Gosto do Pedro Nuno Santos: é transparente, assertivo e combativo. O artigo que hoje escreve no Público a propósito das eleições presidenciais, porém, tem a meu ver tanto que criticar que nem sei por onde começar.
Mas cá vai. Começo por uma consideração geral sobre a opção do PS – nenhum candidato próprio (preferência de Costa) versus apoio a Ana Gomes (preferência de Pedro Nuno). António Costa é um governante pragmático. Há quem atribua ao termo “pragmático” uma carga negativa, por causa de uma hipotética cedência nos ideais, mas esse “quem” não sou eu de modo nenhum. O pragmatismo tem dados bons frutos.
Marcelo Rebelo de Sousa não constituiu uma força de bloqueio à governação durante o seu primeiro mandato. É um facto que, muito pelo contrário (e exceptuando o péssimo, cruel, demagógico, quase imperdoável comportamento do PR na altura dos incêndios de 2017 e a sua excessiva e quase permanente sede de protagonismo), Marcelo respeitou as decisões do Governo e muitas vezes formou equipa com ele para fins de bem maior. Foi um garante de estabilidade, passe o chavão. Marcelo é popular e Costa é bem visto pela maioria dos cidadãos. Eu diria que é uma dupla que não tem qualquer interesse em hostilizar-se mutuamente. O PS não tinha, por conseguinte, nem razões nem nenhuma figura que pudesse apresentar contra Marcelo com base em putativas divergências insanáveis com ele. Salta à vista que Marcelo reconhece valor a António Costa e é sensível aos seus argumentos e ao seu peso eleitoral. Além disso, por muito que Pedro Nuno fale em ideologia (campo onde um hipotético conflito em relação a Marcelo pouco se notou nos últimos cinco anos e resta saber quem cedeu), a verdade é que, para as eleições presidenciais, a pessoa do candidato importa muitíssimo. Ana Gomes tem demonstrado ser uma pessoa demasiado emotiva, precipitada nos seus julgamentos, justiceira popular e defensora convicta (sem a mínima reticência) de piratas informáticos que actuam à margem das leis do Estado de direito para se poder ver nela uma futura zelosa cumpridora da lei e da Constituição. É completamente tendenciosa, incapaz de neutralidade. Além de que sempre foi crítica de António Costa e do seu governo. A que propósito a apoiaria ele, como lamenta Pedro Nuno? Aproveito aqui para perguntar aos socialistas que pensam que se devia votar contra Marcelo devido à tradição de conflito nos segundos mandatos com vista ao regresso da direita ao poder se honestamente acham que algum dos outros candidatos, incluindo a Ana Gomes, iria facilitar a vida ao Governo mais do que o professor. Pois. Por aí não adianta argumentar. Mas adiante.
Pedro Nuno acha que é mau o PS estar a ocupar o centro, porque, alegadamente, isso fortalece os movimentos de extrema-direita ao fazer definhar a direita social-democrata, vista como hipotético tampão. Ou seja, o PS devia encostar-se à esquerda, cuja ideologia colectivista e anti-lucro deixou de ter qualquer nexo ou atractividade enquanto houver memória e exemplos vivos desse tipo de socialismo, para deixar margem a que o PSD ocupe o centro e reduza assim as possibilidades de crescimento da corja do André Ventura e quejandos. Convenhamos que esta visão das coisas é bastante absurda. E uma ilusão. O surgimento de movimentos nacionalistas, xenófobos, demagógicos e frequentemente delirantes como o Chega, o Front National ou o MAGA de Trump tem mais a ver com a democratização da ignorância e da grunhice permitida pela Internet e as redes sociais do que com “descontentamentos” com o sistema e a ausência de uma direita decente. Nenhum dos votantes no Ventura acha que os problemas económicos dos portugueses vão ser resolvidos por ele. Ou então são ainda mais burros do que parecem. Mais deploráveis, digamos. Os movimentos de extrema-direita usam a manipulação tal como as seitas. São projectos de poder pessoais e de uma camarilha encabeçados por gente que sabe aproveitar o acesso à informação de uma imensa massa de anónimos pouco conhecedores da História, da ciência, da política, etc. para lhes apregoar uma condução a uma terra prometida (de ódio, de racismo, de testosterona e outras características pouco racionais e pacifistas).
Em Portugal, ao contrário de França, sim, tem sido o PS a ocupar o lugar da social-democracia. Começou com Sócrates e, depois disso, o PSD nunca mais foi o mesmo. Passos Coelho era já um André Ventura mais acanhado ou com menos verve. Era ainda outro tempo. Pois bem, segundo PNS, o PS devia abandonar esse espaço moderado que é a social-democracia e recuar em diagonal, para a esquerda. Teria cá um futuro, ó Pedro Nuno.
Diz ainda PNS que “o nosso partido não foi criado nem existe apenas para estar no poder, mas para transformar Portugal num país onde se vive bem em comunidade”. Ó Pedro Nuno, mas não é para isso que convém estar no poder? Como é que esse desígnio se consegue fora do poder?
Enfim, não me vou alongar mais, apesar de as minhas críticas poderem ser mais desenvolvidas. O artigo encontra-se no Público para quem o quiser ler. Este ataque de questionamento ideológico de que foi acometido PNS quando o PS e o Governo estão bem e continuam em alta no meio desta tormenta da pandemia e do alarido do comentariado invejoso é um pouco, para não dizer totalmente, despropositado. Talvez o Pedro Nuno quisesse apenas justificar o apoio que deu a Ana Gomes, mas… já agora, a Ana Gomes? Porquê?