Leio sempre na «Visão» a crónica do Ricardo Araújo Pereira. Não vou ao ponto de comprar o magazine só para lê-lo (conheço quem o faça), mas considero que dignifica uma publicação séria e sólida o dar esta leitura desafogada.
Li-o desde o primeiro momento, e o primeiro momento já foi há muito tempo, estagiava o RAP no «Jornal de Letras». Já então ele não podia passar despercebido, com a sua curiosidade sempre num desassossego, o sinal mais visível da inteligência. Não o único, já que há inteligências muito discretas. E discreto, o RAP até o é. Mas sabe esconder muito bem.
Nas primeiras crónicas da «Visão», ecoava um Miguel Esteves Cardoso dos anos 80. Não era um mau eco, longe disso, o MEC é um grande professor. Mas o Ricardo entrava, não raro, pelo mais indecoroso pastiche. Veja-se isto (desculpe-se a fraca actualidade): «O Benfica tem boas hipóteses de ser campeão, este ano, e eu confesso que não consigo pensar noutra coisa. Devo acrescentar que, mesmo quando o Benfica não tem hipóteses nenhumas de ser campeão, eu não consigo pensar noutra coisa». É o MEC em estado puro: a mesma traquinice, o mesmo bluff mental, a mesma nitidez. Antes de 1983 ninguém escrevia assim em Portugal. E se, depois, se acabou a escrever tanto (MEC teve vários, e bons, epígonos), era porque alguma falta fazia.
Hoje, Ricardo Araújo Pereira vai construindo uma marca literária própria, paralela à marca cenográfica que nos «Gatos» patenteia. Vai abandonando a sombra de Miguel Esteves Cardoso (o que não levaram a bom cabo alguns, mesmo se bons, dos seus epígonos), e move-se já num universo de ainda maior ousadia e primariedade, as de um ser perplexo perante a loucura do mundo, segundo a sadia fórmula: para loucura, loucura e meia. É uma fórmula de sobrevivência que, imagino, vale por dez livros de auto-ajuda.











