Todos os artigos de Valupi

Clichés da pulhice

A nacionalização do BPN deixou Louçã histérico de felicidade. Descia do céu a indesmentível prova da aliança do PS à banca, ao grande capital, às manigâncias e crimes nos offshores. Era o ingrediente que faltava na caldeirada que misturava desempregados, professores e revoltados de todas as causas e proveniências. A cada um deles, Louçã repetiu à exaustão a má nova: Vês, a ti o Governo não dá nada, e ainda quer tirar o pouco que tens, mas aos ricos Sócrates dá milhões e milhões do Estado só para salvar as suas fortunas.

O modo febril como Louçã expelia o seu populismo justificava-se como técnica demagógica, mas também à luz de uma desvairada fantasia que o tomou de assalto graças à decadência social-democrata e poesia Alegre, aquela em que se via a ficar à frente do PSD, ou até do PS, nas Legislativas. Por isso, de cada vez que saía mais uma notícia relativa ao BPN ele salivava e esfregava as manápulas. Esta postura lesiva da racionalidade do debate político já era grave, mas muito pior ficou quando o PSD e CDS começaram a imitar a esquerda imbecil repetindo que o Estado estava a meter dinheiro a fundo perdido no banco nascido no, e do, cavaquismo. Aquela instituição bancária – ligada à direita tanto pelos dirigentes como pelo tecido sociológico dos clientes – era agora chutada por essa mesma direita para o centro da luta partidária. Valia tudo para estes ranhosos, até sugerir que o Governo devia ter deixado falir o banco que tanto dinheiro lhes deu a ganhar e que sabiam ter importância económica relevante para o sistema.

Teixeira dos Santos explicou fora e dentro do Parlamento, desde a nacionalização, que nem 1 cêntimo tinha sido ainda perdido pelo Estado com o BPN. A oposição riu-se e continuou a envenenar a opinião pública. Havia eleições, havia a irresponsabilidade, havia o ódio. Havia milhares de milhões de euros e de razões para atacar Portugal.

Mas o que escrevi foi apenas o modo barroco de sugerir este texto do João Pinto e Castro.

Foi feio, Sócrates

Pacheco Pereira levou ao Parlamento a seguinte questão: que espera o Governo para considerar já culpados os arguidos do caso Face Oculta, sem esperar pela Justiça, assumindo as consequências políticas dos supostos actos ilegais de terceiros?

Esta pergunta não é feita para ter resposta, é feita para ser pergunta que fica sem resposta. Ao que se pode responder é ao carácter de quem a faz. Como o fez Sócrates. Sem esforço aparente. E com bonomia.

Mas estamos a falar do Pacheco, um vórtice de empáfia. A sua presença vai ser de permanente intoxicação, podendo provocar vítimas em qualquer partido. Desta vez, foi Ribeiro e Castro a ter sido apanhado no turbilhão e a ser arrastado pela força negra. Fez figura de parvo não se sabe porquê nem para quê. Amanhã será outro qualquer.

Horas depois, podemos ler nos blogues alucinados que Sócrates se portou mal com o Pacheco. Pudera, eu também diria o mesmo se fosse do PSD. É feio ver alguém bater nos nossos, ainda por cima nos mais fracos.

Só têm de paginar, está pronto para entrega

O nosso amigo assis não podia ter sido mais relevante na pergunta: para quando um livro com os panegíricos a Sócrates que tenho lançado aos bits com invejável entusiasmo e denodo? Ou melhor, que forças de bloqueio foram mobilizadas para atrasar o feliz enlace entre a futura obra e o seu vastíssimo público? Como ele refere no comentário, trata-se dum presente natalício ideal para amigos e familiares. Os que admiram Sócrates ficariam aliviados ao descobrir que não estão abandonados num quotidiano persecutório onde têm de esconder a sua adoração, e os que o odeiam ficariam deslumbrados com a ousadia da ficção e respectivos excessos literários.

Editoras do meu país, a coisa está escrita, é magnífica e já só espera os vossos cheques. Bute lá fazer dinheiro com o Engenheiro enquanto é tempo, antes que os maluquinhos da oposição comecem a governar esta merda com a sua maioria de uma irresponsabilidade absoluta.

Seculo seculorum

Os crucifixos devem sair das salas de aula na Escola Pública, os homossexuais devem poder casar pelo Civil. E tudo e tudo. E tudo o mais que a sociedade escolha em liberdade. Inquestionável. Mas a Igreja deve estar calada?

