Porque é que as mulheres ganhavam tradicionalmente menos do que os homens e, por isso, em muitos casos, continuam a ganhar? Ao contrário do que afirmam certas feministas, não era por uma questão de discriminação em si, de subalternização ou de formatação educativa para a obediência e consequente exploração. Era simplesmente porque as sociedades se organizaram durante milénios em torno do trabalho braçal, que exigia força física. E havia as guerras, que exigiam mais força ainda, espírito combativo e agressividade. E, a par disso, havia as crianças, que precisavam de ter quem cuidasse delas (não havia creches) e, já agora, quem as gerasse e parisse, tarefa que competia e ainda continua a competir exclusivamente às mulheres, que exigem sossego. São milénios de separação de funções com base na biologia – maior potência e exigência física para os homens, mais sedentarismo, domesticidade e empatia para as mulheres (não me venham com as amazonas; há sempre excepções). Isto, obviamente, não tem nada que ver com capacidades intelectuais, note-se. Nesse campo, nada prova que a igualdade não tenha sido sempre total. Infelizmente, tanto uns como as outras viram o desenvolvimento e aplicação dessas capacidades coarctadas durante milénios pelas imposições da luta pela sobrevivência. Pelo menos as mulheres e os homens das classes inferiores (o que equivalia à quase totalidade da população mundial). Milénios disto. Mesmo com a industrialização, continuou a ser requerida mais força (e resistência e assiduidade) aos homens do que às mulheres. Era, portanto, considerado “natural” remunerar ou só os homens ou melhor os homens. Eram os tempos em que a reprodução (incluindo os ciclos lunares das reprodutoras) não tinha um valor social, hoje em dia fundamental, de perpetuação da espécie. Nem valor de mercado enquanto produtora de consumidores. O respeito por essa função só agora começa a surgir.
Mas o mundo, a ciência, os conhecimentos históricos, a tecnologia e a sociedade foram evoluindo. Hoje, nos países ocidentais, os mais evoluídos, teme-se a extinção da nossa espécie, há pânico com a baixa taxa de natalidade. O indivíduo em si e as crianças em particular são muito importantes por razões óbvias. As mulheres contam como indivíduos e querem a sua independência; construíram-se creches (não em todo o lado, mas em muitos sítios); há partilha de tarefas domésticas; os trabalhos, na sua maioria, graças à maquinaria, já não exigem grande força muscular e, também por isso, os salários a nível das fábricas, dos serviços, do ensino, da investigação, etc., foram-se nivelando entre os sexos. Apesar disso, subsistem diferenças, sim. Continua a haver mais homens do que mulheres em cargos de chefia, por exemplo. Certo. Mas será porque as mulheres são discriminadas a esse nível só por serem mulheres, como pretendem as feministas? Não me parece. As mulheres que querem mesmo chegar ao topo de empresas, de administrações, etc., e têm disponibilidade para isso (coisa que a maior parte ainda não tem, ou não tinha em etapas importantes da carreira, perdendo um bocado o comboio), são livres de o fazer e é um facto que o fazem. Mas nem todas têm esse objectivo na vida. E deviam? Para muitas feministas, parece que sim. Não só deviam como parece que é obrigatório. Dito isto, nada tenho contra as quotas como incentivo, além de terem em conta também a maior longevidade.
Há, portanto, inúmeras razões para as diferenças salariais e profissionais actuais, não se tratando em todos os casos de discriminações puramente em função do sexo, como acontecia (e infelizmente ainda acontece) em função da raça. Há justificações de ordem biológica, organizativa, pessoal e outras, embora hoje em dia já ultrapassáveis e a sua rejeição aceite. Mas eu diria que a força física e a questão da gestação não se encontram ainda de todo arredadas da problemática da “condição feminina”. Porque é que, por exemplo, as raparigas devem ter medo de andar sozinhas em zonas isoladas ou a certas horas? Pela mesma razão por que um rapaz franzino deve ter medo e certamente tem. Com a agravante de as raparigas poderem engravidar, poderem ter de abortar, poderem ficar com um filho inesperado nos braços, enquanto o pai “dá à sola”. Os potenciais atacantes, por serem homens, são mais fortes fisicamente (mesmo que saibamos que a seguir vão presos, ninguém gosta de ser maltratado). Se não fossem (mais fortes), qualquer empurrão ou pontapé os afastaria. Aliás, se não fossem mais fortes nem sequer atacavam. Concordo que se lute por medidas a montante, ou seja, para que se corrija e dome nos mais fortes, através da educação, o instinto animalesco e que se trabalhe a nível das próprias autoridades para que haja mudança de mentalidades, e também a jusante, ou seja, que se tornem mais pesadas as penas para os abusadores. Penso que acabaremos por lá chegar – ao respeito total – e, por cá, até já estamos a léguas de distância de certas regiões do mundo, como a Índia, por exemplo. Há muito a fazer para lutar pelo respeito do outro, sobretudo do mais fraco, e contra a violência.
