Em 2015, a universidade jesuíta americana de Saint Louis retirou uma estátua que tinha no seu exterior, representando o grande jesuíta Pierre-Jean De Smet empunhando uma cruz junto a dois índios, e colocou-a no interior do seu museu. De Smet foi um amigo dos índios americanos, como se sabe. A estátua tinha sido considerada por várias entidades e pelos alunos da universidade, que são de todos os credos e não apenas católicos, como um alegado símbolo colonialista e supremacista branco. Os jesuítas cederam e tiraram-na da vista pública, apesar dos remoques de gente conservadora.
Em Julho de 2017, em Lisboa, o provedor da Santa Casa, Santana Lopes, com o apoio do presidente socialista da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, colocou no Largo Trindade Coelho uma estátua de outro grande jesuíta, António Vieira, empunhando uma cruz junto a três crianças índias. Vieira foi um amigo dos índios, como se sabe. Houve recentemente uma manifestação contra a estátua, por alegadamente glorificar o colonialismo e o “escravagismo selectivo”, e logo uma contramanifestação de nacionalistas de extrema-direita. Não houve porrada, mas podia ter havido.
A estátua da Universidade de Saint Louis antes de ser retirada.
Medina na inauguração da estátua de Vieira em Lisboa
Não gosto da estátua de Vieira, completamente ultrapassada esteticamente e espiritualmente, mas nunca me passaria pela cabeça que ela glorifique o racismo, o colonialismo ou o escravagismo. Menos gosto de quem teve a ideia de a lá colocar, Santana Lopes, nem do motivo por que o fez – autopromoção em vésperas de regresso à política. Menos ainda de quem foi lá fazer a tal contramanifestação. Em suma, não há nada nesta história nem neste monumento que me agrade, excepto que posso concordar teoricamente com uma homenagem da cidade de Lisboa a António Vieira, que foi um grande lisboeta, um grande português e um grande cidadão do mundo, também perseguido pela Inquisição e grande mestre da nossa língua. Quero pensar que foi esse o motivo do apoio de Medina, e não o pensamento nas eleições autárquicas de Outubro, mas muito provavelmente estou a ser ingénuo.
Culturalmente, Lisboa está, de facto, a anos-luz da América (apesar do Trump) e de Nova Iorque, onde em 2017 se inaugurou uma fantástica estátua no coração de Manhattan, a Rapariga sem Medo, desafiante do popular Touro Enraivecido que já lá estava. É uma moderna, inteligente e bonita homenagem à mulher americana. Aqui fica, como contraponto.