Como disse Pedro Marques Lopes, mesmo que a operação Influencer (com outro qualquer nome giro) se tivesse limitado à pessoa de Vítor Escária, e a única situação visada pelas autoridades fosse relativa ao dinheiro encontrado no seu gabinete da residência oficial do primeiro-ministro, Costa continuaria a ter de pôr o lugar à disposição. Trata-se de uma irresponsabilidade demasiado grave que compromete todo o Governo e, especialmente, o líder do Executivo. Podemos depois imaginar que Marcelo não aceitaria a demissão, tendo em conta o colossal prejuízo de se ir para eleições com o PRR na berlinda e demais decisões governativas urgentes para a população, ou que então aceitasse a troca de primeiro-ministro e ministros, mas nesse cenário o Governo ficaria duplamente diminuído: nas mãos do Presidente e sem autoridade moral perante a oposição.
Se esse dinheiro de Vítor Escária provém de um qualquer ilícito (nem que seja meramente fiscal, como no mínimo parece inevitável), estamos perante um estupendo traidor a quem lhe deu tanto poder político e social, e ainda ao próprio País por via das consequências da sua acção. Se esse dinheiro está limpo, se nasceu de uma mania de ir ao multibanco levantar parte do ordenado para se divertir a guardá-lo no gabinete porque é taradinho, então à mesma toda a sua competência para ocupar aquele cargo fica posta em causa — arrastando na sua queda o critério de quem o escolheu e com ele trabalhou com tanta proximidade e confiança.
Assim, a demissão de Costa era inevitável pois a operação Influencer atinge-o em diferentes pontos nevrálgicos que comprometem a sua credibilidade e capacidade política, envolvendo suspeitas bem mais graves do que saber a origem do dinheiro encontrado no gabinete de Escária. Se vier a ser rapidamente ilibado das suspeitas pendentes no inquérito, continuará a sofrer as consequências de todas as peripécias judiciais futuras com os restantes envolvidos. Tal pode demorar anos e anos. É o mais espectacular volte-face na reputação de um político em toda a história de Portugal que a minha pobre memória alcança. Isto porque António Costa era, até 6 de Novembro de 2023, o cidadão em melhores condições para chefiar o Governo, a anos-luz da concorrência na oposição.
Reconhecendo esta factualidade, podemos admitir que as autoridades estão a agir dentro da lei, cumprindo o seu dever. É bom manter este viés republicano de crença na Justiça democrática. Mas é ainda melhor acrescentar-lhe as evidências de termos uma Justiça que comete crimes, os quais ficam sistematicamente impunes. Importa recordar a operação Marquês para se compararem procedimentos e estratégias de comunicação. Nos idos de Novembro de 2014, a detenção de Sócrates foi acompanhada por uma campanha mediática originada no Ministério Público, um blitzkrieg de calúnias, onde se fez o julgamento instantâneo desse cidadão. Anos depois, depois de tudo e todos devassarem, nada do que então se alegou como prática criminosa se mantinha de pé. O processo arrastou-se sem provas de corrupção até que, prazos processuais há muito queimados, conseguiram sacar um acordo com um arguido que obteve vantagens por fazer uma declaração que finalmente permitia aos procuradores ter um ponto de apoio para a sua alavanca justiceira.
Os actuais alvos da operação Influencer são, em diferentes graus e modos, cúmplices dos algozes da operação Marquês. Como cúmplice é a sociedade portuguesa, salvo raríssimas excepções.