Mais coisas na Box (desta vez, em dose cavalar para chegar aos 50 temas). Em primeiro lugar, há as obsessões do costume: The Field com mais uma bomba (a sério: ninguém sampla vozes como este caramelo) e os Of Montreal com mais dois belos exemplos do calibre do último disco da banda. A Box abre de uma forma absolutamente pornográfica com essa obra-prima que é «Just A Bit» de Robert Wyatt (vale bem a pena, como sempre, estar atento à letra), o meu tema favorito dos Swell e a muito pertinente reinvenção de «Star Spangled Banner», o hino dos Estados Unidos, em «(Baby, Baby) Can I Invade Your Country?» dos Sparks. Depois, há o grande «Southend On Sea» do inevitável Mark Eitzel (e com Mark Isham nos sopros), a boa-onda super-cool de «Up On The Hill» dos Fun Lovin’ Criminals e «Buttons & Zips» dos subvalorizados Elbow, tudo material de finíssima qualidade. Aproveitei o facto de ter inserido «Live With Me» dos Massive Attack, que conta com a voz do imenso Terry Callier (rapaz que não fica a dever nada a eminências como Curtis Mayfield ou Marvin Gaye), para vos dar a ouvir uma pérola gravada ao vivo em quatro pistas há mais de 30 anos chamada «Lean On Me». Também há música instrumental: o groovy «14th St. Break» do novo e absolutamente viciante álbum dos Beastie Boys, o clássico «Everyting Is Alright» de Four Tet e esse autêntico pêndulo hipnótico que é «Hunted By A Freak» dos Mogwai. As vozes femininas ficam ao cargo de Stina Nordenstam, Múm e Blonde Redhead, estes últimos com o tema «Top Ranking» (o tal com o magnífico vídeo com a Miranda July). Para terminar, permitam-me que destaque «City Of Motors» dos Soul Coughing: deve haver poucas canções que tenha ouvido mais vezes na minha vida. E traz-me sempre recordações dos aúreos tempos da xfm, o que não é mau. Snif.
Arquivo da Categoria: João Pedro da Costa
Roam-se de inveja (parte II) ou Um cheirinho daquilo que perderam na 2.ª-feira à noite
Roam-se de inveja
Acabo de concretizar um dos sonhos da minha vida: ter as personagens do Mutts a fazerem-me companhia sempre que estiver a laborar no computador. Yesh!!!
Midas Filmes, Hal Hartley e euforia
Esta é, para mim, a notícia da semana: a Midas Filmes vai editar os primeiros filmes de Hal Hartley no próximo mês de Setembro. A empresa, fundada por Luís Apolinário e Pedro Borges (ambos trabalharam na Atalanta), já tem, de resto, um impressionante catálago e um plano de futuras edições que irá deixar qualquer cinéfilo com água na boca. Para além dos belíssimos documentários de Scorsese sobre o cinema americano e italiano, há ainda os primeiros filmes de Kusturica, Nanni Moretti, André Téchiné e Takeshi Kitano. Mas o destaque vai sem dúvida para os primeiros filmes de Hal Hartley: The Unbelievable Truth (1989), Trust (1990), Simple Men (1992) e Amateur (1994). Depois destes filmes, o rapaz nunca mais foi o mesmo, apesar de ainda ter achado alguma piada a The Book Of Life (1998), onde a PJ Harvey fazia uma fantástica Maria Madalena. Agora só me resta desejar duas coisas: que Fay Grim (2006) entre no circuito comercial português e que a Midas Filmes inclua no seu catálogo as três curtas-metragens que o rapaz realizou em 1991 – Theory of Achievement, Ambition e Surviving Desire. Entretanto, os mais impacientes, podem ir ao sítio do costume ver, na íntegra, duas obras-primas chamadas Trust e Amateur. Olé.
