Arquivo da Categoria: Nuno Ramos de Almeida

Macacos que falam

“A jornada 13 da Série A italiana ficou marcada por um episódio racista ocorrido no jogo Messina / Inter de Milão. Aos 66 minutos, o costa-marfinense Marc Zoro, do Messina, fartou-se de insultos racistas vindo dos adeptos do Inter, agarrou na bola e, com as lágrimas no rosto, preparou-se para sair do relvado. Valeram Adriano e Martins, jogadores do Inter, que convenceram Zoro a ficar em campo. No final do jogo, a direcção do Inter pediu desculpas ao atleta pelo comportamento dos seus adeptos.” (do Blog Terceiro Anel).
O que se passou no jogo entre o Messina e o Inter fez-me buscar um pequeno texto sobre o racismo no jogo da bola escrito pelo argentino e homem do futebol Jorge Valdano:
“Aos fanáticos pode-se tirar a suástica. Mas não a voz.
Como o fascismo é pobre em palavras, no último fim de semana os adeptos limitaram-se a gritar “uuuuuuuuuu” a cada vez que um jogador negro pegava na bola. A claque da Roma vaiava em “uuuuuuu” os atletas negros do Perugia, enquanto a do Perugia respondia com um “uuuuuuuu” destinado aos jogadores negros da Roma. E o mesmo era feita pelos adeptos (sempre em “uuuuuu”) da Lazio em relação aos negros do Parma…
Esse “uuuuuuuu” é grito tribal utilizado para agredir e insultar. É um monólogo incivilizado. E, como sabemos, a palavra “monólogo” significa um macaco (“mono”) que fala”.

Texto extraído do livro “Apuntes del Balón”, Esfera de los Libros, Madrid/2001

Autópsia Ideológica

O Público anuncia na sua capa novas revelações sobre o assassínio de Catarina Eufémia (provisoriamente para o jornal do Belmiro a camponesa de Baleizão ainda não foi “alegadamente” morta). Socorrendo-se de um dos médicos legistas que fez a autópsia, o jornal revela que ela não estava grávida. Apoiando-se no mesmo clínico, o diário lança dúvidas sobre a sua filiação no Partido Comunista Português: “Henrique Pinheiro (o médico legista) acredita ainda que Catarina não seria militante comunista”. Uma certeza tão absoluta do dito clínico deve-se certamente ao facto de não lhe ter encontrado nenhum cartão do PCP no estômago. A ciência médica anda tão avançada, há cem anos a esta parte, que provavelmente conseguirão garantir-nos, daqui a poucos anos, que o Sr. José Manuel Fernandes nunca foi maoista.

O Futuro ainda aí vem?

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Poucas revistas me dão uma leitura tão tranquilizante quanto a “Wired”. Folhear um dos seus números é entrar num daqueles jogos de computador de velocidade terminal: tudo desfila em nosso redor numa vertigem desfocada em perpétua aceleração. Gadgets mais funcionais, mais invejáveis; opiniões tão, tão hip; avanços científicos decisivos mesmo ao virar da esquina; cultura sempre Pop, cada vez mais brilhante e acessível; publicidade ensopada do mesmo optimismo que faz levitar toda a revista. É verdade: o Futuro está a chegar e faz a primeira escala nas páginas da “Wired”.
O problema é que não devemos guardar números antigos. Senão, a magia desfaz-se: pegar num deles é rever um inventário de promessas por cumprir. Afinal, a fusão a frio permanece fechada no armário das anomalias mal explicadas. O cancro ainda não tem cura. O orgasmo feminino continua perdido num continente negro de máscula ignorância.
Pois é. Aquelas páginas recheadas de fotomontagens brilhantes e prosa fácil, agora cobertas de uma patine bolorenta, encerram uma revelação terrível: já nem o Futuro é o que era.

