Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Mereceremos nós isto?

Almanaque1906-2005_76.jpg

FCP_76_Tenis1.jpg

CamisolaPrincipal0506_76.jpg

Segundo consta, tudo está em aberto no campeonato. Tudo. Agora mais que nunca. Acredite-se: não é que tal coisa me tire o sono. O meu mundo gira, ou emperra, sem futebol. Mas não posso ignorá-la, a essa modalidade de desporto. E aí está um lado precário, e estranho, da minha existência.

Tenho gente próxima, e querida, que desvaira pelo Sporting. Tenho gente próxima, e que estimo, que sofre do Benfica. E este sofrimento, e este desvaire, tornam-se, por vezes, meus. (Também tenho gente estimada, e mesmo querida, que adormece e acorda com o Porto. Mas já me chegam dois problemas). Por tudo isso, quereria eu tanto que o Sporting ganhasse o campeonato. Por isso, eu seria tão feliz se o Benfica tivesse tal dita. Mas não pode ser, e um lado de mim ficará ovante, enquanto outro romperá chorando. (E não venham dizer-me que, se ganhar o Porto, um lado qualquer se consola. As coisas não são assim tão lineares).

Em momentos de lucidez, penso que, se não houvesse futebol, as pessoas andariam mais contentes. (Se não houvesse sexo, também, mas isso já nos leva muito, mas muito longe). Terei, pois, de aceitar que o meu mundo se divida entre os dum clube e os do outro. É um factor de desordem, num universo que eu supunha tão aprimorado.

Daqui a uns meses saberemos mais. Saberemos tudo. Tudo? Não. Em Setembro, vai renascer a desordem. E o desvaire. E o sofrimento.

Nós merecemos isto?

Peloponeso mensal

A TSF emite em directo os Debates Mensais na Assembleia da República. Foi assim na passada sexta-feira, Sócrates contra os exércitos de uma Oposição espartana em oposição. Estou certo de nunca ter ouvido alguém, fosse onde fosse e quando fosse, a soltar palavra e vagido que sequer por lapsus linguae ou homofonia se relacionassem com esse acontecimento onde a democracia se realiza numa das suas mais transparentes e nobres modalidades. Coisa para lamentar, pois o Debate Mensal assistido pela TSF é um misto de teatro radiofónico com escutas telefónicas. Há informações que só o timbre de voz consegue transmitir, passando despercebidas na mistura com a imagem.

Sócrates é muito irritante. Tem uma pose sempre no limite da arrogância possidónia, tendência que se tem agravado com a idade e os papéis do poder. Mas Sócrates torna-se simpático quando se irrita; o que lhe acontece com facilidade, de resto. Aí, o seu temperamento sanguíneo tem uma genuinidade que se distingue dos artificialismos da circundante pandilha. Sente-se-lhe o gosto em passar responsos paternalistas, exercício que atinge o auge quando a vítima é Marques Mendes. A sua voz também se modula de acordo com a bancada do interlocutor: o CDS é tratado com indiferença fria, o PSD com agressividade cúmplice, o PCP com petulância agastada e o Bloco com bonomia agreste. Toda uma paleta de fluxos emocionais a moldar a expressão retórica, desvelando matrizes e ofuscando paradigmas.

A oratória como virtude guerreira é noção que remonta a Homero. A virilidade convém ao político, ontem como hoje. Mas os Debates Mensais ainda não revelaram guerreiros dispostos a arriscar a vida pela Cidade. E os persas já iniciaram a sua maratona.

