
Mário Soares sabe bem que vai perder estas eleições. Mais: deve desconfiar que se arrisca mesmo à derrota maior: ficar atrás de Manuel Alegre. À laia de primeiro discurso de admissão do descalabro, já suspira que entrou na luta “tarde demais”. Mas a culpa não poderia ser só dele, claro; a Imprensa continua por certo no seu diabólico “exercício de falta de independência e isenção absoluta que certas televisões e certos grupos económicos têm tido a propósito de um candidato que querem entronizar a Belém”. No sítio do costume, as “provas” amontoam-se: agora é o Expresso com uma foto desagradável de Soares na capa, sendo que no interior do mesmo jornal assistimos a um contraponto doloroso: “Cavaco Silva em todo o esplendor, Manuel Alegre vigoroso, Soares amparado a sair de uma carruagem”. É demasiado, conclui o Ivan, preferindo ignorar que a caixa mesmo ao lado dessa foto aleivosa nos anuncia que Soares tem demonstrado uma “energia estonteante e uma lucidez que parece reavivar-se em cada dia”.
Há dias, João Miguel Tavares recordou o episódio, hoje já disseminado por milhares de dowloads, em que Soares se confunde ao falar de Ribeiro e Castro, “numa atrapalhação mental tão grande que ao pé dela até a gafe do PIB empalidece. Pergunta: porque não passaram essas imagens mais vezes? Porque é que elas, como aconteceu com Guterres, não foram repetidas até à exaustão?”
Muito boa pergunta, com efeito. E a resposta é simples: a comunicação social continua a proteger Soares. Mas de forma diversa da do passado. Hoje em dia, protege-o de si mesmo, finge não reparar nas suas gaffes — ou menoriza-as — e olha para o outro lado quando os sinais de menor agilidade mental sobem ao palco. Em off, os jornalistas gozam o espectáculo e divulgam episódios cómicos pelos amigos; face à sua audiência, reprimem as histórias, omitem os pormenores, fazem de conta de que pouco se passou. Por isso o lapso de Guterres foi notícia, por isso o de Soares circula quase clandestino pela net. É que a idade de Mário Soares continua a ser o interdito absoluto de todos os comentários à campanha eleitoral; não devemos apontar muitos holofotes para um deslize pois tal pode ser visto como crueldade ou, pior ainda, como uma referência velada à idade avançada do candidato.
Aos soaristas, no entanto, esta cosmética por omissão já não basta. O que eles gostariam mesmo é de manter um filtro rosado permanente sobre o seu candidato: Soares surgiria sempre confiante na vitória, enérgico e a dispensar amparos, fluente, heróico e quase sobre-humano nas suas virtudes.
O pior é que as máquinas fotográficas continuam menos submissas a decoros, pudores e outras subjectividades. Dia após dia, elas teimam em dar-nos — com a anuência de editores implacáveis, é certo — o retrato de um ancião triste e consciente da aproximação de uma derrota anunciada.