Há hoje dois artigos no Público, dois, com os quais estou inteiramente de acordo. Um, de um embaixador reformado de nome Fernando d’Oliveira Neves, intitulado “O museu das ex-descobertas”, trata, obviamentre, da momentosa problemática do (censurado) nome do Museu das Descobertas. O artigo está claro, num estilo bem disposto e certeiro. Podem ler aqui. No fim, é caso para nos interrogarmos se haverá liberdade para dizermos que Lisboa está a ser descoberta (e Portugal). Parece que já ouço alguns dizer: “Por amor de deus, não!! Não digam isso. Nós já cá estávamos.”
Um pequeno excerto, do início:
“Não sei como alguém teve a ideia de chamar Museu das Descobertas a um museu sobre as Descobertas, que parece que afinal não descobrimos, pois quem estava nos sítios que nós descobrimos já se tinha descoberto. Não é caso único. Lembro-me, quando se preparava o bicentenário da descoberta da América pelo Colombo, de ver na televisão um mexicano, loiro de olhos azuis, a dizer que a América não tinha sido descoberta, porque eles já estavam na América e por isso não precisavam de ser descobertos. Como chegaram loiros de olhos azuis ao México, antes do tonto do Colombo chegar à América, a pensar que tinha chegado à Índia, ele não explicou.”[…]
E do fim:
“Agora parece que, como o mar já existia, não descobrimos nada, e portanto não temos nada de que nos orgulhar nem lembrar no Museu das Descobertas. Eu pensava que sim, pois até historiadores estrangeiros, e todos sabem como é perfeito o tal estrangeiro, achavam ímpares os nossos extraordinários feitos, como o americano Boorstin, librarian da Biblioteca do Congresso, um dos mais prestigiados cargos do país, que considerou a saga da procura do caminho marítimo para a Índia como o primeiro empreendimento científico moderno, que marcou o mundo para sempre, ou o inglês Toynbee, por muitos considerado o maior historiador do século XX, que dividia o mundo entre a época pré-gamica e pós-gamica, ou seja, antes e depois da viagem do Gama. Viagem que, como é óbvio, deu ao Ocidente cinco séculos de domínio do mundo, que os Estados Unidos estão a destruir com afinco e os chineses, que sabem de História, querem marcar o termo com a simbólica viagem inversa da nova rota da seda. Mas é claro que o prestígio do Boorstin e de Toynbee caiu a pique em Portugal, por atribuírem mérito aPortugal e aos portugueses, o que é por cá muito mal visto.
Mas lá que andámos por todo o lado e por todo o lado deixámos monumentos, orações, comércio, tradições e comunidades com ligações a Portugal, da foz do Amazonas às ilhas das Flores, lá isso é verdade. Para não falar da língua, a quinta mais falada do mundo, num país continente e em todos os continentes. Proeza só equiparável à das então três maiores potências europeias e sem paralelo em países da nossa dimensão.
Fizemos o impossível. Por isso o melhor é chamar ao Museu das Descobertas Museu da Descoberta de Portugal. Porque só percebe Portugal quem conheça essa nossa História.”
O segundo, daquele escriba que vê Sócrates em todo o lado, sonha com ele, escreve sobre ele, mente e calunia dia sim, dia não (e por isso é pago e bem pago pela SONAE), e que persegue com a tecla, e com qualquer microfone de que disponha, tudo o que é socialista, o João Miguel Tavares, hoje merece um elogio. Escreve ele sobre a estúpida decisão da ERC de reconhecer ao canal Panda Biggs o direito de censurar um beijo lésbico numa série para jovens. É ler aqui (“Censura, beijos lésbicos e desenhos animados”). Por uma vez, nada tenho a objectar.
Excerto final, para quem não tem acesso:
“[…] Alguém achar que a homossexualidade ainda é fracturante em 2018 é puro preconceito, sem nenhum argumento lógico atendível (até a Igreja já tem vergonha de defender a tese contranatura em voz alta), e graças a uma falta de visibilidade que o Panda Biggs apenas reforçou com a sua opção. Portanto, caro Paulo Côrte-Real, não percebo qual seja a dúvida nesta matéria: como o próprio nome indica, os defensores ardentes da liberdade de expressão não gostam que censurem coisas. Não gostam que censurem desenhos animados. Não gostam que censurem cadernos cor-de-rosa e azuis. E não gostam que censurem o uso da palavra “princesa”. Mais simples do que isto não há.”
Mas que porra de complexos.
Ora se se descobriu e definiu e localizou em mapas o “Estreito de Magalhães” algumas centenas de ilhas no Pacífico, e desenhado em mapas o inimaginável percurso marítimo à volta do mundo, se já se tinha feito o mesmo com o Caminho Marítimo para a India, e vice-versa, se antes disso, Pedro Álvares Cabral já tinha pé-ante-pé, sem os índios saberem que no Brasil não havia índios, numa viagem de ida e volta sem se perder no caminho…o que foi isto se não “descobrimentos”?
“Descobertas” mostradas ao mundo em mapas, e lá que os indios não soubessem ler os mapas para saberem onde se localizava a sua aldeia, a culpa não era dos portugueses dos espanhois e dos portugueses.
Descobrimentos sim!
Também no “púbico”.
https://www.publico.pt/2018/06/13/culturaipsilon/opiniao/o-magnanimo-museu-da-mitologia-colonial-1834059/amp?__twitter_impression=true
A estátua do general Custer.
Não me revejo totalmente na opinião da autora mas é uma reflexão reveladora do que verdadeiramente se deve discutir e não transformar tudo numa questão de liberdade de expressão/censura. O olhar não deve ser museológico, estático e estético. Deve ser dinâmico, atualizado e com mais gente dentro. Discuta-se.