Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

José Cid canta JCF

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Café contigo

Misturas no café os teus sabores
A campo, celeiro e a pomares
Na verdade, vás onde fores
Tudo se modifica ao chegares.

Dispensas o açúcar que te dão
E fica abandonado sobre a mesa
Tens doses de doçura em tua mão
E nos olhos a espuma da beleza.

Mas não dispensas a colher pequena
Capaz de equilibrar a mistura
Entre a força africana tão serena
E a luz tão doce da Estremadura.

Misturas no café o teu sorriso
Que trazes na pele do teu dia
Beber café contigo é o paraíso
E estar na capital da alegria.

José do Carmo Francisco

O jornalista e poeta vem reforçar as hostes aspirínicas. Bem-vindo, Zé do Carmo.

King of the Road

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No meu trajecto matinal pela Serra de Sintra afora, já me tinha habituado a um frequente mas penoso encontro: um velhinho sentado num daqueles veículos ronceiros que não exigem carta para serem conduzidos. As maquinetas periclitantes a que uma amiga minha chama “papa-reformas”. Dia sim, dia não, lá apanhava o homem a subir e descer encostas sempre à mesma velocidade. Uns estonteantes 25 Km/h; isto numa estrada em que a maioria das ultrapassagens equivale a tentativas de suicídio mal disfarçadas. Mas pronto; fui-me habituando àquele obstáculo móvel e à visão da nuca enrugada do seu condutor.
Hoje, dei de novo com a aparição. Só que o geronte imparável seguia ao volante de um refulgente Fiat Seicento. Automóvel infinitesimal mas “a sério”; prova de que o homem tinha por fim a preciosa carta de condução. Estava capaz de jurar que a sua nuca sacolejava com uma outra altivez, talvez proclamando uma nova cidadania do asfalto.
Infelizmente, uma coisa não mudou: o homem continua a circular à velocidade de sempre: 25 Km/h. Nem mais.

Prazeres da língua – 2 (com a devida vénia ao Fernando Venâncio)

A conjugação da segunda pessoa do singular do Pretérito Perfeito do Indicativo (2PSPPI) é um caso clássico de agramaticalidade. Ai de quem diga *tu comestes em vez de tu comeste, que leva logo com uma rebocada na cabeça.

No entanto, esse é também um caso típico de um erro que resulta apenas (pasmo) do conhecimento gramatical do sujeito falante. A 2PSPPI é uma excepção na conjugação verbal do Português. Em todos os restantes tempos verbais, a segunda pessoa do singular é sempre marcada com o morfema «s» – comes, comias, comeras, comerás, comerias, comas, etc… Dessa forma, por analogia, é gramaticalmente explicável a tendência dos sujeitos falantes para conjugarem a 2PSPPI como comestes em vez de comeste. Até porque, vejam só a beleza da coisa, o acrescento do morfema de pessoa («s») nem sequer dá origem a uma palavra nova, mas a uma forma verbal idêntica à segunda pessoa do plural do mesmo tempo verbal.

Será que daqui a alguns anos a conjugação *tu comestes será gramaticalmente correcta? Não faço a mínima ideia, mas não excluo a possibilidade. Essa evolução seria apenas uma das inúmeras registadas nas línguas românicas que resultam de fenómenos de regularização do sistema linguístico ou de atracção de paradigma. Há um exemplo clássico no Latim que é o facto de um vocábulo como honos ter evoluído para honor apesar de não reunir as condições (fonema «s» em contexto intervocálico) para se verificar a lei fonética (rotacismo) que permitiu, por exemplo, a evolução honosem > honorem. Saussure explicava o fenómeno analógico de duas formas: por um lado, houve uma atracção do paradigama: após a evolução das outras formas, honos tornou-se irregular (fenómeno de reposição da regularidade); por outro lado, o próprio paradigma da língua latina já admitia a possibilidade de um nominativo em –r (orator, oratorem).

Estão a ver as semelhanças com a nossa 2PSPP? Pois é.

Vira o disco e toca o mesmo

Acabo de ouvir o Rui Castro na TSF, perorando contra a despenalização do aborto. Acreditem ou não, ele saiu-se a páginas tantas com este raciocínio: não vale a pena agora avançar para esta solução radical, quando obra bem mais meritória e eficaz seria investir na educação reprodutiva e sexual.
Ora lembro-me eu muito bem dos senhores que há uns anos se bateram com êxito pela mesma causa a garantirem, com rasgados sorrisos para a TV, que aquela vitória seria o início de um grandioso movimento em prol da… educação reprodutiva e sexual. Deram por isso, nestes 8 anos? Claro que não; de notável, só me vem à ideia uma tal Mariana Cascais, senhora muito bem então com responsabilidades governativas, a garantir que, se dela dependesse, a educação sexual desapareceria dos currículos escolares. E de continuar a ver uns senhores de sotaina a maldizer o preservativo e a pílula.
Bem dizia o Marx que a História tende a repetir-se como farsa.

APELO

Há uma miuda internada, com doença grave, que precisa urgentemente de sangue B- (negativo). Malta, vamos lá ajudar a miuda! Divulguem este pedido pela blogosfera, nacional e internacional.

Contactos: Luis Carvalho 93 108 5403
Pedro Ribeiro 22 204 1893

Prazeres da língua – 1

Aqui em casa, no Aspirina, não há ninguém com o periúdo. Somos um blogue masculino. Exorbitantemente masculino.

