tempo, usou o cargo presidencial para desgastar, denegrir e boicotar o Governo socialista, servindo-se da violência da crise internacional para influenciar o resultado das eleições legislativas que colocaram esta direita decadente no poder. Um dia, não resistirá a escrever como conseguiu destruir o diabólico Sócrates, indiferente a com isso ter lançado o País inteiro para a pior das soluções e feliz da vida por o ter conseguido fazer enquanto se vangloriava de estar acima dos partidos e dos políticos.

De facto, temos de reconhecer que Cavaco é um dos maiores defensores da estabilidade que o nosso regime democrático já viu passar. Infelizmente, tragicamente, a estabilidade que ele preza é a da pulhice. A sua.