«Já esta tarde, o juiz da Relação informou no processo que analisou melhor os autos e que, afinal, o destino do processo já não seria o mesmo: "o processo terá que ser remetido ao tribunal "a quo", o Juiz 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de ser remetido à distribuição para julgamento no tribunal competente.", lê-se no despacho a que a SIC teve acesso.»
Aqui temos o juiz desembargador Francisco Henriques a dar-nos uma valiosa lição de psicologia judiciária. Tomando a sua palavra como boa — isto é, honrada; condição necessária à sua função e estatuto enquanto juiz — há realmente casos em que se analisa melhor os autos. Sim, há. Ele acaba de assumir. E daí podem até resultar coisas do camandro. Neste episódio na berlinda, o que no final da semana passada tinha sido uma decisão ilegal, assinada com o seu nome, é no começo desta substituído por uma decisão legal, igualmente com o seu nome. Tudo graças ao poder de análise dos autos quando exercitado no seu melhor; ou, quiçá, só um bocadinho melhor. Essa parte já não esclareceu.
Mas não estaríamos a fazer justiça a esta sumidade da Justiça se nos ficássemos pela metade da história que nos conta. É que a lógica impõe haver, simetricamente, casos em que os tais autos se analisam pior. Quais são eles? Ora, só há uma resposta: todos os casos, absolutamente todos, em que não se analisaram melhor os autos. É fácil de perceber, cada um pode fazer na sua cachimónia o teste. Calhando estarmos em vias de ir parar a um tribunal, e sabendo que nos pode sair na rifa um de dois juízes, qual seria aquele que tentaríamos com toda a legitimidade recusar? Pois, pá, o que tivesse a fama de não analisar melhor os autos. Porque, como ilustrou galhardamente o juiz desembargador Francisco Henriques, saltando da cartola um juiz desse calibre ficamos sujeitos a que ele nos queira tanto tramar que até assina decisões ilegais. Não porque seja má pessoa, não. Não, não. Apenas porque, por qualquer razão da sua vida profissional ou pessoal, não analisou melhor os autos e, consequentemente, lá pensou com os seus botões que nós merecíamos ir de cana o mais rápido possível, sem perder o seu precioso tempo a limpar o pó aos calhamaços e consultar as leis.
A que se pode comparar a gravidade do que está aqui exposto: isto de um juiz, desembargador e tudo, precisar que o alvo da sua ilegalidade faça uma conferência de imprensa, e um canal de televisão questione o Conselho Superior da Magistratura, para achar que devia passar o fim-de-semana a estudar Direito, de forma a conseguir justificar o seu salário, e as benesses, na segunda-feira seguinte? Só a um médico que começasse a amputar a perna esquerda do paciente e depois, perante o alarido à sua volta da vítima e dos enfermeiros, voltasse a analisar melhor os relatórios clínicos e lá concedesse que era melhor amputar a perna direita, até porque era aquela a precisar mesmo dessa intervenção. E tudo na maior, venha o próximo para a sala de operações.
Façam conferências de imprensa caso precisem do juiz Francisco Henriques a decidir cada vez melhor, eis a lição.