A perseguição à dimensão política da Igreja assinala uma cidadania imatura. Os preconceitos de origem religiosa são tão legítimos como os preconceitos de origem ideológica. E temos a ganhar com essa diversidade intelectual. A latente, eventual ou ocasional conflitualidade entre valores religiosos e seculares está ao serviço da própria secularidade.

A democracia tem a sua força na sua fraqueza. É contra-intuitiva.

Os professores têm razão

manifestação professores

O PCP fornecia as camionetas e o maralhal que fosse preciso. Também ofereciam serviços de segurança. O BE encarregava-se das homilias e do teatro. Era uma demagogia de cortar à faca e disparar a pistola. Agora, o CDS diz que descobriu umas ideias muito católicas para resolver a cena. E o PSD acordou para a necessidade de fingir que vai ter algo a dizer, mandou para o ar 30 dias de nada e coisa nenhuma.

Que chatice, que sarilho, isto de termos em Portugal um Governo que ousou requalificar os professores. Estávamos tão bem na modorra da farsa, tão acomodados. E valeu a pena? Não. Os professores não querem mais chatices – querem é mais dinheiro e menos trabalho. E não faltam partidos para lhes dar apoio parlamentar. Até porque os professores têm razão, ou não estariam a educar o País.

Gente como Nós

É um dos programas de rádio favoritos da minha alma lusitana. Um daqueles casos felizes em que o narcisismo nos leva para fora de nós. Conhecer as histórias dos que vieram para Portugal trabalhar, ou estudar, desperta uma curiosidade que ultrapassa os indivíduos em causa e só descansa quando chega às suas terras e suas gentes. Não há nada mais civilizador do que descobrir que o estrangeiro nunca existiu, era uma miragem. Somos todos patrícios de um Mundo grande e cheio de trajectos, cheio de locais onde podemos ter a nossa casa. Toda a gente é como nós, nós como toda a gente.

Quando, nestes programas de rádio ou noutras ocasiões, oiço o Português falado por alguns em Moçambique, Angola ou São Tomé, por exemplo, com uma clareza sonora e rigor gramatical já raros de encontrar em Portugal, ou quando oiço o Português falado com os sotaques timorenses, africanos, sul-americanos, romenos, ucranianos, ingleses, holandeses, alemães, indianos, chineses… sou puxado para um sentimento onde a Língua é, de facto, a minha pátria. Um Quinto Império feito das diferenças e dos diferentes, ilha dos amores.

*

Selecção quase ao calhas:

Preparação para a nacionalidade portuguesa
Várias histórias. E um mundo em cada uma, em cada um.

Dia Internacional de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina
A luta pela secularidade não se faz só contra a Igreja Católica. A cada ano, 3 milhões de raparigas em todo o Mundo estão em risco de serem vítimas deste crime tão violento e tão absurdo.

Estrangeiros em Lisboa
Um italiano, uma norte-americana e uma cabo-verdiana. O italiano, que criou um dos melhores restaurantes em Lisboa, veio a Portugal descobrir o seu amor pelo Brasil. Acaba a reportagem a servir um saboroso prato de cidadania. A americana conhece melhor Lisboa do que a enorme maioria dos alfacinhas. Diz que por cá a vida é tranquila, desculpem lá. Se quiserem saber o que é confusão, ide a Los Angeles. A cabo-verdiana deve ao engenheiro Sousa Veloso a descoberta da sua vocação profissional: agronomia. Dele recebeu dois beijinhos com amizade, para além de um destino que a chama para África.

Palco central: México
Como é que um português empreendedor vive a nacionalidade portuguesa lá fora? Com orgulho. Um orgulho que não tem origem na distorção sentimentalóide, antes na mais rigorosa lucidez comercial. É uma lição de inteligência.

Claude, o maestro

Nesta entrevista vemos um homem de 90 anos cansado da vida. Uma vida de excepção, tanto pelo que nela realizou, como pelos protagonistas da História com quem privou, como pelo longo e largo trajecto existencial que lhe deu inumeráveis e tão díspares descobertas num século feérico e em constante aceleração civilizacional.

Mas mais do que estar cansado, ou talvez por isso, o que nos atinge com maior força é a sua derrelicção. Ele chega ao fim do trajecto sem saber para onde leva o caminho, sequer acreditando que valha a pena caminhar. Olhou para a escuridão com uma lupa, a escuridão pareceu-lhe ainda mais densa.

