Jorge Coelho descobriu-se aterrorizado pelos projectos do seu partido para a área da Saúde. A ilustre eminência parda declarou mesmo “a maior das desconfianças dos tecnocratas a tratar de coisas que competem aos políticos”.
E tem toda a razão. Se começam a ouvir os técnicos acerca de questões tão claramente “políticas” como o número de maternidades necessárias a Portugal, onde é que isto vai parar? Não tarda nada, já um bom soba não pode distribuir mercês a bons amigos e clientelas úteis.
Evitar esse pesadelo é um imperativo de cidadania. Devolvam aos nossos excelentes políticos a inteireza das suas competências. Deixem-nos construir um hospital em cada paróquia, uma maternidade em cada freguesia. Mandem a co-incineração para o estrangeiro, plantem um apeadeiro do TGV de cem em cem metros, tragam aeroportos em barda. O país cor-de-rosa agradece.
Arquivo da Categoria: Luis Rainha
Crónicas do iPod shuffle
Como se escreve um livro (quase) sem querer?
1. Entre amigos, inventamos um pequeno livro monotemático de BD;
2. escolhemos desenhadores a convidar, começando pelos consagrados óbvios e só acabando com alguns nomes nunca publicados;
3. primeira mina detonada com um pontapé sem tino: ofereço-me para inventariar alguns episódios e situações que possam dar motes úteis aos artistas;
4. erro letal: anuo ao primeiro convite para escrever um argumento completo;
5. meto a cabeça no cepo para escrever mais umas quantas historietas;
6. a páginas tantas, já vejo a coisa como minha e ofereço-me para terminar a empreitada;
7. seguem-se semanas de alterações, de cortes para adaptar o verbo excessivo à parcimónia dos desenhos, de revisões e emendas de última hora;
8. seis meses volvidos, a cria está entregue aos bons ofícios da gráfica e eu posso voltar a fazer de conta que tenho vida própria. Começando pelo descurado Aspirina B.
Antes que os amigos das FARC me visitem

Aqui fica a atrasada boa-nova: como já por cá tinha sido anunciado, o Caderno de Verão fechou e do seu feio casulo saiu o borboleteante 5 Dias. Um blogue em que cada dia da semana é entregue a um escriba, que trata de convidar amigos, conhecidos e credores para animar os dias à malta. Não posso dizer muito mais pois a coisa é incompatível com o meu browser arcaico, não me permitindo grandes leituras. Mas, a ajuizar pelo naipe de artistas residentes — Nuno Ramos de Almeida, Rui Tavares, Ivan Nunes e António Figueira — aquilo promete. Ah; e a Joana Amaral Dias também por lá escreve.
A Arrojada Parúsia II
Arrebatados pela Segunda Vinda de Mestre Arroja, os Blasfemos andam imparáveis. Agora, descobrimos que a proposta de cedência remunerada de votos não era um improvável exercício de ironia. Afinal, era apenas uma forma de dar “ainda mais encanto ao fascinante mundo da especulação financeira”.
Claro que o importante é mesmo jardinar os tais encantos, não impedir que o poder político fique apenas ao alcance de quem tem capital para investir. Afinal, a fazer fé nos Blasfemos, já toda a gente vende o seu voto a troco de promessas mirabolantes, portanto nem iríamos dar pela diferença. Já que suportamos o Valentim, podemos bem passar a fazer dessa chaga vergonhosa a regra oficial.
Presumo que a venda antecipada dos proventos laborais futuros de crianças e adolescentes não seja ideia a deitar fora sem cuidadosa ponderação pelos auto-nomeados cardeais do pensamento ultra-liberal (nada mais natural, depois das vénias e do beija-mão a quem já se entreteve a gabar as virtudes económicas da escravatura, fechando o olho míope ao pequeno pormenor da liberdade dos envolvidos). Tudo a bem dos “encantos” da especulação mobiliária; mas desde que não envolvesse os rebentos dos liberais, é bom de ver. Essas coisas da compra e venda da consciência são mesmo próprias do povinho: gente ilustrada fica de fora, a intermediar e dirigir tais transações cheias de encanto.
