A direita está possessa (com o Marcelo)

A direita está crescentemente fula com o Marcelo. Mal contém a sua raiva. A explosão de fúria de Coelho poderá estar para breve. Falta só a pastilhinha de menta dos Monty Python, de que há tempos aqui falei, para se dar o cataclismo gástrico do chefe da oposição, farto de engolir toda a bicharada marcelina. Até agora ele tem apenas deixado cair uns pingos de fel, umas coisitas lamurientas, mas começam a surgir no seu entourage reações não só de enfado (“o presidente anda com o governo ao colo”), como até de frontal repúdio das declarações de Marcelo – entre estas a recente defesa de Centeno no idiota “caso” da CGD. Marcelo não se ficou por aí, qualificou também de absurda a eventualidade de demissão do ministro das Finanças. Ora esta demissão é presentemente o objectivo n.º 2 do partido coelhista. O objectivo n.º 1 é desde 2015, e continuará a ser, a queda do governo de Costa, peditório para o qual Marcelo  tem notoriamente recusado dar. O objectivo n.º 3 parece ser a desestabilização permanente da Caixa, com vista à futura privatização das ruínas do banco público, outro assunto em que Marcelo já tem aparecido a desancar o coelhismo. E mais objectivos parece não ter o partido coelhista, porque os golpes de Estado estão fora de moda.

Na entrevista de ontem ao El País, Marcelo dá mais um chuto no cu da firma Coelho, Montenegro e Cª, ao afirmar sem complexos que o governo de Costa “superou as expectativas iniciais”, e que isso, “para Portugal, foi positivo”. Coelho, o discípulo dilecto do conspirador Cavaco, deve ter tido terríveis pesadelos a noite passada.

O presidente, sobre cuja pessoa nunca tive, no passado, grande opinião, tem-me surpreendido notavelmente, devo confessá-lo. Não só dou a mão à palmatória, como lhe darei o meu voto em 2021, se tudo continuar como até agora e Marcelo mantiver a presente linha de conduta.

Tentando entender o que move o actual presidente nesta atitude de lealdade institucional para com o governo socialista apoiado pelo Bloco e o PCP, começo por constatar que Marcelo assumiu de facto o seu cargo, desde o início, com um espírito genuinamente presidencial – unir, construir pontes, sarar feridas, como constata o El País. Mas isto não é explicação e não vai fundo. As boas intenções declaradas de um político são muitas vezes traídas pela sua prática.

No passado, como dirigente partidário e líder da oposição, Marcelo tinha falhado, lembram-se? Pelo menos, os pêpêdês correram rapidamente com ele. Antes já tinha falhado como candidato da direita unida à câmara de Lisboa. Como presidente da República, triunfalmente eleito meses depois de uma derrota eleitoral da direita nas legislativas de Outubro de 2015 (39% da direita contra mais de 50% do conjunto da esquerda), Marcelo está a triunfar crescentemente. É o que diz a sua alta cota de popularidade em todas as sondagens. Recorde-se que Marcelo iniciou esta carreira triunfante como candidato auto-proposto contra a vontade do Coelho. Ou seja: no seu partido ou como candidato dos partidos da direita, Marcelo falhou, mas na sua carreira individual, incluindo a de comentador político, Marcelo conseguiu singrar e triunfar. Foi a popularidade individual que angariou como comentador político, pisando, aliás, alguns calos à direita, que lhe deu a capacidade de impor a sua candidatura presidencial aos partidos de direita. É novamente a popularidade individual que mantém o presidente Marcelo em níveis de aprovação muito superiores aos da votação que conseguiu nas eleições presidenciais.

O presidente Marcelo não deve nada ao seu partido – partido, aliás, que ajudou a fundar em 1974, com Sá Carneiro e Balsemão, quando os tristes Coelho e Montenegro ainda mijavam na cama. Marcelo não deve nada aos partidos de direita, que não tiveram outro remédio senão apoiá-lo nas presidenciais de Janeiro de 2016. A sua legitimidade vem-lhe directa e unicamente do eleitorado. O que os partidos da direita esperavam dele eram apenas sonhos húmidos, vãs esperanças, porque o candidato não teve que passar por quaisquer negociações prévias com o Coelho ou a Cristas.

Já pensaram o que seria Marcelo como presidente da República se a direita fosse maioritária na AR? Se a actual solução governativa e a actual composição do parlamento parecem ser muito favoráveis ao intervencionismo e até ao protagonismo político de Marcelo, no caso de um parlamento maioritário de direita e de um governo Coelho-Cristas, que papel sobraria para o presidente? Desconfio que ele não ficaria caladinho em Belém e que procuraria a todo o custo intervir, mas estou convencido que tal presidência seria uma grande seca para Marcelo. Na actual situação é que me parece que ele se dá bem, pois cabe-lhe muitas vezes o papel de fiel da balança. E, sobretudo, porque não tem de aturar os fedelhos sectários e histéricos que hoje mandam no seu partido.

14 thoughts on “A direita está possessa (com o Marcelo)”

  1. Li-te na diagonal, Júlio, mas sugiro-te outras opções para o título (umas mais verdadeiras que outras, política e factualmente).

    «Passos Coelho está possesso (com o Marcelo)»
    «O PSD está possesso (com o Marcelo)»

    ou

    «Passos Coelho está possesso (com o Marques Mendes)», veja-se a vingançazinha no Expresso adiante.

    ou, ainda,

    «A direita está possessa (com o Passos Coelho)»
    «O PSD está possesso (com o Passos Coelho)»

    Entretanto, o que parece comprovar a chatice dos militantes do PSD e dos eleitores, eis o que diz a mais recente edição em papel propriedade do jornal do militante N.º 1:

    «O Expresso sabe que o PSD voltou a testar em sondagem o nome de Maria Luís Albuquerque — esta vice-presidente do PSD, tal como a também vice-presidente Teresa Leal Coelho, é vista como hipótese de
    recurso no caso de Passos não conseguir recrutar um candidato fora do seu círculo mais restrito. Porém, segundo fontes partidárias que conhecem estes estudos, todos os nomes que têm sido testados em sondagens pelo PSD colocam os candidatos sociais-democratas muito longe do socialista Fernando Medina e mesmo atrás de Assunção Cristas, a candidata do CDS. São os casos de Luís Marques Mendes (5,4%), Nuno Morais Sarmento (5,9%) e Maria Luís Albuquerque (7,4%), de acordo com sondagens de
    dezembro que o Expresso consultou. Nesse estudo, o melhor resultado para o PSD era num cenário que o partido excluiu: uma coligação com o CDS para apoiar Cristas chega aos 25,7% (ainda assim, muito longe de Medina, que está em terreno de maioria absoluta).»

    Expresso, 11.2.2017, p. 14.

  2. aeiou:

    Agradeço as informações do Expresso. Elas revelam o absoluto marasmo a que Coelho conduziu o seu partido.

    As tuas sugestões de títulos alternativos não são más, falham sobretudo ao não considerarem o CDS, que faz parte da direita. Cristas e os seus colegas também se têm esforçado em muitas ocasiões por contradizer Marcelo.

  3. De acordo, mas como li o post na diagonal o CDS pareceu-me que não era verdadeiramente citado.
    E, através de um control Find rápido, parece que se confirma.

    Pois, mas a desmiolada Assunção Cristas e o CDS poderiam ter algo a ganhar se jogassem imediatamente com a peça Marcelo colheita 2016-2017 (e deixassem o Pedro Passos Coelho e o PSD a chorarem sozinhos). Como as coisas estão e se prevê que fiquem, é verdade que poderão fazê-lo no pós-autárquicas mas coabitando com Passos Coelho? Ou sem o tipo, correndo o risco de ficarem a olhar para trás e perceberem que estrategicamente toda a gente se adiantou (Marcelo, o próprio PR está em jogo e as diferentes personagens do universo político-mediático sabem-no!, António Costa, Catarina, Jerónimo, até os gatos do gajo do PAN andam de orelhas arrebitadas) e não se sabe o que ai vem? Era pensar duas vezes, acho.