Tal como

Tal como a saúde é apenas a ausência de doença, e só se dá por ela quando falta, também a vitória é para mim difícil de gozar, exuberantemente, porque é apenas uma derrota que não acontece, embora se acontecesse doesse muito. Vem isto a propósito do Benfica-Sporting do mês passado, que os leões venceram galhardamente por 3-1, mas que não me deu, confesso, senão um prazer moderado, discreto e não contagioso, na sua aparência superficial e em todo o caso imcomparável à depressão abismal para a qual uma derrota sportinguista me teria atirado. Se perguntado, direi que padeço de um excesso de civilização que me impede de exteriorizar o prazer que sinto, mas a secreta verdade é que também não senti nenhum prazer por aí além. Eu devia fazer-me sócio de um clube péssimo, uns underdogs sem esperança que estivessem sempre na mó de baixo (e que eu abandonaria sem contemplações se ameaçassem subir para a de cima), porque acho que é o meu amor pelas causas perdidas que me leva a desprezar as vitórias: querendo por princípio ver a minha equipa vencedora, é afinal no sofrimento que as suas derrotas me causam que eu, perversamente, pareço recobrar as minhas forças. Mas dar mais importância à dor da derrota do que à alegria da vitória, desperdiçando de passagem a modesta felicidade que o futebol, espelho da vida, nos oferece às vezes nas tardes chatas de domingo, não será recusar a graça e deixar que o lado negro da vida oculte o que nesta abunda de claro e luminoso – como sucede, por exemplo, com as doenças de Inverno, que parece que nunca mais acabam, mas depois, quando fazemos bem as contas com um calendário à frente, percebemos que não duraram mais do que um par de semanas num ano inteiro? O problema é vasto: inclui como ficou visto a tradicional questão do tempo psicológico e da sua relação com o tempo real (bem conhecida dos torcionários, por exemplo, peritos em transformar uma maldade de segundos num sofrimento de séculos), mas não só: também a questão da memória selectiva, que opera tanto em função da intensidade da experiência como do momento em que ela ocorreu (de onde o particular cuidado que, sendo possível, deve ser posto na preparação da morte, visto este acontecimento, por definição o último e o mais intenso da vida de cada um, condicionar de forma decisiva a maneira como o de cujus, após um derradeiro olhar sobre o passado, determinará o sentido da sua extinta existência); enfim, prende-se igualmente com a físico-química dos gozos e com a questão da sua intensidade óptima, bem como da oposição que se estabelece entre prazeres suaves e paixões aflitivas (ou aflições passionais, como se queira): ri melhor quem ri mais alto? Fode melhor quem abana mais a cama? Come melhor quem come mais, ou mais caro ou mais depressa, e depois fica mal-disposto, pobre e flatulente? Há todo um mundo de questões que o saber moderno ainda não conseguiu resolver.

OS NOSSOS FILHOS DA PUTA

Syriana_onesheet[1].jpg

Syriana é um filme que revela o óbvio: os regimes Ocidentais são cúmplices das ditaduras mais torpes e corrompidas do planeta em troca de petróleo. O Fundamentalismo religioso é um germe de uma doença grave que tem na falta de democracia, na miséria e no desespero o seu caldo de cultura. Em nenhuma região do mundo a democracia progrediu tão pouco como no Médio Oriente. O petróleo tornou-se numa maldição negra. Em troca destas reservas de combustível os Estados Unidos da América apoiam regimes feudais como o da Arábia Saudita, fazendo recordar a grande máxima da política internacional cínica e realista que sempre norteou esta grande potência: quando perguntaram, salvo erro, ao Presidente Truman o que pensava do líder da Nicarágua colocado pelos Estados Unidos, o Presidente Somoza Garcia (pai do Anastásio Somoza corrido pelos sandinistas), Truman respondeu com astúcia: “é um filho da puta, mas é o nosso filho da puta.”

Bush é solúvel pelo riso?

Car.bmp

Ao contrário de outros pontos do planeta, em que a História acontece como uma tragédia e repete-se como uma comédia, a América Latina é uma região do globo em que a tragédia e a comédia coexistem no tempo e no espaço.
Por vezes, o humor é completamente involuntário, como a Bíblia em hebraico mostrada numa exposição da polícia política brasileira, durante a ditadura, como “material subversivo em língua chinesa”, mas muitas vezes, o riso é um escape contra a repressão e a adversidade – uma espécie de seta atirada aos céus para protestar contra os deuses.
Para além do “nosso filho da puta”, lembro-me de quatro historietas edificantes e uma moral da história:
1. Os latino-americanos costumam citar uma frase atribuída ao ditador mexicano Porfírio Dias que resumiria grande parte dos seus dramas: “ o problema do México era estar muito longe de Deus e muito perto dos Estados Unidos”.
2. Consta que durante a ditadura de Pinochet, encontraram-se numa recepção diplomática o ministro da Marinha do Paraguai e o ministro da Justiça do Chile, tendo o chileno perguntado ao paraguaio porque razão o Paraguai tinha Ministério da Marinha se não tinha mar, a que o ministro respondeu, com lógica, mais estranho, do que isso, é o Chile ter Ministério da Justiça…
3. Numa colectânea de anedotas anti-comunistas, o membro do Politburo do Partido Comunista de Cuba Abel Prieto regista uma anedota elucidativa: Perguntaram a um cubano quais eram os três triunfos da revolução, o cubano respondeu rápido: a educação, a saúde e o desporto. Fizeram-lhe uma segunda pergunta, quiseram saber quais eram os três principais falhanços do regime de Fidel Castro. O cubano pensou durante um tempo e disse: o pequeno-almoço, o almoço e o jantar.
4. Qualquer habitante da América Latina olha com inveja para o poderoso vizinho do norte. Uma das características mais faladas é a ausência de golpes de Estado na América do Norte. Depois de muito estudarem, os investigadores nativos concluíram uma razão de peso: em Washington não há embaixada dos Estados Unidos da América!
Nos últimos tempos, “o pátio das traseiras dos Estados Unidos” tem dado más notícias ao presidente George W. Bush. Sobre as dificuldades de reacção dos Estados Unidos correm duas versões: a primeira diz que os EUA têm estado demasiado ocupados no Médio Oriente para dar atenção à América Latina. A segunda, afirma que os Estados Unidos foram para o Médio Oriente para não terem de pensar na América Latina.
A verdade é que as sucessivas Administrações, o FMI e o Banco Mundial fizeram mais pela revolução, com a famosa doutrina de Washington, que muitos anos de propaganda comunista.