Cuidado: isto começa com gritos
Os Tilly And The Wall são um dos segredos mais bem guardados da música do novo continente. Entre as inúmeras virtudes destes meninos, conta-se a curiosidade de a percussionista da banda, Jamie Williams, ser uma bailarina, isto é, ela substitui a bateria pelo som amplificado do seus sapateados e palminhas (o que, convenhamos, faz todo o sentido e apenas fico surpreso por ninguém se ter lembrado disto antes). Mas o que realmente faz dos Tilly And The Wall uma das minhas bandas favoritas é o facto de produzirem a música mais boa-onda e bem-disposta do planeta. Agora, quando um rapaz chamado Kinga Burza (Ungashaka! Ungashaka!) se junta a esta malta para realizar o vídeo de «Sing Songs Along», o resultado não é apenas uma desbunda de som, imagens e euforia, mas um dos objectos mais belos e rejuvenescedores que já vi na minha vida (e vocês sabem que não sou gajo para exagerar nestas merdas). A sério: da próxima vez que se sentirem em baixo ou tristitos, esqueçam lá o Red Bull (que é um beneno) e afinem os sentidos para esta pequena maravilha.
Uma versão do vídeo com maior resolução (Quick Time) pode ser vista aqui.
Somewhere between words and real players
Aspirina Box #3
Mais coisas na box. Para celebrar a notícia que vai haver este ano um novo disco do grande Robert Wyatt, acrescentei mais três temas do rapaz: o clássico «Shipbuilding», a versão revisited de «Left Of Man» e o fabuloso docu-drama que é «Pigs… (In There)» (a sério: vale mesmo a pena espreitar a letra). Depois, há mais uma obra-prima de The Field (que sampla com grande pinta a guitarra do inarrável Hello de Lionel Ritchie), a melhor faixa que os Idaho gravaram até hoje e uma pérola dos Of Montreal, cujo último disco tem sido, para mim, uma das grandes surpesas do ano. Fui ainda repescar um tema dos Faultline que prova que a voz do Chris Martin é ainda a única coisa que se aproveita dos Coldplay, um belo exemplo de shoegazzing sacado do último disco das saudosas The Raincoats (sabiam que a Ana Silva é prima da nossa Ministra da Educação?) e ainda uma das canções mais emblemáticas da década de 90: «78 Stone Wobble» dos Gomez (que andam agora muito estragadinhos, ‘taditos). Para finalizar, há uma bomba chamada «Silent Shout» dos The Knife (incrível como, com tanto concerto, ninguém se tenha lembrado de os trazer a Portugal) e um clássico de Django Reinhardt que ouvi pela primeira vez há muitos anos no belíssimo Stardust Memories de Woody Allen. Um dia, juro-vos, hei-de saber tocar essa cena.
Isto foi gravado o ano passado caralho
Slide
Post escrito no final de um árduo dia de trabalho em dó maior.
A Kate Nash é a artista mais sublimemente irrelevante da pop britânica. A rapariga move-se em territórios já amplamente explorados nos últimos (vá lá) 40 anos e, por isso, não é de estranhar que não traga absolutamente nada de novo ao planeta pop. Se ainda não me mandaram dar uma volta ao bilhar grande devido à utilização abusiva de advérbios de modo nesta entrada, então posso-vos dizer com um tom voz que gostaria que imaginassem idêntico ao do Eládio Clímaco que «Foundation», o seu mais recente single, é a música que mais tenho ouvido nas últimas semanas. Cheguei a esta canção devido ao vídeo (bela cacofonia) de Kinga Burza (Ungashaka! Ungashaka!), que tece uma delicada filigrana (que querem? estou cansado, preciso de me deitar) em torno dos objectos que denunciam essa bela e gloriosa estupidez que é uma vida a dois. Como dizia o meu pai, a felicidade é um estado de alma sobrevalorizado: existem estados intermédios muito mais recomendáveis.
Casa de Papel
Gostaria muito que começassem a ler este livro no mesmo estado em que iniciei a sua leitura: na mais pura das ignorâncias. O que me seduziu, quando o vi numa livraria há cerca de um mês, foi o seu aspecto. A Remastered Full-Color Edition de House of Leaves de Mark Z. Danielewski é um objecto que irradia magnetismo: como se a invenção de Gutemberg tivesse esperado mais de cinco séculos para cumprir finalmente nesta obra todas as possibilidades da arte da tipografia. Adquiri assim o livro num impulso de bibliófilo que, até aquele dia, não sabia existir em mim: mesmo que as suas páginas estivessem escritas numa língua que não me fosse inteligível, o livro, enquanto objecto, justificaria a compra. Deve-se olhar primeiro para as páginas desse romance como a mesma inquietação que olhamos para uma pintura. Numa era em que o papel tende a perder a sua importância, o livro de Danielewski é a mais violenta demonstração que conheço do quanto o seu suporte é insubstituível. E foi assim que olhei para as suas páginas, uma a uma, durante uma tarde inteira sem nunca me passar pela cabeça iniciar a leitura. Acabei de o ler hoje de manhã e mais não digo. Porque estou certo que haverão de querer relê-lo um dia no mesmo estado em que finalizei essa primeira e inesquecível leitura.