  4. Deixem só o PSD resolver o problema da liderança e a pressão dos merdia (que não tem sido branda)aumentar, que vão ver o Marcelito arreganhar a tacha ao governo.
    A táctica é velha: Não se combatem sondagens favoráveis. Espera-se que os sabujos debilitem a presa e, depois, finaliza-se a vítima moribunda. Perguntem ao Cavaco.
    Se fosse a ti, Júlio, aguentava um bocadinho antes de votar Marcelito.
    De qualquer modo, ele vai começar a fazer merda antes disso (eleições presidenciais)
    You’ll see…
    :)

  5. (actualização)

    «PSD está possesso (com o Marques Mendes)», como se sabe o CDS tem sido elogiado pelo tipo.

    e

    «O Passos Coelho está possesso (com o Pedro Santos Guerreiro)»

    Para se ver como as coisas andam aproveito só para colorir um pouco mais o objecto do teu post de ontem, Júlio. O PSG é o autor da newsletter do Expresso de hoje, e a conclusão a tirar é que até mesmo os rapazes da imprensa dos laranjinhas gozam com o desgraçado do Pedro Passos Coelho (sobra o Martim Silva que é outro desmiolado é um caso quase isolado, sabe-se).

    «Estávamos nós no mentiu-não-mentiu-omitiu-ó-tio-ó-tio de Mário Centeno quando ouvimos que o governo “manipulou” a data de alteração da lei para apanhar o Parlamento a entrar de férias e assim tudo passar despercebido. Falamos, ainda e sempre, do decreto-lei para isentar as apresentações de declarações de rendimentos e património dos administradores da Caixa Geral de Depósitos.

    Quem no-lo disse? Foi o líder da oposição, perdão, o advogado, perdão, o comentador político, perdão, o político Marques Mendes. Chamou-lhe “marosca”.

    A revelação, que, como se vê nas primeiras páginas dos jornais de hoje, vai marcar o dia, foi feita ontem à noite na SIC:

    “O Governo manipulou a data de publicação deste decreto em Diário da República. O Presidente da República promulgou-o a 21 de junho, mês seis, e o habitual é a publicação ocorrer dois, três, quatro dias após a promulgação. Mas só foi publicado a 28 do mês de seguinte, de julho, que é o início das férias dos deputados. Deste modo não se aperceberiam do decreto-lei e não podiam pedir a sua análise no Parlamento”

    O PS bem quer resumir a polémica a “tricas”, como disse António Costa, e o PCP até lhe chama folhetim, daqueles que deviam acabar. Mas o caso é uma sarna para o Executivo.»

    _______

    Entretanto, o António Costa com aquela paciência oriental explicou o aeiou: as críticas de Marques Mendes (politicamente deve ler-se: o líder da oposição!) “não fazem o menor sentido”. Ou seja, assim vai lentamente a Direita indígena de vitória em derrota até à derrota final. Na TVI online, há pouco.

    CGD: Costa responde a Marques Mendes > TVI24 (apesae deste vídeo ser enganador, os tipos da SIC parece que ainda não abriram a boca).
    http://www.tvi24.iol.pt/politica/caixa/cgd-costa-responde-a-marques-mendes

  6. Concordo à partida com o diagnóstico do Júlio, sim, mas subscrevo as cautelas de Vieira: a pista é longa, Marcelo parece confortável nas primeiras voltas, mas lá para o meio da corrida, com o carburador mais cansado, os travões mais desafinados, os pneus mais desgastados e a direção a ganhar folgas, vamos seguramente ver os tempos por volta a diminuir e a liderança da corrida a ficar mais difícil. Como diz Vieira, antes da recta da meta há muitas curvas e se o Piloto se distrai, nem que seja a arreganhar os dentes (não a tacha, que isso é o que ele agora ainda faz a toda a gente), ninguém se vai admirar muito se ele ainda acabar estampado e com os dentes partidos nalgum rail, com o motor em chamas…

    Vamos acompanhando, com muita atenção, que isto de darmos os nossos ricos votinhos é demasiado importante para ser decidido com base apenas nos resultados das primeiras vinte ou trinta voltas.

    EFECTIVAMENTE, a pista presidencial é muito longa e traiçoeira, não é para repentes de pichotes…

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