A Arrojada Parúsia
Nem vale muito a pena glosar pela milésima vez as fantasias alucinadas do regressado Professor Arroja, agora aclamado como santo padroeiro da Liberdade, nem mais. Do insigne combatente contra a tirania, recordo uma intervenção na TSF, já há um ror de anos, em que ele defendia o futebol como sendo a indústria de maior êxito, mesmo internacional, do nosso piolhoso país. Vai daí, bom, bom seria aplicar os seus métodos de gestão ao governo e convidar o supra-sumo dos empresários de sucesso, Pinto da Costa, para nos capitanear.
Não riam, que a coisa é verídica e séria. Para uma legião de académicos sem contacto com as realidades do nosso país, é mesmo boa ideia deixar os empresários lusos em roda livre. Que a coisa redunde quase sempre em conluios, cambalachos e outros arranjinhos limitadores da concorrência e da liberdade de escolha, é uma minudência sem qualquer interesse. Importa é o lindo mundo da teoria, onde o futebol joga com toda a lisura, sem fugas aos impostos nem corrupções, onde um pacote de sal tem o preço escolhido pelo mercado e onde figuras como Pinto da Costa e Valentim Loureiro são faróis a iluminar o nosso destino glorioso, entregues à Mão Invisível.
A liberdade de sermos dominados por quem pague mais. Eis o arrebatador programa destes génios incompreendidos.
Idem, idem!
Tenho um saco cheio de boas desculpas. Mas nem o vou tirar das costas. Por agora, basta-me fazer coro com o Zé Mário e preparar o regresso, que a coisa aqui tá preta…
Uma Aspirina para os pobres refugiados
Dos destroços do De Vagares, acabámos de resgatar duas pobres criaturas, oferecendo-lhes pernoita, uma sopita quente e exemplares do último disco da Marina Mota.
Fica assim explicada a ruidosa presença deste senhor por aqui. E ainda aguardamos que o outro refugiado se manifeste, assim lhe passe o trauma do naufrágio.
Peço desculpa por não ter anunciado a coisa com as trombetas exigidas pelo protocolo deste blogue (que, segundo um comentador, “ainda cheira a Daniel Oliveira” e de acordo com outro goza da supina glória de ser um dos “blogues emblemáticos de Daniel Oliveira”) mas estava em reunião com o camarada Guterres a negociar as contrapartidas.
Novos amiguinhos de folguedos: portem-se bem, não exibam as partes pudendas em público e não atirem cocó aos visitantes. De resto, estejam à vontade.
Mestre Yoda encontra Mr. Spock
Não percam, pelas alminhas, a crónica de hoje do inultrapassável João César das Neves. Ali, o nosso profeta preferido entretém-se a perorar sobre as obsessões dos fãs da série Star Trek. Tudo para nos explicar, bem devagarinho, como é triste entregarmos as nossas vidas, os nossos anseios e desideratos a ficções patentemente mal amanhadas. Ideia com que concordo, aliás.
O problema é que ele escreve coisas como “erigir um mundo de ficção como orientação para a vida, que muitos consideram alienação ou manipulação de massas, está longe de ser exclusivo do Star Trek” e “em vez de entregarem a vida a um princípio abstracto ou um propósito pragmático, dedicam-se ao que sabem ser mentira, um mundo de ficção em que realmente não acreditam”, sem reparar na acuradíssima descrição que está a fazer da religião em geral e da sua em particular.
Só por exemplo, se tivesse de escolher entre o Império Klingon e Fátima, elegendo a trama mais bem urdida e a ficção mais convincente, não hesitaria em optar pelos domínios do Chanceler Martok. E entre o corrente Papa e Mr. Spock, como fonte de sabedoria e bom senso, ficaria na dúvida.
Mas tudo bem; live long and prosper, como dizem os meus amigos vulcanos, entre outros. A cada um a sua ficção preferida. Mesmo que inclua disparates patentemente absurdos como “liberdade, justiça, humanidade, raça, classe, ciência, progresso, natureza, prazer”, algumas das “propostas de filosofias, partidos e movimentos para substituir as religiões”, segundo o visionário colunista do DN.