Muito bem acompanhados

portugal_loves_galicia.jpg

O excelente Portal Galego da Língua noticia aqui uma Semana da Galiza em Braga, de interessante programa.

Ainda demora. Mas é bom ir-se a gente habituando à ideia de que o nosso contacto com a Galiza tem este efeito inesperado: de repente compreendemos melhor este nosso tão simples, e para nós tão óbvio, País.

A Galiza faz parte de um Estado, enquanto que, aqui, o Estado somos nós. Tem uma língua, uma das «línguas espanholas» (escreve a Constituição vizinha), língua que é tão «espanhola» como a nossa. Nicles, niente. Tem um anseio de afirmação frente ao Grande Resto que bem nos serviria de inspiração, a nós, que deixamos o Grande Resto ditar-nos coisas.

Enfim, descobrimos que não estamos sozinhos, que estamos até muito bem acompanhados.

A Galiza é o nosso melhor livro de boas maneiras. Parabéns, Braga.

Pifei a ilustração aqui.

Memória auxiliada

Um amigo meu, de um um grupo que está contra a passagem da antiga sede da PIDE para condomínio de luxo, foi interrogado e vai a tribunal. O grupo dele pretende que as pessoas recordem o que foi a PIDE. Entre outros crime relevantes é acusado de ter interrompido a passagem de carros durante um minuto. Pode-se dizer que, para a memória, o ministério público é melhor que as pílulas de alho do Dr. Rogoff (?).

Sem acentos

Depois de entregar, no aeroporto das “baratas”, quinze bloquistas, para seguirem viagem para o Sahara Ocidental. Encontro-me no meio de Madrid num meio de um carnaval estranho de um bar alternativo,chamado “Ladinamo”. Está tudo mascarado. Eu “vou à internet”. O computador tem como sistema operativo o Linux, e eu, reformista de MAC, estou longe da vanguarda. Leio com estranheza o texto do Fernando sobre um Joel que nem sequer conheço. O mundo é pequeno e Portugal é minimo. Eu cá, até posso aceitar que o tipo é um excelente pai de família e que tem um canídeo que gosta muito dele. Eu estou farto é de entrevistas em tom de engraxatório e de textos sem raiva, nem nada. Mas ainda bem, Fernando, que tu o adoras. O amor é o sentimento mais belo do mundo.

Generation U

Longe de mim sugerir seja o que for. Mas outro dia entrei na Livraria Portugal e vi expostos estes romances, todos recentíssimos, todos (suponho) de autores portugueses: «És o meu segredo», «Pede-me o que quiseres», «Não me digas que foi um sonho», «Não me contes o fim». E isto fez-me pensar. Não me perguntem o quê. Eu próprio não sei. Mas talvez alguém saiba.

Sucedeu no Sheraton

Sheraton.jpg

Há-de julgar-se que não, mas as coisas passaram-se exactamente assim.

Eu queria escrever uma charla (esta mesma) sobre um texto contido num site que descobri, do jornalista Joel Neto (o link vai aí não tarda), onde ele reúne trabalhos que publica, e onde vi referido «NS», que supus (e bem) ser a revista onde ele agora escreve. Não tendo ainda a certeza disso, digito no Sapo «joel neto ns», e que vejo eu logo a oferecer-se? Isto do Nuno Ramos de Almeida, a cuja leitura o destino me havia poupado.

Tinha agora uma certeza que não tivera, a de que «NS» era a revista onde o Joel Neto actualmente escreve, e tinha também um problema: a opinião sobre ele do meu prezado colega aspirínico. Como acho o Joel um magnífico jornalista (mas eu sou suspeito, porque não sou do métier, e sou ainda por cima amigo dele), fiquei desolado com o que o Nuno escreveu e em que vocês entretanto ficaram (e bem) entretidos, deixando-me aqui a falar sozinho.

Tudo isto é tortuoso? É. E porquê? Porque eu não queria falar da «NS» (que nunca vi, de resto, pois não chega cá tão longe), nem do Nuno, nem propriamente do Joel, nem sequer, imagine-se, do site dele que aduzi. Que queria eu então? Só isto: recomendar-lhes o texto «Lisboa vista de cima», um retrato de Vasco Graça Moura como tão depressa não o verão, já que, em entrevistas, ele diz só o que pretende passar e, quando retratado, fascina o jornalista.

Ora, pela primeira vez, alguém, o Joel, faz a VGM um retrato despido de reverência. Resultado: saem os dois a ganhar.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório