Pedro Marques Lopes disse-o, mas muitos mais democratas o dizem e ainda mais democratas o sabem: o Chega só quer saber da democracia enquanto lhe permitir aceder ao poder. Se lá chegar, a democracia pouco interessa, porque o objectivo não vai ser exercer o poder no respeito das regras e instituições democráticas e aceitar a alternância, mas manter-se por lá a todo o custo. As eleições serão, nomeadamente, uma opção a rever e as instituições serão uma coisa do passado.
E dir-me-ão vocês: mas quem vota neles não quer isso mesmo? Que por lá fiquem para sempre? Então, se forem a maioria, há que aceitar! Pois, e aí reside a tragédia. A maioria vir um dia a querer exactamente isso. Demasiadas pessoas não se incomodarem nada por passarem a viver sob um regime autoritário, desde que o líder lhes simplifique os problemas e lhes diga o que gostam de ouvir e que esse regime lhes garanta que porá na ordem os ciganos (grandíssimo problema nacional), expulsará os imigrantes (os do Martim Moniz nem gente são), porá os pretos no devido lugar, dará mais poder à polícia e alegadamente porá fim à corrupção. De caminho, concordam também que a religião (católica, e sabe-se lá se a evangélica) regresse às escolas, que as “poucas vergonhas” das liberdades sexuais sejam reprimidas e que quem disser mal do regime seja perseguido e calado. Quem vota no Chega não perderá uma hora de sono preocupado com tais mudanças.
A democracia, aos seus olhos – agora fortemente influenciados pelos demagogos e todo o tipo de vendidos ao Putin e admiradores de Trump – significa o caos e a inacção. Alegadamente, ninguém se entende. Dizem-lhes que o melhor é que se entendam “de uma vez por todas” e, se for preciso o comando de um autoritário que todos cale, pois bem, que seja. Candidatos a ditadores como o Ventura é por isso que lutam.
Por definição, a democracia pressupõe diversidade de opiniões e confronto de ideias e de soluções, levando à alternância de protagonistas, sem violência. Para quem quiser, não tiver escrúpulos e tiver jeito, é, pois, facílimo associar democracia a desordem, chamar corruptos aos protagonistas e levar muitas pessoas, desdxe interesseiros a incultos, a preferirem um regime autoritário de “limpeza”. Apesar de os sujos serem eles. Se reunirem mal formados e ignorantes em número suficiente para o sustentar, então a linguagem violenta passa a ser normal e os actos violentos a sua consequência. As vidas destes votantes em nada melhorarão, coisa que sabem ou em que nem sequer pensam, mas o imediato da “ordem pública” leva-os a apoiar aberrações como o Ventura, que se intitula “o quarto pastorinho de Fátima” e defende o regime de Salazar. É que, aí, serão os deles que estarão no poder. E isso basta.
Não penso que haja uma maneira rápida de explicar a democracia, as suas complexidades e infinitas vantagens ao povo que vota no Chega; de desmontar as patranhas ditas pelos dirigentes do partido; o que verdadeiramente move este partido de mentirosos e populistas. Se essas pessoas não querem saber ou querem mesmo “dar-lhe uma oportunidade”, resta-nos tudo fazer para impedir que, pelo menos, se tornem a maioria. Tal exige sabedoria. Mas também líderes democratas carismáticos, lutadores e determinados. Tem que haver e de certeza que não serão, do lado do PS, nem o José Luís Carneiro nem a Mariana Vieira da Silva nem a Alexandra Leitão, que nem perante a nódoa que é o Moedas me parece que vá ganhar a câmara de Lisboa. Sim, estou a bater em quem se encontra abatido.