Pelo caminho, César das Neves ainda refere um divertido e famoso sketch com William Shatner, embora não fique claro se percebeu que se trata de uma ficção humorística. Nada de surpreendente, afinal.
Oxímoro do dia: Miguel Sousa Tavares fala de Arte
Há uns sábados, no “Expresso”, Miguel Sousa Tavares dedicou-se, mais uma vez, ao seu entretém preferido: falar daquilo que desconhece. Desta vez, o alvo foi o negócio estatal com a Colecção Berardo. Teorizava o popular omni-especialista que, no mirífico “estrangeiro”, quem quer expor uma colecção de Arte ou cria um museu privado ou oferece as suas obras e pronto. Assim: «se alguém tem uma colecção de pintura com milhares de quadros, tem obviamente um problema entre mãos: onde os guardar, como os expor. Nos países mais “normais”, o problema resolve-se habitualmente com a doação da colecção ao Estado ou com a criação de um museu privado. Mas em Portugal as coisas não se passam assim».
É bom de ver que em Portugal as “coisas” passam-se sempre em obediência a sinistras cabalas: Berardo locupletou-se com um montão de massa, a ministra delapidou aquela entidade multiusos convenientemente chamada “os nossos impostos”, etc. O costume, portanto.
A bem da verdade, o BE e o PCP trataram de imitar os MSTs, as Zitas Seabras e similares que por aí pululam: todos denunciaram o contrato “leonino”, a negociata “chocante”, etc. Tratar-se-ia de «um aluguer caríssimo, inédito em qualquer parte do mundo»; a deputada Seabra nem sequer conhecia «outros exemplos em que isto tenha sido feito assim».
Não conhece porque não dava mesmo jeito nenhum procurar. Basta ir a Espanha para se dar com um paralelo bem aproximado: o que deu origem ao Museu Thyssen-Bornemisza, em Madrid. Vejam o historial da coisa. Está lá quase tudo: um vultuoso pagamento anual do Estado aos donos da colecção, a permanência do Barão Thyssen como presidente honorário da Fundação criada para o efeito, a posterior compra a preços actualizados, etc. Mais: no caso espanhol, os 5 milhões de dólares anuais acordados nem sequer se destinavam a enriquecer a colecção; apenas a pagar aos seus proprietários. Ainda por cima, o palácio Villahermosa teve de ser remodelado, a expensas do Estado espanhol.
Mas o que interessam os factos a quem quer mandar umas bocas? (A bem da verdade, só encontrei uma análise serena e clara do contrato.) Os museus espanhóis são giros para visitar; mas investigar as suas origens é uma seca. Ainda por cima, MST nem sequer “recomenda” por aí além que se conheça a Colecção Berardo, algo natural para alguém que tem como ideia perceptível de Arte cerâmicas com retratos de Pinto da Costa.
Mais um jogo das semelhanças
Pavlov redivivo

Alguns dos nossos compadres blogosféricos descobriram uma importante lição de vida nestes dias de guerra no Líbano. Como muitos outros grandes inventos, deve ter começado com uma singela interrogação: se se pode classificar indiscriminadamente os que se opõem aos desmandos de Israel como “anti-semitas”, porque não encontrar um mecanismo similar para atacar quem não pensa como nós, à escala doméstica? Lá andaram a remoer o problema nos seus think thanks (presumo que esta actividade tenha sido regada com muito Chivas, a aquilatar pelos resultados) e acabaram por dar à luz a solução perfeita.
Primeiro, o dispositivo foi experimentado pela sempre vaporosa e inimputável Bomba. Passado o teste de fogo, lá foi a arma entregue às tropas a sério: o Blasfémias e o Insurgente. E de que consta, afinal, esta verdadeira WMD? Simples: se alguém discorda de nós, seja a propósito do bombardeamento a Qana ou do plantel do Benfica, é por certo simpatizante, acólito ou assalariado da asquerosa “extrema-esquerda”.
