O inacreditável, e aberrante, sucesso político de Trump em parte deve-se à rapidez sempre crescente do consumo mediático. Para esse ecossistema, Trump oferecia o produto perfeito: a pós-verdade. Ele não tinha programa, não tinha ideologia, não tinha decência. E por isso podia dizer o que lhe passasse pelo bestunto sem se preocupar com a credibilidade e a coerência, ainda menos com a veracidade.
Ao princípio, a imprensa profissional apostava que a sua candidatura não passaria de um número de circo, prevendo-se que o Partido Republicano escolhesse rapidamente nas primárias um candidato que representasse os seus valores tradicionais para enfrentar Hillary Clinton. Daí, a atenção inicial dada a Trump pois ele produzia o melhor espectáculo — e havia que aproveitar enquanto durasse. Parecia uma questão de tempo, e pouco, até o eleitorado republicano carimbar Trump como um palhaço e se passar para as questões sérias. Só que a história não foi exactamente essa, antes se transmitindo e ampliando o início a uma bola de neve de mentiras descaradas e insanas que acabou por destruir o sentido de responsabilidade dos republicanos numa avalancha de ódio político.
Não sabemos se Trump será condenado por tentar reverter os resultados das eleições de 2020. Neste momento, é inocente face a essa e outras acusações entretanto recebidas, tendo todos os meios legais para se defender. Mas sabemos que Trump é culpado de ter atiçado, apoiado e validado a invasão do Capitólio, a qual causou cinco mortos e feriu 140 polícias. Sabemos que essa invasão foi um dos mais graves ataques à democracia ocorridos nos EUA, ou até no mundo pelo seu simbolismo. E sabemos que a violência da retórica de Trump é manifestamente um projecto fascista, onde a violência de sangue se assume como chantagem preferencial para subverter e destruir os princípios constitucionais, os limites legais e o fundamento democrático da comunidade.
A lentidão da justiça norte-americana não podia ter impedido a turbamulta trumpista de cometer os crimes de 6 de Janeiro de 2021 em Washington. Esperemos que essa lentidão possa agora provar que a rapidez, fúria e alucinação dos pulhas não quer o nosso bem comum.