Aspirina Box #2
Coisinhas novas na box. Em primeiro lugar, há rock norte-americano: «Icky Thump» dos The White Stripes (uma bomba) e «Fake Empire» dos sempre indispensáveis The National. Como ainda não ouvi o novo disco dos Wilco (dizem que é fraquito, mas não acredito), resolvi colocar essa absoluta maravilha de contenção, sobriedade e bom-gosto que é «Kamera» do superlativo YANKEE HOTEL FOXTROT. Para além de ir buscar o velhinho «I Dreamt I Saw St. Augustine» de Bob Dylan (composto na ressaca das sessões com os The Band que viriam a dar origem às THE BASEMENT TAPES), volto a insistir com The Field, desta vez com a faixa «Everyday» (reparem sobretudo o que acontece a partir do minuto 2:27). Como não tenho vergonha na cara, não hesitei em colocar um dos meus temas favoritos de todos os tempos: o quase tântrico «Banshee Beat» dos Animal Collective (não se esqueçam que amanhã há Panda Bear em Serralves). Para terminar, fui buscar «The Bleeding Heart Show» dos The New Pornographers, «Sky Starts Falling» dos Doves (uma das bandas mais subvalorizadas da pop britânica) e «The Hard One» dos saudosos The Beta Band que aqui recriam o refrão do clássico «Total Eclipse of The Heart» da demoníaca Bonnie Tyler. Os temas da semana passada também continuam disponíveis.
Camilo Pessanha
A propósito do último post do meu primo Valupi (e de um comentário muito pertinente da sininho), veio-me à memória uma boleia que apanhei há muitos anos de um colega de trabalho. Eu tinha entrado para a empresa há muito pouco tempo com apenas dezassete anitos: era um jovem muito tímido que, para além de apenas vir a perder a virgindade na semana seguinte, possuía gostos muito duvidosos em matéria tão diversa e essencial como a música, a literatura, o cinema e o vestuário. O Engenheiro que me deu a boleia chamava-se Eurico e estava particularmente bem-disposto, porque aquele era o seu último dia de trabalho nesse antro que era (será que ainda é?) a EFACEC. O Eurico tinha sido seleccionado num concurso internacional para trabalhar no Parlamento Europeu, onde ia ganhar o triplo e trabalhar muito menos – ou, pelo menos, eram estas as expectativas do seu ego inchado. Ao longo da viagem, ele foi-me dizendo essas coisas sempre com uma mão no volante e a outra a tentar tirar um macaco do nariz. Era uma visão que me provocava um misto de repulsa, riso e angústia. Isso durante uns bons vinte minutos, enquanto seguíamos para Gaia: Ah, que engraçado a gente se conhecer logo hoje no meu último dia (dedo no nariz), em Bruxelas parece que as gajas são umas doidas (dedo no nariz), tens um sotaque mesmo esquisito (dedo no nariz). Quando já estávamos a chegar à minha casa, oiço um
– Ai ai!