Mas enquanto certas feministas insistirem em que não há qualquer diferença biológica entre homens e mulheres, o objectivo da luta está minado e estão condenadas a serem ridicularizadas e a perderem credibilidade nas lutas verdadeiramente importantes. Está cientificamente provado que há preferências inatas diferentes nos miúdos, na esmagadora maioria dos casos, a nível dos brinquedos e das brincadeiras.
Ao ouvir a entrevista que o Daniel Oliveira fez a Fernanda Câncio, uma feminista, verifico que esta está, de facto, a sujeitar-se ao ridículo e predisposta a eternamente acusar de incompreensão os outros (“atrasados, que ainda não perceberam nada”). E sem razão. Dizer que não há qualquer diferença biológica e, por isso, comportamental, entre homens e mulheres é o mesmo que dizer que não há qualquer diferença entre homens hetero e homens homossexuais ou entre mulheres hetero e lésbicas. Intelectualmente não há nenhuma, atribuível ao sexo, entre qualquer ser humano. Isso é evidente. Mas biologicamente, hormonalmente, há, claro que há. Tanto há que há quem se sinta atraído/atraída e também afastado/da pela diferença. Não vejo nisso um problema. Mas a que propósito se pensa que para lutar pela igualdade social entre os sexos se devem considerar os mesmos biologicamente iguais? É um absurdo. Considero-me hetero. Sempre achei e sempre apreciei que os homens com quem me relaconei fossem diferentes de mim. No geral, “mais quadrados” e mais previsíveis, menos expressivos, mais “frios” e também mais seguros. Para floreados cá estou eu, foi o que sempre achei. Em boa verdade, é a diferença que atrai. Se eu gostasse de uma pessoa igual a mim, provavelmente era lésbica. E ninguém teria nada com isso.
Kevin Spacey e o afastamento da série
Também ao contrário do que se diz na entrevista, o afastamento de Kevin da série “House of Cards” não foi uma punição da indústria cinematográfica por comportamentos abusivos (e, portanto, uma possível e discutível confusão, segundo o Daniel, entre a vida pessoal do actor e a sua vida profissional). Muito menos, como diz a Fernanda, por haver o perigo de os pais de miúdos que com ele contracenassem temerem o seu carácter predatório (coisa que na série em questão nem tinha oportunidade de acontecer (pelo menos até ao episódio onde parei), dada a personagem, mas enfim). Acontece que, quem faria essa punição seria, e os produtores sabiam-no, o público. O homem abusava do seu poder enquanto actor famoso, tal como outros hoje em dia já conhecidos. A partir daí, como quase tudo na América, era uma questão de dólares – a série deixaria de render. Ponto. É esta a relação entre a vida pessoal do actor e a sua carreira profissional. Uma questão de receitas. Claro que, se Kevin Spacey se lembrasse de continuar a importunar jovenzinhos, arriscava-se a ir preso, o que também seria mais um prego, definitivo, no caixão da sua carreira artística e um mau nome para a produtora, que também quer continuar a produzir séries que as pessoas vejam. A fazer dólares, portanto.
Em suma, lutar pela igualdade de direitos e deveres (nomeadamente parentais), pelo respeito pelo outro e contra a violência e o abuso de poder (físico e outro) é uma coisa. Para isso, dizer que não há qualquer diferença biológica entre homens e mulheres e que a que se pensa haver se deve ao facto de todos termos sido e sermos ainda formatados para “papéis” (e porquê, já agora? Com que intenção perversa?) é completamente errado e contraproducente. A esmagadora maioria das pessoas sente e aprecia a diferença.
Como último apontamento, saliento ainda que, no futuro, até vejo as crianças a serem geradas em laboratórios. Pelo menos, como opção. As gravidezes podem ser penosas e são seguramente penalizadoras profissionalmente (na esmagadora maioria dos empregos). Essa diferença/desvantagem entre homens e mulheres, pelo menos, desapareceria. Mas quanto à uniformização dos sexos, espero que não aconteça. Seria um retrocesso lastimável. Lutar por isso não é feminismo. É o oposto.