Não posso deixar de voltar a fazer referência, aqui, a mais um artigo do Observador sobre interrogatórios a suspeitos da Operação Marquês. Estes artigos são um bocado deprimentes, por serem de paupérrima substância (finda a leitura, começa a ser regra perguntar-me “So what“?), mas ao mesmo tempo divertem-me ao darem-me testemunho das grandes preocupações do Ministério Público. Hoje trata-se da momentosa questão do blogue Câmara Corporativa e do seu principal blogger, António Costa Peixoto, conhecido pelo pseudónimo Miguel Abrantes. Pelo que se lê, o Ministério Público considera que o blogue não passava de um instrumento de propaganda e, só por isso, já condenável. Mesmo não o sendo (muito menos por encomenda, como confirma o seu principal autor, quando interrogado), eu gostaria muito de saber de onde surgiu a ideia daqueles procuradores de que, em política, não pode haver propaganda. E que toda a propaganda é má, se for favorável a determinado político. De onde raios vem esta ideia? Receio bem que nem eu queira saber a resposta. Mais uma vez, recomendo que leiam. Estas várias transcrições têm a vantagem de nos deixarem perceber a paranóia do Ministério Público com tudo o que tivesse uma ligação, por ínfima ou marginal que fosse, ao agora acusado.
António Peixoto, além de defender as políticas do governo Sócrates e dar guerra (sempre com fundamento e muitas vezes documentadamente) à miserável oposição, escrevia num português impecável, estava bem informado e atento, tinha sentido de humor, tinha colaboradores de igual excelência, punha a cabeça à roda à direita, enfim, era o que se considera a lâmpada mais brilhante do candelabro em blogger político. Não seria natural que, mais tarde ou mais cedo, amigos comuns o apresentassem a Sócrates? Há alguma coisa de anormal no facto de um primeiro-ministro saber da existência de um blogue de apoiantes e de os querer conhecer? Há alguma coisa de anormal em querer a colaboração de um apoiante com a sua qualidade, experiência e formação para a revisão das suas teses académicas ?
Eu escrevo aqui no Aspirina B desde o tempo em que Sócrates ainda era primeiro-ministro. Defendi as suas políticas como muita gente que conheço. E como milhares de pessoas que desconheço, já que mais de um milhão de portugueses votou nele para as legislativas. Não o conheço de lado nenhum, nunca falei com ele, não conheço nenhum elemento do seu círculo de amigos, nunca fui contactada por ninguém, em suma, sou uma espontânea, uma patega, e, pelos vistos, também uma cúmplice de um terrível crime. O Ministério Público, quer por razões de ignorância quer por má fé, parece entender que deveria ser impossível, se não proibido, alguém estar de acordo com as políticas seguidas por Sócrates. Ora, este é um muito mau princípio para quem se dispõe a lançar um processo da envergadura da Operação Marquês e revela perceber tão pouco do processo político. Estes interrogatórios, e a sua publicação, contribuem enormemente e apesar deles para nos fazer duvidar dos grandes princípios em que assenta toda a tese da acusação.
Uma coisa é a investigação sobre a origem do dinheiro e sobre a relação de Sócrates com Carlos Santos Silva. Investiguem, façam-lhes as perguntas que quiserem e eles que se expliquem: se eram empréstimos, se eram adiantamentos, se havia uma sociedade não convencional, enfim, averigúem. E averigúem se de alguma maneira as relações de amizade de um ex-primeiro-ministro com um empresário amigo prejudicaram o erário público, evidentemente. Agora, que se queiram misturar nessa cassarola as relações normais entre pessoas com a mesma filiação política e respectivas práticas correntes (como a associação de pessoas em blogues) e considerá-las como altamente suspeitas e intrigar nos jornais acerca delas é outra coisa bem diferente, que não devia acontecer.
Repare-se neste extraordinário comentário ao mesmo artigo do Observador:
maria perry
“Ficámos a saber, sem dúvida alguma:
1) João Galamba e Pedro Adão e Silva fazem parte da máquina dissimulada de propaganda do PS. Muito provavelmente eram colaboradores da Câmara Corporativa, pois se não fossem este Peixoto teria logo respondido que não eram.
2) A máquina de propaganda envolve blogues, artigos de jornais e livros sendo este Peixoto um dos revisores/escritores.”
Que horror! Ó João Miguel do Público, não queres escandalizar-te com esta pouca vergonha?
Relações banais entre actores políticos ou simplesmente amigos e instrumentos banais de influência política passam a ser automaticamente vistos como grandes canalhices ou até crimes. Basta saírem no Correio da Manhã e quejandos. Lembre-se que este mesmo comentário é escrito num diário digital que mais não é do que um órgão de propaganda política da direita passista, propaganda, esta sim, remunerada desde a criação deste blogue gigante. Neste caso já não interessa saber por quem, não é?