Todos os artigos de Isabel Moreira

Estética totalitária

O aparelho governativo, apoiado por dois Partidos desfigurados, bate entusiasticamente palmas a uma retórica que tenta esconder a miséria. Estão, assim, a bater palmas à miséria, silenciada por uma conhecida técnica discursiva: a da inversão.

A direita, unida nesta estética que quase acorda os piores ditadores da nossa memória, bate palmas, uiva, quando anuncia o “aumento em y de doentes que não pagam taxas moderadoras”. São milhares, sempre a subir, gente que deve estar agradecida a quem manda, gente, repete-se, que “não paga”.

Esses milhares, sempre a subir, chamam-se cidadãos desempregados, sempre em ritmo crescente, os quais, de acordo com a lei, estão, naturalmente, isentos de taxas moderadoras.

As palmas trinfantes ao aviso do número “brutal” de aumento de isentos de taxas moderadoras são a estética totalitária. Não se fala da causa e refere-se isoladamente a consequência como um “bem”.

A estética é reles e fácil de desmontar, apesar de ofensiva, mas está lá: duas bancadas a baterem palmas ao maior aumento de desemprego de que temos memória,

O aparelho governativo, apoiado por dois Partidos desfigurados, bate entusiasticamente palmas a uma retórica que tenta esconder a miséria. Estão, assim, a bater palmas à miséria, silenciada por uma conhecida técnica discursiva: a da inversão.

A direita, unida nesta estética que quase acorda os piores ditadores da nossa memória, bate palmas, uiva, quando anuncia os milhares e milhares de pensionistas que foram “salvos” dos anunciados, e inconstitucionais, cortes retroativos de pensões.

Esses milhares de privilegiados que foram “salvos” são invocados para se aproveitar a miséria de um país, no qual, abatendo gente a partir de 600 euros (milionários), que contribiram toda a sua vida profissional de acordo com  a lei, ainda sobra muita, mas muita gente com pensões abaixo daquele valor.

A estética é reles e fácil de desmontar, apesar de ofensiva, mas está lá: duas bancadas a baterem palmas ao número impressionante de gente que tem pensões abaixo de 600 euros. Assim se “salva” um ataque miserável, retroativo, inconstitucional, a pensões que não chegam para se viver, porque, recorde-se, há sempre, para bem do governo, miséria ainda mais profunda para celebrar.

Quem adere a esta estética totalitária é o quê?

É simples

O MNE, ainda que não tivesse mais nenhuma fragilidade, tem de ser demitido.

Chega.

Um Ministro que revela detalhes de um processo – diz que não é nada para preocupar Angola – mente e viola o mais elementar entendimento que um democrata tem da separação de poderes.

Na entrevista em que tenta recuperar a ferida diplomática com Angola, diz que falou com quem hoje o desmente.

De resto, mesmo se fosse um lambão da fuga do segredo de justiça, o senhor tinha de ficar calado, como sabe, até porque é advogado.

Agora, remete a nossa humilhação perante Angola para um despacho da PGR que não o justifica em absolutamente nada.

Chega.

Nota sobre o argumento da necessidade de “consenso na sociedade” para acabar com uma discriminação injustificada

 O então chamado “casamento inter-racial” só foi permitido pelo supremo tribunal americano em 1967, contra o “consenso” da sociedade americana, que rejeitava em peso essa “coisa” que metia “mestiços” : sim mais de 70% dos americanos eram contra o “tratar igual o que é diferente”, numa leitura distorcida do enunciado.

Conheces alguém – a começar pelos parlamentares – que, alegando sistematicamente  a necessidade de “consenso na sociedade portuguesa” para se permitir a coadoção em casais homossexuais rejeite a decisão do supremo tribunal americano de 1967?

A falsa questão constitucional

Foi com justificada indignação que os portugueses ouviram Passos Coelho perguntar aos 900 mil desempregados de que lhes tem servido a Constituição (CRP).

 

A afirmação antidemocrática obrigou muitos a recordar a Passos o que é uma Constituição democrática, qual a sua função e a cidadania plena dos tais desempregados tentativamente questionada pela perguntinha.

Um PM que deixa o desespero do falhanço das suas políticas – entre as quais a que se dirige ao objetivo constitucional, de execução livre, de pleno emprego (artigo 58º) – transformar um dos alicerces da democracia numa inutilidade, se não perde o respeito por si mesmo, deve perder o nosso respeito. Num país institucional, seria expetável uma reação por parte do PR.

 Os desempregados sabem que é na CRP que estão garantidos o Estado de direito democrático, o princípio da igualdade, todos os direitos, liberdades e garantias, como o direito de sufrágio (coisa pouca e nascida sem luta, presume-se), todos os direitos e deveres económicos e sociais, nos quais encontramos a segurança social, o sistema nacional de saúde, o direito ao ensino básico universal, público e gratuito, o direito à proteção estadual em situações de fragilidade, o figurino de um sistema político democrático e, entre outras realidades, o Tribunal Constitucional (TC), independente, que fiscaliza, basicamente, a constitucionalidade de normas jurídicas.

