Sou fã do Poiares Maduro desde 2013, quando apareceu em cena com estatuto de intelectual estrangeirado ao serviço do laranjal. O senhor não perdeu tempo a mostrar que aqui à parvónia ainda não tinham chegado as últimas novidades da filosofia:
«Aqueles que nos levaram ao tapete procuram de novo fazer política — uma forma diferente, mas é fazer política — e criam de novo uma realidade alternativa. Agora, como estudaram filosofia, chamam-lhe narrativa. Passa-se por Paris e, subitamente, fica-se mais sofisticado. A narrativa, o que é um paradoxo para quem conhece filosofia, é a construção de uma realidade que não existe. A narrativa é uma realidade falsa que, constantemente repetida, procura passar pela verdade. O País não pode viver mais de narrativas.»
[recordar é viver]
Portanto, ele conhece filosofia, vai sem discussão. Ora, dá-se o caso de também conhecer direito, e com o mesmo grau de competência teórica. Aqui está uma recentíssima prova do que afirmo:
«O Manifesto alerta para riscos reais de violação do Estado de direito. Mas teria muito mais autoridade se também se revoltasse contra o abuso do Estado de direito que contribui para a ineficácia do combate à corrupção. Um abuso que também põe em risco o Estado de direito. Este, convém recordar, parte da exigência que a lei deve ser igual para todos.»
Fonte
Trata-se do último parágrafo de um texto onde trata como “elite” os subscritores do manifesto que reuniu 50 figuras públicas na denúncia das gravíssimas disfunções no Ministério Público. Uma “elite“, explica na sua narrativa, que é parte do problema. E qual é o problema? Poiares sabe qual é, e tem a mercê de nos agraciar com essa informação: a tal “elite” não quer combater a corrupção. Se quisesse, detalha, estaria a pedir coisas como delação premiada e a diminuição dos direitos dos arguidos e dos acusados, em ordem a aumentarmos o número de corruptos efectivamente engaiolados. Com esses recursos à disposição, escreve para a História, os pobres coitados lá no Ministério Púbico já não precisariam de “ficarem anos à escuta” de uma qualquer conversa mais manhosa oferecida pelos alvos que abnegadamente seleccionam para a devassa completa.
Ou seja, fixando aqui a doutrina poiaresmadura, a melhor solução para combatermos as “reais violações do Estado de direito” consiste em diminuirmos, reduzirmos, atrofiarmos esse mesmo Estado de direito. Parece estranho? Não deve, é que esta conclusão nasce de uma lógica cristalina e imbatível. Quão mais pequeno e invisível o Estado de direito, mais difícil será dar-lhe uma cachaporrada. Só não entende o argumento quem estiver feito com os corruptos, como a referida “elite” que não se quer revoltar contra a Constituição e contra as garantias que dá aos cidadãos caso sejam envolvidos num processo judicial. Portanto, ajudemos os corruptos da Justiça a legalizarem as suas práticas persecutórias e golpistas, apela este Maduro, através da revolta contra o “abuso do Estado de direito” que anda a defender os direitos e garantias de quem ainda não foi condenado por nada.
É um tipo genial, sou fã.