
Era uma vez um mundo pequeno, sombrio e assustado. As povoações onde se escondiam os habitantes desta orbe eram pequenas e esparsas. E sujeitavam-se a uma topografia abrupta que propiciava a distância e o isolamento. Ainda por cima, ali o povo era belicoso: poucas quinzenas passavam sem pelo menos meia-dúzia de escaramuças e pequenas guerras. Mas tratava-se de gente religiosa: eles conheciam bem o seu Deus, sabiam-nO de boa índole e adivinhavam-Lhe aquele desvelo paternal sem fim que habita as histórias pungentes de amor filial (e onde a traição inesperada nunca anda longe, diga-se).
O abuso, naturalmente, imperava. Se numa manhã o sol se recusasse a iluminar as planícies poeirentas do pequeno mundo, logo os fiéis acorriam em massa aos templos para orar ao Criador da insolente esfera. A diferença crucial para o nosso universo abandonado é simples mas decisiva: ali, a Divindade acorria mesmo às súplicas dos Seus súbditos. Nunca passava mais de um dia sem que os pedidos — aflitos, estapafúrdios, egoístas ou apenas justos e sensatos — fossem atendidos pelo omnipresente e sábio Taumaturgo. Com o passar dos anos, adivinhava-se algum cansaço por detrás e tanta e tão generosa solicitude; mas nem assim abrandava o ritmo dos pedidos e nem assim se ouvia uma só nódoa de rispidez a tingir de forma menos própria as divinas respostas.
Os mais assustadiços asseveravam que Ele se iria embora, por fim farto de hóspedes tão pedinchões e agressivos. E todos tremiam ante o frio e a solidão que tal ideia lhes causava. Mas logo continuavam a importunar o seu deus.
O inevitável, como é de bom tom numa história com moral, aconteceu: Ele fartou-Se. E começou a divertir-Se menos com as cabriolas dos Seus súbditos. Por fim, confessou que já poucas vezes visitava, invisível e omnisciente, os miseráveis tugúrios onde eles se acoitavam, sempre tão inchados com a sua própria importância. Ali, já não aguardava novidade, já não almejava ouvir palavras capazes de atenuar o Seu ennui. E assim o desespero caiu como um manto fúnebre sobre aldeias, montes, planícies. Com a ameaça de sufocar toda a esperança, por eras e eras.
Até ao dia em que os aldeões de um povoado não menos miserável que os demais receberam a boa nova. O Altíssimo dignara-se a conceder-lhes a graça do seu agrado. Ele falara-lhes; dirigira-lhes de novo a sua augusta e cansada Palavra!
Cantaram-se hosanas, fizeram-se sacrifícios, desfloraram-se donzelas, inauguraram-se ruas com aquela data por nome. O Querido Demiurgo voltara!














