«Bendita a hora em que assinei o chamado "manifesto dos 50", agora muito mais necessário do que nunca, porque o justicialismo, a forma de abuso do poder no aparelho de justiça, comunica directamente com o populismo, a jusante e a montante.
[...]
O justicialismo não é de esquerda face à direita, ou vice-versa, é de "nós", os zeladores pela moral pública, os santos, os intocáveis, os senhores da lei, contra "eles", os corruptos, os da política. Quais são as armas? Tudo menos a lei e a condenação em julgamento, a validação do sucesso da investigação pelas condenações em tribunal... Isso é irrelevante, o que se pretende é fazer fugas para a informação, buscas de aparato, prisões punitivas, violação das leis sobre a prisão preventiva para obter confissões pela violência de se estar preso fora da lei. Esta forma de actuar está no centro da deriva populista. Ela é o alimento do Chega e, pior do que isso, o alimento do desgaste da democracia.»
Pacheco Pereira, 2024
Porquê dar atenção ao Pacheco? Porque ele nos ajuda a compreender a cultura portuguesa e a natureza humana. Tal deve-se ao seu longuíssimo protagonismo mediático como vedeta da indústria da calúnia. Uma vedeta senatorial, com estatuto de servidor público, e ostensiva vocação para vir perfectae virtutis.
É muito fácil concordar com o Pacheco, em muita e muita coisa. No artigo acima citado, até apetece aplaudir a sua indignação, o grito de alarme, quase o apelo ao levantamento popular contra quem perverte a Justiça e ataca a cidade. Só que de imediato somos puxados pela memória até aos idos de Setembro de 2009. Mais precisamente, para a última semana da campanha eleitoral. Eis o que andava a dizer nessa altura, altura em que estava na compita pelo poder político:
«Eu compreendo que o Presidente da República, até pelas coisas graves que tem certamente para dizer face aos ataques que lhe têm sido dirigidos, não queira falar em período eleitoral. O que diria perturbaria e muito o período eleitoral. Mas temo que só depois das eleições é que se vá saber demasiadas coisas sobre esta governação e sobre o Primeiro-ministro. E temo que isso seja um fardo muito difícil de gerir, ganhe quem ganhar as eleições. Seja no caso Freeport, seja na questão da eventual espionagem aos seus opositores, seja no ataque à TVI e ao Público, seja nos múltiplos negócios que estão por esclarecer, da OPA da Sonae à crise do BCP e à interferência da CGD, seja no caso BPN e nos nunca esclarecidos movimentos do dinheiro da Segurança Social, seja na tentativa de compra da PT da Media Capital e etc,. etc. Um etc. demasiado grande.»
Fonte
A lista é o cardápio dos boatos lançados sob a forma de campanha negra nascida do conluio entre elementos do Ministério Público e jornalistas, especialmente da Cofina. O material tinha origem no mecanismo de uma obscena operação de espionagem política a propósito de um sucateiro trafulha, o álibi para poder escutar um primeiro-ministro em funções através de um seu amigo. Foi o Face Oculta, então ainda em investigação e segredo de justiça, o esgoto que permitiu ao Pacheco vir espalhar suspeições, difamações e calúnias em cima de um acto eleitoral. E atente-se no cúmulo do cinismo vil e desvairado, acusa quem estava a ser espiado de andar a espiar.
Isto foi em 2009. Nos 15 anos seguintes, o Pacheco continuou febril o seu linchamento público de Sócrates e de quem mais visse como seu aliado, marimbando-se para a presunção de inocência e para a integridade do processo justo e demais actos judiciais que fizeram da Operação Marquês um escândalo de incompetência e abusos. Nem sequer em relação a Vara foi capaz de ter um gesto de humanidade, ele que foi transformado em mártir do ódio político, pois tal implicaria ter de se confrontar com a sua fétida hipocrisia.
Este fulano não tem qualquer autoridade para aparecer como valentão contra os crimes dos agentes da Justiça em roda livre, até porque recebe dinheiro de quem lucra com esses crimes. Mas irá para a cova convencido de ser superior à escumalha que vituperou em jornais, rádios e televisões. O seu tipo de justicialismo é de um conforto, e de um proveito monetário, a que os pulhas do Ministério Público não têm acesso.