Negri, Raposo e os talheres (3)

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Estimado Henrique Raposo,
Acho-lhe imensa graça quando garante peremptório que aqueles que, como Negri, incorporam contribuições de Deleuze ou de Foucault não são marxistas!
Meu caro Raposo, enquanto as suas contribuições para o “Acidental” não são cristalizadas, como diamantes, no corpo teórico dos estudos sobre o marxismo, existem algumas obras de referência para os investigadores. Há entre milhares de obras de estudiosos do marxismo, quatro livrinhos fundamentais: Dictionary of Marxist Thought de Tom Bottomore, Dictionnaire critique du marxism de G. Labica e G. Bensussan, Historisch-Kritisches Worterbuch des Marxismus,dirigido por W. F Haug e sobre desenvolvimentos mais recentes temos alguns livros, entre os quais, Dictionnaire Marx Contemporain, dirigidos por Jacques Bidet e Eustache Kouvélakis. Estranhamente, talvez porque ainda não souberam do seu veto, grande parte destas obras abordam como corrente do marxismo o “operarismo” italiano (o tal do Negri), e, vergonha das vergonhas, o último dicionário dedica um capítulo a Deleuze e outro a Foucault. Vão ter que enviar, como nos tempos da saudosa enciclopédia Soviética, uma lamina para os leitores arrancarem as páginas, para a obra ficar de acordo com o “cânone Raposo”.
Mas vamos a matéria de facto, esta diversidade e mudança deve-se entre muitas causas, a uma pequena que você vai reconhecer na frase de Sorel: “é preciso ter em conta, para apreciar correctamente a mudança acontecida nas ideias, a mudança que o capitalismo teve ele mesmo.”(Sorel, Georges: La décomposition du marxisme, PUF, Paris, 1982, pag 237).
Esta constatação das mudanças no capitalismo tardio e das novas formas como o actua e da especificidade do problema do poder, encaixa na segunda correcção que eu fiz ao seu texto no “Diário de Notícias”, como se recorda eu afirmei-lhe que a sua ideia que “Negri reduz o mundo a duas estruturas anónimas. Não existem homens ou ideias”, era incorrecta. Porque Negri e o “operarismo” italiano vão contestar as correntes marxistas mais sujeitas ao determinismo económico, apoiando-se numa longa tradição marxista italiana, começada em Gramsci, afirmando um certo primado da política e das questões do poder e garantindo que mesmo os desenvolvimentos tecnológicos eram frutos dos homens e dos seus conflitos. Em Negri, o poder constituinte da multidão está em potência, é uma possibilidade, mas não uma fatalidade. Ele vai buscar a Deleuze e a Guattari a sua reinterpretação do materialismo histórico e a Foucault a análise das formas do poder, nomeadamente, a transição de uma sociedade da disciplina (Escola, Fábrica, Exército e Prisão), para uma sociedade do controlo, onde as formas do poder se tornam biopoder e são incorporadas pelos próprios controlados. E em passada rápida chegamos à quarta crítica que eu lhe fiz, entre muitas que lhe podia ter feito, a ideia de que um homem não “alienado” não é originária de Marcuse, como você escreveu, no seu texto, mas encontra-se em páginas do próprio Marx. Mas isso fica para o meu último post sobre os seus talheres.

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