e uma explosão de sangue salpica o pára-brisas. De tanto furar o dedo no nariz, o Eurico tinha rompido uma veia e estava a sangrar que nem um desalmado. Ele lá encostou o carro a muito custo, sempre com uma das mãos a fazer pressão no nariz (Ó puto! Não tens um lenço, caralho?!), a camisa cheia de sangue, a Rádio Cidade aos berros, aquilo era tudo uma coisa muito aflitiva para mim. Entramos num café, o Eurico foi à casa de banho e de imediato a clientela se interessou pelo caso, devido à quantidade de sangue que tinha nas calças. Lá fui explicando que o meu colega tinha começado a sangrar do nariz quando ia a conduzir e começaram logo a chover os conselhos da praxe (Ele que ponha água, Que vire a cabeça para trás) mais um que jamais irei esquecer até ao fim da minha vida (Ele que coma uma banana). Passado cinco minutos, o Eurico voltou muito pálido com o nariz vermelho e inchado: continuava a esvair-se em sangue numa gloriosa hemoptise de poema final. O dono do café (Que pena não ter aqui uma banana, caramba) lá ligou para as emergências, que tratava dessa merda e que uma ambulância já vinha a caminho. Quando os moços do INEM chegaram, o Eurico já tinha desmaiado e levado bofetadas duas vezes (cada vez que lhe batiam nas bochechas, saía ainda mais sangue do nariz). Os paramédicos perguntaram-me se era familiar (Não? Então não pode ser) e o tipo lá foi sozinho para o Hospital perante o olhar solidário da pequena multidão que se tinha juntado em frente ao café (Ouçam o que vos digo: aquele gajo ainda vai morrer). Nunca mais o vi. Não sei se chegou a fazer um trabalho meritório ou a comer gajas doidas em Bruxelas: apenas vos posso dizer que no outro dia o Fiat já não estava lá. Tinha deixado no café um papel manuscrito dentro de um envelope com o meu nome. Pedia imensas desculpas pela ocorrência da véspera, que agora já estava bem e que agradecia do fundo do coração a minha paciência. Em baixo, havia um boneco com uma banana enfiada no nariz. O desenho era muito giro.
Há outras, é claro, mas estas foram as duas principais razões que me levaram a mandar o Windows pró galheiro
Aproximação a Modem Talking II
Se existe uma banda capaz de trazer para o mainstream a glitch music, essa banda são os Conceptronic. Oriundos da Holanda (where else?), há vários anos que esses rapazes têm tentado conquistar ouvintes, ignorando a incapacidade da crítica especializada em perceber o alcance da sua música – ficou famoso um artigo de Matt Broad no NME (infelizmente não disponível on-line), em que este classificava a música da banda como «pure bullshit». Chegou ontem às lojas de discos dignas desse nome o segundo álbum dos Conceptronic, sagazmente intitulado MODEM TALKING II. O disco, para além de finalmente cumprir 14 anos depois as promessas da música concreta que se podia ouvir em Wohnton dos Oval, possui características tão universais que aposto que haverá poucos leitores deste blogue que não irão sentir uma estranha familiaridade ao ouvir os seus temas. Exemplo paradigmático disso mesmo é a faixa «KBPS: Fifty Six» que deixo aqui de seguida: nunca ouvi música que, de forma tão revolucionária e sublime, consiga cumprir todos os parâmetros para comunicar com os seus potenciais ouvintes. Ou servidores.
Podem comprar a música dos Conceptronic, por apenas €11,26, aqui.
Miranda July x 205
Ora aqui está um objecto que junta três das melhores coisas que o mundo tem para nos oferecer hoje em dia: os Blonde Redhead, o Mike Mills e a Miranda July. Sobre a autora desta autêntica obra-prima que é Me And You And Everyone You Know, confesso aqui (rendido) que não consigo falar nela sem me subir desalmadamente os níveis dessa vaca que se chama glicemia (vejam, por exemplo, a forma super-original que ela arranjou para apresentar no vil HTML o seu novo livro de contos No One Else Belongs Here More Than You). Quando aos Blonde Redhead, apenas vos digo que são responsáveis por um dos grandes discos deste ano (chamado 23, reparem no mimo da capinha) e que lhes gabo o bom gosto de terem recorrido a Mike Mills para realizar o vídeo do single «Top Ranking». O rapaz, que deve partilhar algumas das minhas profundas fantasias, resolveu fazer o teledisco recorrendo apenas a essa musa do bom-gosto que é a minha menina July. Reparem bem como só ela é que conseguiria resgatar do fracasso uma ideia tão bela, simples e preguiçosa que é filmar (pormenor fundamental, nada disto funcionaria com fotografias) um ser humano em 205 poses diferentes. Agora, se me permitirem, vou mudar o Post Status para «Published», clicar em «Save», tirar a insulina do frigorífico e sucumbir a esta repentina vontade que me deu de suspirar.
Uma versão com maior qualidade (Quick Time) pode ser vista aqui.
Aspirina Box #1
Não sei se já repararam mas, na coluna da direita, logo por baixo do elenco dos enfermeiros, o blogue tem agora uma nova secção intitulada Aspirina Box. A ideia é criar uma jukebox virtual para cada um dos aspirínicos que será actualizada todas as semanas com sete temas escolhidos pelos mesmos (isto partindo do princípio que os meus estimados colegas estejam com pachorra para isso). Quanto à minha box, resolvi escolher coisas relativamente recentes, exceptuando «La Ahada Yalam», a versão de Robert Wyatt do original do compositor iraquiano Nizar Zreik que fecha o sublime CUCKOOLAND (2003), e uma raridade dos Boards of Canada chamada «Macquarie Ridge» e que apenas pode ser encontrada na edição japonesa de THE CAMPFIRE HEADPHASE (2005). Quanto ao resto, há a techno minimaltista de «Over The Ice» de The Field (desde KID A dos Radiohead que não ouvia a voz humana ser integrada de forma tão original na textura da música electrónica), um momento trovadoresco de M. Ward (por quem nutro uma admiração muito pouco sadia), mais uma prova da desbunda que é o último disco dos The Bees, e ainda duas faixas muito progressivas intituladas «Breaker» dos Low e «Kidz are so small» dos Deerhoff, que é para dar um ar ainda mais esquizofrénico à coisa.
I am a DJ, I am how I say
Abram alas, que o Daniel Jonas tem um novo livro de poesia. Após a edição do belíssimo Os Fantasmas Inquilinos (Cotovia, 2005) e da sua magnífica tradução de Paradise Lost de John Milton (Cotovia, 2006), o Daniel está de regresso com um livro que promete surpreender até os seus leitores mais suspeitos, categoria na qual me incluo com grande euforia. Se uma das características mais notáveis do autor de Moça Formosa, Lençóis de Veludo (Cadernos do Campo Alegre, 2002) era o seu perturbador domínio do poema na sua forma extensa, Sonótono (Cotovia, 2007) surpreende por ser integralmente constituído por 50 sonetos (todos originais, exceptuando a tradução do soneto 17 de Milton). Menos surpreendente, para o leitor assíduo de Daniel, será a componente auto-refencial ou metapoética de quase todos estes poemas. Ao lê-los, fiquei com uma visão do formato dos quatorze versos em tudo comparável com a que Jonas deve ter tido do corpo da baleia. Até os elementos mais intrínsecos da escrita do soneto (como a métrica, a rima, a pontuação, a cesura ou o encavalgamento) surgem nestes poemas sobretudo como mecanismos de análise ou dissecação das potencialidades do formato: não é a escrita que se traveste de soneto, é o próprio soneto que surge despido pela acção da escrita. Num autor que sempre se caracterizou por uma ímpar inventividade lexical e por uma fala árida (não é por acaso que, a páginas tantas, surge o nome de Luís Miguel Nava), Sonótono consegue, ainda assim, ser o seu livro mais difícil e fascinante. Mas apenas será feliz o leitor que, a este livro, aplicar todos os princípios necessários à da visão dos estereogramas.
BENGALEIRO OU HORACIANAS
Físico o tractor quente arremessou
Contra as colheitas de ouro o breu de corvos
Trazendo a noite em ondas de onde andou
De foice afoita, a luz sugando a sorvos.
Modorrento, o vapor da chaminé,
Máquina de fazer nuvens, levando
Ondinas ao empíreo mar, rapé
Da paz entre titãs que ordenhando
Alheias colinas se houvessem mais
Desavindo. Van Gogh ou Fabergé:
Ovos de palha, gemas siderais
Chocados em estrelado canapé.
Entrar nesta pintura eu queria
Se à entrada não pedissem a poesia.
(in Daniel Jonas, Sonótono, Cotovia, 2007)
Já cá canta
O novo vídeo de Paul McCartney realizado pelo grande Michel Gondry. Com Natalie Portman, Mackenzie Crook (o impagável Gareth Keenan de The Office) e o próprio Gondry na bateria. Para já, ainda não encontrei um link em Quick Time (o que é grave), mas já dá para ter uma ideia desta verdadeira desbunda.