SORAIA CHAVES E O MESTRE BULGAKOV
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Normalmente indigno os meus amigos ao afirmar, com convicção, que o jornal mais bem feito, em Portugal, é o Correio da Manhã (CM). Não se trata de gostar da imprensa popular. Não é por concordar com a linha editorial. Eu acho o CM bem editado: um texto nunca tem 7000 caracteres. Os assuntos importantes são tratados de várias maneiras com várias texturas: temos notícia principal, várias caixas, infografia, pequena entrevista, etc Nota-se que é um jornal pensado em que os editores fazem o seu trabalho. Aquilo que me irrita no Público, para além da existência do José Manuel Fernandes, e no Diário de Notícias (DN) é de ter a sensação que os editores não participam com os jornalistas na discussão da melhor forma de dar valor acrescentado a uma notícia.
A recente mudança no DN deu-me esperança que o jornal começava a ser melhor pensado e se estava a aproveitar decentemente a centena de profissionais que lá trabalham. Infelizmente, apesar do “fogacho” da cobertura eleitoral, parece-me que as coisas tendem a não melhorar. Parece não se perder tempo a pensar qual é a melhor maneira, a mais original, a mais motivante de contar uma história. E depois, há pouca definição dos produtos de apoio: não consigo perceber o que distingue a Notícias Sábado (NS) da Notícias Magazine, para além de na segunda revista, apesar do péssimo grafismo, se encontrar reportagens jornalísticas e na NS só haver lugar para futilidades. Os técnicos de marketing vão-me garantir que uma é masculina e outra feminina, mas isso, agora a sério, serve de pouco.
Apesar de ser jornalista há muitos anos, nunca consegui perceber um produto, dito, jornalístico que não tivesse um único assunto que fosse importante do ponto de vista informativo. Acho que a um jornalista se deve pedir que saiba interessar o leitor e que consiga contar histórias, mas uma revista não pode ser um simples amontoado de consumos e de vidas de famosos.
Houve um dono de um grupo de media que explicou que “as pessoas não queriam ver pretos, pobres e velhos e que para desgraças bastava a vida”. Um director-adjunto garantiu-me que as notícias a publicar eram aquelas que as pessoas desejavam comprar e elogiava um tablóide inglês, com enlevo, e garantia-me: “não tem uma única notícia!”
Lamento muito, não estou de acordo com o “ar do tempo”. Acho aliás que já estivemos muito melhor. A SIC já deu informação muito a sério. O Independente no tempo da Constança Cunha e Sá tinha um grande caderno de reportagem e o Público e a revista do Expresso já foram muito melhores.
Exemplo dessa nova ideologia bacoca, do jornalismo pensado para o que supostamente o público gosta, é a nova revista do DN, ao Sábado, a NS. Vejamos o cardápio: Perfil de Soraia Chaves, o serão do Ministro da Economia, o dono do Majestic, uns tipos que atiram discos na praia, os consumos e gostos do Francisco José Viegas e uma reportagem, que sendo jornalismo, devia lá estar por engano: os detectives privados. A única coisa verdadeiramente positiva que soube, foi que Soraia Chaves lê a “Margarida e o Mestre” de Bulgakov. É inteligente e ganha o seu tempo a ler um grande romance do século XX. Nós, infelizmente, perdemos tempo a ler a revista do DN…Para meu consolo, nesse número fiquei a saber que o jornalista Joel Neto esvaziou a estante para colocar uma consola de computador e que diabo, o bom do Joel merecia, até já tinha dado alegrias suficientes ao pai porque, passo a citar, “não virei drogado nem militante do Bloco de Esquerda”. Depois de ler tal crónica, descobri um herói do nosso tempo. Tive a curiosidade de ir à página pessoal do Joel, a qual aconselho vivamente. No perfil disponibilizado, pelo próprio, soube que « a dignidade de Joel Neto, neste mundo em que “ tudo se vende, tudo se compra”, está em ser um “outsider”. Para o jovem açoriano, a democracia falhou, mas apesar de “as pessoas viverem como penicos embrulhados em cetim” », além de ser autor de uma rica cosmogonia, Joel Neto ainda é um homem que acredita. E de onde lhe vem essa força transcendental? O próprio esclarece-nos de uma forma telúrica: “há uma mãe grávida em cada homem capaz de suportar o parto.” Grande matéria para um próximo número da NS seria uma ecografia deste jornalista prenho de ideias…
Apesar das potencialidades científicas da descoberta, eu cá acho que, para ele e para todos leitores, mais valia ser drogado.