Dark Wood (Una Selva Obscura), Tom Phillips, 1979-80
Não é preciso ser um Marcuse ou um Ballard para ver que muito do que se passa dentro dos nossos crânios acaba por imigrar para o mundo “real”; as nossas neuroses, fobias ou depressões dificilmente passam sem se manifestarem, mesmo que de forma latente, nas circunstâncias de que nos rodeamos.
No meu caso, a bandeira que melhor reflecte o estado da ondulação na minha alma é o meu jardim.
Por mais que laborasse, não conseguia fazer com que ele saísse do estado de selva primeva. Tentei arrancar as canas, cortar as silvas, envenenar as ervas. Por umas semanas, a coisa ganhava ar quase civilizado; depois, no que me parecia um lapso de tempo absurdamente ínfimo, regressava o caos vegetal, mais feio que nunca.
Tentei, a páginas tantas, organizar, como as pessoas crescidas fazem, a minha vida. E o jardim, epifenómeno obediente, foi a primeira vítima. Contratei profissionais de variadas nacionalidades, projectei e instalei, com as minhas doridas mãos, um complexo sistema de rega automática. E dei ordem para espalhar um manto impenetrável de escalracho, tapando de uma vez por todas a fertilidade insana do solo da serra. Fui de férias, confiante e já de cabeça mais desanuviada (sim, que estas coisas sempre confundem a fronteira entre sintoma e causa).
Quinze dias depois, o meu cantinho de Amazónia estava de volta. Canas da minha altura, flores selvagens de ar carnívoro por todo o lado, plantas daninhas com ar de estarem ali há anos. Garanto-vos: aquilo não é natural.
Hoje, voltaram os jardineiros. E aniquilaram 500 metros quadrados de escória folhuda, revelando, para minha surpresa, um tímido mas viçoso tapete de relva. Que, afinal, até ia medrando por debaixo da selva.
Deve haver por ali uma valiosa lição à espera de ser aprendida; entretanto, vou saboreando o perfume de coisas verdes acabadas de cortar. Cheira-me a felicidade, imagine-se.