Genial. E isto nem carece de qualquer cuidado com a realidade: não interessa saber quem é o visado, se é mesmo de esquerda, se é ao menos militante do BE… tudo são minudências a esquecer. Nem importa precisar o que será isso da “extrema-esquerda”: deixada no ar, a acusação implica amor desenfreado por Estaline e analogias de bossas com Pol Pot. Urge é ter sempre engatilhada a resposta demolidora e multiusos: “ai escrevi mal a palava ‘redação’*? Olhe: quem repara nisso só pode ser de extrema-esquerda!”
A Bomba começou por disparar o novo morteiro conceptual na direcção do pobre Alexandre Andrade. Agora, é o insurgente André Azevedo Alves que descreve o Filipe Moura como “um activista de extrema-esquerda que está a estagiar no Público”. Assim mesmo. O Filipe já não é o cientista, doutorado em Física, que foi um dos vencedores da iniciativa “Cientistas na Redacção”. Nada disso: agora, não passa de um mero estagiário de extrema-esquerda.
Na peugada do chefe de fila, segue lesto o blasfemo João Miranda, com graçolas secas sobre uma tal “economia anacleta” (presumo que seja referência ao nome de Francisco Louçã, por acaso economista com obras de alguma circulação internacional), sempre a propósito do Filipe. Ora, este poderá ter muitos defeitos; mas não consigo imaginar que a adesão à tal “extrema-esquerda” seja um deles, sobretudo tendo em vista o seu frenético apoio à infausta candidatura do Dr. Mário Soares.
Quanto ao caso do Alexandre Andrade e da Bomba, nem comento o disparate que é lançar acusações difusas e inexplicadas sobre quem não se conhece nem entende.
Mais uma guerra desproporcional
Silvam as sílabas aceradas entre a trincheira kleistiana e o reduto da Bomba. À ironia cortante do primeiro pelejador, responde a segunda com o chumbo grosso de declarar “extrema esquerda” tudo o que discorda dela. Assim não justificamos o apodo, senhora.
Um new look para o empresário português?
O último número da revista “Nova Gente” inclui, entre muitas outras pepitas preciosas, um artigo sobre o “rei da noite de Albufeira”, Anthony Pereira. Este empresário é sobretudo conhecido, ao que parece, por ser amigo de alguns futebolistas, a quem chama com desvelo “os meus meninos”. E não julguem que é vida fácil “promover e muito não só Albufeira mas também todo o Algarve”. Afinal, como ele deixa claro no final da entrevista, “tenho os meus meninos Deco, Couto, Maniche e Conceição que me levam muito tempo. Estamos a falar de pesos-pesados”. Trata-se de um verdadeiro dínamo humano, portanto.
Mas é mesmo a “face mais fashion” deste colunável que o destaca. Analisemos pois com algum detalhe os pormenores que compõem a imagem de um metrossexual de sucesso.
1- A engenharia capilar é um must. Reparem como umas poucas farripas de cabelo desafiam a gravidade para impedir que a testa ganhe mais alguns centímetros. Não tentem isto em casa, por favor.
2- Um adereço indispensável: o crucifixo reluzente a querer saltar para fora do generoso decote. Noutra foto, que aqui não reproduzo por absoluta falta de espaço, a peça de joalharia em apreço surge sobre uma T-shirt branca. O efeito é ravissant.
3- O botão apertado criteriosamente escolhido, de modo a revelar os peitorais e limitar os danos que a exposição do abdómen poderia causar.
4- Arranjar e desenhar com esmero as sobrancelhas; eis outra actividade que o executivo de sucesso já não pode esquecer. Mas atenção: peçam à vossa esteticista que evite o design já popularizado pelo Marco Paulo.
5- Todas as pilosidades têm um papel importante a desempenhar. Seja a patilha afilada, o cacho de cabelos rebeldes na nuca, os irreprimíveis pêlos do peito ou a barba cerrada a transmitir rusticidade e energia.