O PM sabe que a CRP não cria nem tem de criar emprego; sabe que a CRP não faz política; sabe que os atores da política são os titulares dos cargos políticos de base democrática, como é, para nossa infelicidade, o caso do próprio; sabe que a CRP não tem matriz ideológica que o impeça de governar, antes oferecendo uma amplitude de atuação ao executivo que permite políticas de direita e de esquerda; sabe que o PSD aprovou a CRP em 1976 e todas, todas as revisões constitucionais levadas a cabo desde então; sabe, como um Poiares Maduro em tom de epifania, que a CRP “é de todos”; sabe que o debate “alargado” pedido por aquele Ministro é uma frase despida de sentido e esquecida da democracia representativa, que leva a que a CRP seja aprovada e revista, com os limites de revisão constitucional, na AR; sabe que não foi o TC que ditou os resultados desastrados da sua política, foi, precisamente, a sua política; sabe, em cada lei que foi vetada pelo TC, que esse é o seu caminho, de resto antecipado, de justificação perante os credores da impossibilidade de fazer coisas que não lembram a um social-democrata e que agravam a recessão; sabe que teimosamente governa contra a Constituição, sendo esse o sentido do confronto e não o inverso.

Passos sabe tudo isto, de resto de apreensão fácil, mas governa incitando ao medo, garantido um novo resgate à conta da desgraça da democracia, chantageando. Porque Passos não tem definição ideológica ou valorativa possível. É a negação do personalismo, do que seja, é o homem que queria destruir a segurança no emprego, num esquecido projeto de revisão constitucional, acabando com a justa causa, tendo por excessivo o despedimento por “razões atendíveis” propondo assim que fosse por razões “legalmente atendíveis”, as quais ele trataria de explicitar arbitrariamente.

Tentou, com a lei da mobilidade. O TC fez o evidente, como, insisto, o Governo antecipava. E é perante uma lei que impede mais austeridade, mais despedimentos cegos, que Passos acorda com vontade de fazer perguntas aos desempregados.

Gostava de perguntar ao primeiro-ministro qual o seu pensamento profundo acerca do que está a ser feito à constituição e ao TC na Hungria.

 (Hoje, no Público)

E de repente a inversão do significado do Estado

Já foi quase tudo dito sobre a soberania absoluta auto-investida de Passos aquando do seu ataque ao TC em modo de pergunta aos 900 mil desempregados. Nessa pergunta, Passos passou a fronteira do não reconhecimento da qualidade de cidadãos aos desempregados que vêm  falhada uma “política de pleno  emprego”, esse objetivo nas mãos do Governo – imagine-se, nos termos da “inútil” CRP.

Passos passou uma fronteira que há muito não é mencionada a não ser em livros de estudo do fenómeno político.

É que se temos a sorte de sabermos que o Estado faz parte da nossa circunstância e que existe para nos servir, princípio essencial do personalismo que norteia a CRP, temos a surpresa chocante de o PM entender que fazemos parte da circunstância do Estado e  que existimos para servir os propósitos de quem está no aparelho de poder.

Em 2013, com a nossa CRP, Coelho revela um despudorado transpersonalismo (mesmo que desconheça a expressão, claro).

É um homem perigoso.

mais precariedade – outra vez o medo como arma

Depois de aprovado um Código do Trabalho (CT) apelidado de “mais flexível” para “aumentar o emprego”, verificou-se, como sempre, que a dita flexibilidade – na verdade uma flexi-insegurança jamais vista – não criou um único posto de trabalho.

Foi mais uma das principiologias discursivas falsas, usando o medo instalado na sociedade para a fazer passar, frases feitas para gerar “aceitação tranquila”, frases como “qual é a parte do não haver dinheiro que vocês não percebem”?  É o discurso do Governo desde o início das suas funções, o discurso destinado a secar visões alternativas para o país, essa condição da democracia.

Neste “novo ciclo”, o Governo que mantém o caminho de Vítor Gaspar antes do mea culpa do próprio, ilude os portugueses com uma pretensa abertura do olhar para o desemprego.

Por isso, assistimos ao ministro do emprego Mota Soares anunciar, talvez com o espírito assistencialista que também cabe na sua tutela, a “boa notícia”: o governo vai avançar com um novo regime de contratos a prazo, permitindo que estes excedam os limites previstos no tal CT (que já haviam sido aumentados).

O Ministro surge com uma proposta sem adjetivo possível de duração máxima das renovações extraordinárias dos contratos a termo (18 meses) e surge, depois, comprovando a “importância” que dá à concertação, com um limite “inofensivo” de 12 meses, o qual, evidentemente, já estava na sua cabeça.