Mas não somos mediúcres, julgo eu. Haverá, no máximo, quem nos ache miúpes.

A sério. Se souber de mais retorcimentos vocabulares deste tipo, informe o pessoal. Fazemos colecção. Mais: se achar que a nossa língua é «mesmo assim», diga também. Um gajo já está por tudo. Mesmo rilhando os dentes.

SIM OU NÃO

Há (haveria se isto fosse conversa telefónica directa e não-fiada) várias opções na resposta a uma pergunta que gostaria de fazer aos consumidores de gasosa democrática que por aqui tropeçam. Sempre é melhor que o “sim ou não” – “Deus ou Diabo” que se anda a oferecer às pessoas sobre o problema das terminações artificiais das gravidezes. Mas, estou mesmo a ver, serei eu que no fim terei de ser o respondente, e depois o respondão, porque não posso ficar para sempre à espera que me escrevam ou que a pele se erice a alguem.

Confusos e já a mergulharem no aborrimento? Há cura para isso. Basta olhar para 2006, e pensar que 2007 só pode ser mais um Ano de confirmação, um ano neo-quase-tudo-mau (fascista, negociador, conservador, disfarçador, intriguista, etc., etc), isto é, Ano que será certamente do Lacrau e possivelmente da Osga, ou da Hiena e do Papagaio, com highlights previstos no comércio de dragões em Xangai e deterioração também certa da indústria do hambúrguer humano no Iraque, e muita conversa de bruxas políticas ocidentais à volta de mesas redondas para decidirem o que já está decidido há muito tempo. Enfim, segue o misterioso quesito:

Se merecesse a pena, por onde é que acham que eu deveria começar para dar uma opinião muito pessoal de como vai o mundo – com as boas novas ou as novas pesarosas; com o sal necessário à vida ou com o podre dos cheiros enxofrentos e amoniacais; com o fel ou com o mel; com o anúncio tardio e incrível da salvação cientificamente provada e garantida para todos depois da morte física ou com o veneno persistente e teimoso que ao longo dos séculos tem preterido a verdade e postergado os direitos das maiorias sãs mas combalidas de corpo e espírito?

Pensem nisto os meninos que ainda não capitularam ao poder de aturdimento dos elixires destilados para consumo pelo cidadão maior e vacinado. O resto pode ir pensando na melhor forma de organizar a versão lisboeta da Maratona Masturbatória de Londres, um sinal de indesmentível progresso que, curiosamente, poderá revelar-se como a solução simples para evitar as despesas previstas com o aborto livre e subsidiado, muito embora nada resolva sobre o importante aspecto da falta de respeito, não direi ao feto, mas à alma eterna e voluntária que é forçada a re-planear a partir do ventre doutra mulher.

TT

Por fim descobertos os culpados do fiasco iraquiano

No “Público” de hoje, Rui Ramos explica-nos que a ocupação do Iraque não foi bem como imaginávamos. Afinal, as armas terríveis que povoavam os sonhos da menina Rice com cogumelos atómicos não assustaram ninguém. Afinal, os horrores do regime de Saddam não impressionaram George Bush por aí além. E mesmo aquela ideia de montar no Médio-Oriente um glorioso farol da Democracia e da American Way não era para levar a sério.
Na realidade, como nos revela Ramos, o falcão Rumsfeld era sim adepto de uma mera «expedição punitiva». Só que «houve que contar com a célebre “comunidade internacional”» e esta acabou por empurrar os renitentes EUA para o calvário da ocupação.
Bem me parecia que ainda estava para aparecer uma luminária com a derradeira desculpa: a culpa de tudo isto é dos malvados europeus.

PS. Aqui, pode ler-se uma excelente resposta ao artigo de Rui Ramos que lançou as bases para o disparate de hoje.

Os quê de onde?

«Queres de ti lapidar
as rosas sanguíneas
Os rubis do teu útero
quando o tempo se esquece»

Excerto de um poema de Maria Teresa Horta,“Pastora do Corpo” (a sério), integrado na “colectânea de escritos pela despenalização” a lançar hoje pelo Movimento Cidadania e Responsabilidade pelo Sim. Confirma-se que nem os bons escritores se dão bem com os panfletos. E tremo só de imaginar o resto da obra. Entre isto e as declarações do ministro da Saúde, não sei bem qual será o melhor candidato a um pequeno exercício de censura profilática a bem da causa.

Antes de aplicar a graxa, impõe-se uma cuspidelazita

O estilo do bom graxista, como é normal nas criaturas com mais ambição do que coluna vertebral, passa por reverenciar a autoridade e tentar cuspir em quem não se adivinha préstimo. O dono do Portuguese Ass Suckin’ julga que chamar a alguém que nem conhece “monte de esterco” revela algo para lá de boçalidade e falta de cabecita. Estará no direito dele. Mas receio que esta cuspidela tenha sido enviada contra o vento; com as consequências que se adivinham.

PS: quanto ao post do Maradona que o Ass Sucker cita, estamos noutro campeonato. A argumentação parece escorreita, faltando-lhe apenas levar em conta um facto incómodo mas decisivo: a maioria das vítimas do “Luz do Sameiro” dormia quando o barco naufragou. E julgo que ninguém será obrigado a usar colete durante o sono. Isto para não especular sobre o mais que provável efeito letal da hipotermia naquelas condições, com ou sem colete. A verdadeira inconsciência terá sido, isso sim, a proximidade excessiva da zona de rebentação.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório