22 de Dezembro, Lisboa, 18 horas e tal, agência de comunicação, pessoas sofisticadas, entre os vinte e os quarenta anos. Quem vai saindo despede-se com um “Bom Natal!”. A emoção é forçada, resulta em falsete, nalguns casos raia a jeremiada. Outros, os extrovertidos, vencem rendendo-se: soltam a voz, soltam o canastrão, soltam a franga: cantam. [horror!] E todos desejam o mesmo. A todos. Um bom Natal.
26 e 27 de Dezembro, perto do Tejo, 10 horas e tal, 11 horas e tal, meio-dia coiso e tal, agência sofisticada, pessoas que trabalham em comunicação, alguns nos quarenta, muitos nos trinta, vários nos vinte. Quem chega, e quem cruza, cumprimenta com a pergunta “Então o Natal, foi bom?”. A emoção é um fardo, um esgar. As palavras queimam os lábios, saem de jacto e trespassam o ouvinte. Ninguém presta atenção à resposta. As respostas talvez nem tenham som, mesmo aquelas que foram vocalizadas. Responder o quê? É mais fácil dissertar sobre o sentido antepenúltimo da existência.
Apenas por causa desta farsa natalícia, faço uma concessão à felicidade. Porque o problema nasce de se ter trocado uma fórmula testada durante séculos — o “Feliz Natal” — por um exotismo recente que está a ser origem de tragédia sociológica. Naquele tempo, de feliz memória, não lembraria a ninguém perguntar se o Natal tinha sido feliz. A felicidade tem essa tão aliviante qualidade: arrasta um pudor, ou um fastio, que anula a curiosidade, impõe sacro respeito. E desejar “Feliz Natal” gera fenómenos miméticos, psicossomatismos saudáveis por movimento associativo. O pessoal, nesses segundos elocutórios, ofusca-se numa hiperbólica e disforme encenação da felicidade — que é consolo, júbilo. Mas quando se dá como bitola o adjectivo “bom”, tudo fica reduzido a uma escala, obriga à mensuração. Porque o “bom” é maralha, anda metido com o “melhor”, o “mediano”, o “sofrível”, o “excelente”, o “fantástico”, o “medíocre” e até o bera do “mau”. Fica difícil, não nos façam escolher.
Louvada seja a felicidade, uma só vez ao ano. Para o resto do calendário, estão a valer as palavras de Flaubert, carta a Louise Colet em 1846, que permanecem definitivas:
Etre bête, égoïste, et avoir une bonne santé, voilà les trois conditions voulues pour être heureux ; mais si la première nous manque, tout est perdu.