Depois da precariedade aumentada normativamente com o CT deste Governo, depois do mundo laboral não ter beneficiado em nada com a proeza liberal – ainda estou à espera de um estudo que demonstre que mais insegurança laboral gera menos despedimentos e mais emprego – o governo insiste.

Insiste e ofende.

Com mais de um milhão de desempregados, quem tem um emprego precário a termo certo poderá assistir, em vez de aumentadas as possibilidades de conversão do seu contrato em contrato seguro, sem termo, à possibilidade do seu contrato ser sujeito a duas renovações extraordinárias, tendo atingido os seus limites de duração até dois anos após a publicação da nova lei.

Ou seja: a precariedade passa de excecional a banal.

Esta forma de explodir com o mundo laboral é puramente ideológica e não tem relação alguma com uma apregoada preocupação com o emprego. O Governo sabe que a maioria das pessoas atingidas por esta proposta de lei já trabalha, de facto, em termos permanentes, mas, ainda assim, segue em frente, passo a passo, rumo a um “estado-natureza” qualquer.

A arma do medo é eficaz: queres este regime de mais precariedade, indigno, mas ainda assim “pago” ou queres que não renovemos nada, já que não gostamos de contratos sem termo? Perante isto, uma pessoa que anda de termo em termo com a legítima expetativa de vir a ser definitivo não tem escolha: entre emprego precário por mais e mais tempo e desemprego, venha o emprego precário. Foi a lógica interiorizada pela UGT, encostada à parede.

O Governo está tão, mas tão preocupado com esta gente de carne e osso, que os contratos que atinjam o limite de duração entre 1 de Julho de 2013 e a aplicação da nova lei (entregue na AR em Agosto, com um apelo à celeridade) não poderão ser renovados, sabendo deus quando entrará em vigor a lei-chantagem.

Essa gente está perdida e ficará desempregada.

Mota Soares desculpa-se : – “as leis laborais não podem ter efeito retroativo”. Um jurista treme, porque sabe que a lei pode ser retroativa, exceto em matérias muito específicas, como a matéria penal e, mesmo aí, pode haver retroatividade se, por exemplo, for uma norma mais favorável ao arguido.

Não é só um jurista que fica perplexo com a desculpa de nada ter sido feito em prol de emprego com direitos e caminharmos rumo a um direito do trabalho violador das suas bases essenciais.

Todos tremem, porque sabem, sentem, porque sabemos, que todo este discurso é embrulhado no medo, o medo de todos, e tão justificado.

No “Público” de hoje

As pérolas da ministra da justiça a cairem por terra

Primeiro, foi o “crime de enriqueimento ilícito”, uma bandeira, tantas e tantas vezes esbatendo na argumentação dos deputados do PS da 1ª comissão, segundo a qual o tipo estava construído em termos tais que violava gravemente a CRP.

Diziam-nos que havia gente “com medo”.

Não era medo. Era não ceder a populismos redigidos espatifando princípios, direitos e garantias constitucionais que fazem de Portugal um estado de de direito.

A pérola que nos foi apresentada foi declarada inconstitucional com força obrigatória geral.

Na discussão do Código do Processo Penal, a MJ deu uma primazia desmesurada à também popular celeridade processual.

Foste apanhado em flagrante delito (o que não é uma condenação ou não haveria julgamento)? Então és julgado em tribunal singular, pelos juizes mais inexperientes. Mais: independentemente do limite da pena. Para quê um tribunal coletivo? Perda de tempo…

A pérola foi julgada inconstitucional:

Como se deixou entrever, o princípio da celeridade processual não é um valor absoluto e carece de ser compatibilizado com as garantias de defesa do arguido. À luz do princípio consignado no artigo 32º, n.º 2, da Constituição, não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos solene e garantístico, possa ser aplicado a todos os arguidos detidos em flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável. Tanto mais que mesmo o processo comum, quando aplicável a crimes a que corresponda pena de prisão superior a cinco anos, dispõe já de mecanismos de aceleração processual por efeito dos limites impostos à duração de medidas de coação que, no caso, sejam aplicáveis (artigos 215º e 218º do CPP).

A solução legal mostra-se, por isso, violadora das garantias de defesa do arguido, tal como consagradas no artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.

III – Decisão

Nestes termos, decide-se:

a) julgar inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redação introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição;

Eis um Governo e uma maioria recordistas em violar a lei fundamental.

Medo

Dezenas de pessoas protestam violentamente nas arcadas da AR.

É das regras evacuar as mesmas.

Mas a Presidente da AR não pode chamar “os nossos carrascos” ao povo desesperado, dizendo que a AR não pode ter “medo” (já agora, de quem tem, fundamentadamente, medo). Mais sugere a alteração das regras de acesso às galerias. Isso sim, é ter medo! Era o que faltava!

Citar a Simone de Beauvoir não dá para tudo, senhora presidente.