E, súbito, faz uma revelação:

Imagine que podia começar tudo de novo. Repetia tudo o que fez ao longo da sua vida?
Nem por sombras. Gostaria de fazer coisas completamente diferentes do que fiz.

O quê?
Gostaria imenso de ser compositor e maestro. Sobre isso, não tenho quaisquer dúvidas!

Ah, a música… Estamos num universo onde, dando tempo ao tempo, os átomos transformam-se em compositores. Os sons espalham-se pelo espaço levando mamíferos seleccionados para dimensões fora desse espaço, fora de todo o tempo. E enquanto tocar a música, o nosso barco não vai ao fundo.

Cantemos, pois. Espantemos o mal.

Onde está a direita?

We must not confuse dissent with disloyalty. When the loyal opposition dies, I think the soul of America dies with it.

Edward R. Murrow

*

Há semelhanças incríveis, ou inevitáveis, entre Sócrates e Obama. Ambos se propõem reformar uma economia em crise estrutural. Ambos querem uma sociedade onde o Estado proteja os mais fracos e os mais inteligentes. Ambos têm que lidar com uma direita velhaca, paranóica, reduzida à infâmia. Ambos têm um passado que é alvo de ataques sórdidos. E, finalmente, ambos decidiram lutar contra o poder mediático pervertido sem recorrer à perversão, assumindo o combate político frontal contra quem usa o escudo jornalístico para fazer terrorismo político.

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Organizem-se, comecem por ir almoçar juntos

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A oposição reclama a maioria dos deputados e dos votos. Logo, o PS tem de se afastar e deixar a oposição fazer o que lhe apetecer. É lógico. Por agora, e só enquanto a oposição não tiver a equipa governativa pronta para apresentar ao Presidente da República, aquele Governo que foi empossado continuará com os seus actos de boa gestão. Por exemplo, mantendo a avaliação dos professores. Que é para ver se todos aprendem.

Bento enigma

Depois de um grupo de melancias ter sido corrido a tiro de Alvalade, Bento tem de ficar até ao fim da época, pelo menos. A sua permanência tornou-se numa causa leonina.

Quanto à equipa, toda a minha gente, do treinador ao presidente, passando pelos jogadores e pelo relvado, diz o mesmo: a situação está difícil. Não se diz é porquê. E talvez seja melhor assim, arriscavam a que a situação ficasse ainda mais difícil se mostrassem não saber como a explicar. Porque, de facto, não sabem.

O que ele queria era uma pirâmide

No último Câmara Clara, onde bem se fala dum português demasiado independente e brilhante para que alguma vez se torne popular, aparece Alegre a dizer que não entende quais são os critérios para ficar a repousar no Panteão Nacional. E, sem perder o embalo, pergunta por que não há um panteão dos poetas. É que tudo lhe pareceria mais fácil.

Eis o que proponho ao PS: ofereçam-lhe um mapa de Portugal e mandem-no procurar o local ideal para a construção do futuro Panteão Nacional dos Poetas. Isso irá ocupá-lo nos próximos 10 a 15 anos.

As armas e os barões assinalados

Tal como Marcelo aqui se esforça por dizer, o PSD vive em guerra civil irreversível. Os barões utilizam as suas armas uns contra os outros, desprezando o futuro do partido com o mesmo entusiasmo com que têm desprezado o futuro de Portugal.

A irrelevância do PSD é total. Nem conseguem fazer oposição, nem servem para governar. Mais valia que fossem até à Taprobana, sem pressa de regressar à ocidental praia lusitana.

Videotecas municipais

Cada município devia ter uma videoteca produtora. Podiam começar por copiar esta da minha cidade. É tão fácil, tão barato, recolher e criar imagens que só falta alguém mostrar aos poderes autárquicos as vantagens culturais – leia-se, políticas e económicas – do apoio municipal à produção vídeo. Seria um serviço de extraordinário valor histórico e científico encontrar o Michel Giacometti dos filmes em cada concelho. O acervo recolhido, para lá da importância documental, seria também um chamariz turístico. Igualmente no campo artístico, a produção municipal poderia gerar obras que unissem o mérito intelectual com o prazer estético, transformando memórias em esperanças. Como nesta lista. E como neste belíssimo exemplo:

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