6- A moda, sempre. Haverá melhor forma de anunciar de chofre a nossa presença do que usar uma fulgurante camisa multicolor com motivos étnicos e colarinho aerodinâmico?
7- Não esquecer nunca a importância crucial dos adereços: do arranjo de frutas ao relógio dourado, passando pela flute de Cordon Bleu. God is in the details, como se sabe.
É com uma gestão criteriosa e equilibrada de todos estes elementos que se cria uma imagem de grande impacte, sóbria elegância e, acima de tudo, muuuuuuito fashion. A ver vamos se cinzentões como o Belmiro aprendem alguma coisa com esta lição de estilo e savoir faire.
O novo sábio de Sião e os seus protocolos

Por fim, descobrimos de onde brota a visão que Vasco Graça Moura tem da esquerda. Trata-se de um simples fenómeno de projecção: se imagina todos os esquerdalhos como fanáticos que só vislumbram o “seu” lado dos factos, como malta que não tem pejo em ostentar publicamente o preconceito mais cavernícola… é apenas porque ele, VGM, é precisamente assim.
Na sua crónica de hoje, refulge um fascinante exercício de propaganda negacionista. Enumerando os ataques que os judeus têm sofrido na Palestina, de 1920 até hoje, e branqueando por omissão a violência exercida sobre os palestinianos. Os crimes do Stern Gang e do Irgun ficam sem uma palavra. Massacres como o de Deir Yassin, perpetrado antes da independência e num local fora da zona destinada a Israel, talvez nunca tenham ocorrido. A fuga em massa a que ainda hoje os palestinianos chamam Al-Naqba, a Catástrofe, é resumida ao inacreditável “por várias razões, entre elas o medo, 656 mil árabes fugiram do território de Israel depois de 1947-48”. As tais “várias razões” talvez se entendam melhor à luz destas palavras de Menachem Begin, então um dos comandantes do Irgun: “a lenda de Deir Yassin ajudou-nos, especialmente a salvar Tiberia e na conquista de Haifa (…) Os árabes começaram a fugir em pânico, gritando ‘Deir Yassin!’…. Árabes em todo o país caíram num pânico sem limites e começaram a fugir para salvar as suas vidas.” Só na higiénica propaganda de VGM é que este medo surge como coisa injustificada, sem causa à vista. Vergonhoso.
Nada resiste ao esforço revisionista (ou à ignorância) do poeta/historiador. Mesmo a Guerra dos Seis Dias sofre uma metamorfose: ter-se-á tratado afinal de uma “reacção de Israel” à invasão do Sinai pelos egípcios. Note-se que no mundo real, não o das alucinações de VGM, foi Israel quem disparou os primeiros tiros nesta guerra.
Mas a ignomínia absoluta instala-se quando ele cita Paul Johnson para constatar que “para os árabes não há qualquer seriedade numa negociação. Esta, para a sua mentalidade, implica uma cedência a interesses contrários e é considerada traição. Quando muito aceitam tréguas para recuperarem o fôlego e pegarem de novo em armas.”
Que diriam de alguém que citasse prosa similar, para, por exemplo, “provar” o carácter ganancioso dos judeus, que, como todos “sabem”, vendem a dentadura da avó se o preço for vantajoso? Pois é: só uma besta quadrada e inimputável se lembraria de tal.
Como bem escreveu o António Figueira, “tendo em conta a natureza semita dos árabes, esta citação é talvez a maior manifestação de anti-semitismo recentemente publicada na imprensa portuguesa.”
A crónica intitula-se “As lembranças de Sião”. Mas “Os novos protocolos do sábio de Sião” seria título mais acertado para encimar este exercício de propaganda que apenas encontra malfeitorias (e até defeitos genéticos provavelmente incuráveis) num dos lados, esquecendo os monstros que se acoitam no outro.
A quarentona mais rápida do mundo

A agora eslovena Merlène Ottey qualificou-se para as semifinais dos 100m do campeonato europeu de atletismo. Com 46 anos.
O “pequeno Satã” terá mais olhos que barriga?
É interessante, embora preocupante, ver como até vozes da esquerda israelita, como a de Yoel Marcus, parecem apostar num sprint final rumo à barbárie antes que surja mesmo um cessar-fogo. Ele partilha algumas preocupações que já circulam pelo mundo; mas prefere ignorar as questões mais difíceis e encerrar o texto em tom feroz: “a realidade é que precisamos de suster a respiração e atacar o Hezbollah com tudo o que temos, por terra e por ar, até o neutralizarmos enquanto força militar perto das nossas fronteiras. É importante ganhar ascendente até à hora do cessar-fogo. Temos de lhes mostrar que o ‘pequeno satã’ tem grandes dentes.”
Não sei bem se será possível, hoje, aniquilar um Hezbollah surpreendentemente forte e bem equipado. Mas sei que esta análise tem pelo menos uma pecha óbvia: continua a encarar movimentos como o Hezbollah como uma simples “força pró-iraniana”, um “braço operacional” neutralizável de forma clássica. Ignorando que o Islão mais radical não é um mero títere deste ou daquele governo da região: em última análise, almeja substituir-se a todos eles.
“Xi quê?”

E se a administração dos EUA, a começar pelo seu presidente, fosse mesmo ignara q.b. para se decidir pela invasão do Iraque sem saber nada daquele país, começando pelo “pormenor” das divisões entre sunitas e xiitas? E se aquela malta fosse mesmo suficientemente arrogante para julgar que bastava desembarcar em Bagdade com uns caixotes de Apple Pie, bolas de baseball, posters da Marilyn e Happy Meals para ali operar o milagre da democratização instantânea?
Impossível, certo?
Hmmm. Por indicação do amigo Gibel, deparei com esta entrevista ao ex-embaixador americano Peter Galbraith (sim; filho de JKG), a propósito do lançamento do seu livro The End of Iraq: How American Incompetence Created A War Without End. Pelo que ali se lê, um ano depois do célebre discurso do “Eixo do Mal”, Bush teve uma reunião com três emigrantes do Iraque nos EUA, que tiveram a amabilidade de lhe explicar o que era ao certo o seu país de origem. No final deste encontro, o homem mais poderoso do mundo exclamou, ainda em profunda surpresa: “eu pensava que os iraquianos eram muçulmanos!”
Nas palavras de Galbraith, “do presidente e do vice-presidente até aos neoconservadores no Pentágono, havia uma crença segundo a qual o Iraque era uma página em branco onde os Estado Unidos podiam impor a sua visão de uma sociedade pluralista democrática. A arrogância surgiu quando se acreditou que isto podia ser alcançado com um mínimo de esforço e planeamento dos Estados Unidos e que não era importante saber algo acerca do Iraque.”
As conclusões são demolidoras para o futuro imediato daquele país: “não se pode ter um governo de unidade nacional quando não há nação, unidade nem governo” ; “graças a George W. Bush, o Irão não tem hoje um aliado mais próximo em todo o mundo do que o Iraque dos Ayatollahs.”
Leiam o artigo que vale a pena. Depois, podem comprar o livro e oferecer-mo, que fiz anos no outro dia.
Whatever happened to…
Entre estatísticas alarmantes, ideias reaças e notícias urgentes, os nossos ex-camaradas Nuno e António lá vão animando, com pundunor e admirável resistência ao calor, o seu caderno veranil. Mesmo sem a presença dos outros putativos escribas, a coisa recomenda-se.
Santa incompetência

A Reuters não voltará a usar trabalhos do fotógrafo Adnan Hajj, que manipulou uma imagem de um bombardeamento a Beirute. Parece-me mal. O homem devia ter sido despedido não por quebra da ética jornalística mas sim por usar de forma tão pavorosa e óbvia a ferramenta “Rubber Stamp” do Photoshop. Que é aquela espécie de caracóis a ornamentar as nuvens de fumo, meu Deus?
O escândalo rebentou mesmo a tempo de impedir que muitos jornais usassem uma outra fotografia adulterada, esta de forma quase imperceptível…