Não incomodar o professor de Boliqueime

Pacheco Pereira, no seu estilo habitual, veio admoestar e garantir que recordar os acontecimentos na Ponte 25 de Abril, durante o consulado Cavaco, e lembrar o jovem que foi baleado na ocasião é “demagogia”. Estou completamente de acordo, tudo o que refira de uma forma indelicada os momentos mais polémicos do Sr. Professor deve ser imediatamente banido e os autores enviados para Caxias.
Para compensar os amargos de boca, aqui fica uma passagem do livro sobre Cavaco do saudoso director do Diário de Notícias, e assessor vitalício do professor de Boliqueime, Fernando Lima: ” O bloqueio da Ponte foi comparado a outro verificado no Regimento de Comandos da Amadora, em 25 de Novembro de 1975, quando as forças de esquerda tentaram recuperar terreno perdido com a ascensão dos militares moderados no processo revolucionário português”, garante definitivo o Lima, que de chofre acrescenta: “A situação no Regimento de Comandos da Amadora e a da Ponte 25 de Abril tinham muito em comum, assinalavam na altura os analistas militares”. Finalmente uma análise séria e objectiva, e nada demagógica, sobre o acontecido: Pacheco tens alma gémea!
Para motivar a compra do livro de Fernando Lima “O meu tempo com Cavaco Silva”, aqui deixo mais um naco de prosa que faz jus à verborreia doce do autor: “Jamais esquecerei uma visita a Mirandela em que o presidente do município, José Gama, já falecido, organizou uma festa em homenagem à Mãe. A participação dos alunos das escolas conferiu-lhe uma moldura humana inigualável. De improviso Cavaco Silva fez um discurso que espelhava o que naquele momento lhe ia na alma. Muito bonito e tocante”.

Estado da arte e a moral da semana

Este final da semana está muito agitado:
1. Jantei com um perigoso agitador internacional (estranhamente foi no “Polícia”).
2. Participei numa reunião quase clandestina na FCSH: estava um salão a abarrotar para discutir com Toni Negri, mas o evento não passou o teste do critério da realidade (a imprensa ignorou olimpicamente o acontecido).
3. Comecei a mudar de casa.
4. Estou sem computador e naturalmente sem internet. Foi com muita dificuldade que consegui escrever este mini texto, num lugar de péssima reputação – muito esforço para tentar intervalar o tsunami Rainha.
5.Fui a uma festa das “Marias”, suportei estoicamente uma sessão do “Teatro do Oprimido”. Fugi e fui abalroado por um carro em contra-mão.
Estou cansado. STOP! Este- fins-de-semana-matam-me. STOP. Preciso de descansar, vou trabalhar.

Das festas, da política e da agitação só retirei a ideia que só há coincidências. Reparei num meio de um colóquio universitário que passavam 30 anos do golpe direitista do 25 de Novembro de 1975 e também 30 anos do “Vigiar e Punir” de Foucault. É verdade, os acontecimentos costumam suceder em cachos, mesmo aqueles, como os meus, que não têm importância nenhuma.

Um dos meus problemas num blog

Das pessoas que conheço, só insulto, embora com ternura, os amigos. Tenho o grave problema de fazer cerimónia com os conhecidos. A minha timidez em justiçar quem mal conheço dá-me imensos problemas e retira-me, somando à preguiça, capacidade de escrever com regularidade. Percebam o meu drama: fiz dois artigos para a “Máxima” quando a Helena Matos era chefe de redacção e isso tem-me até agora coibido de escrever sobre o que acho dos seus textos. Embora, quanto mais a leio, tenha cada vez mais vontade de dizer-lhe que para ser de direita não é obrigatório deixar a inteligência no vestiário antes de escrever.
Mas adiante, acontece-me com algumas pessoas o que sucedeu com o prolífico Vilhena do “Cavaco” e da “Gaiola Aberta” . Há uns anos, a Paula Moura Pinheiro, a Conceição Lino e a Júlia Pinheiro tinham um programa de entrevistas na rádio, várias vezes tentaram entrevistar o supracitado Vilhena. Debalde. Na última vez, ele acedeu a explicar o motivo de tanto silêncio: “sabem, eu vivo de desenhar, nas minhas capas, as meninas da televisão nuas, mas se as conheço perco coragem. E as senhoras são tão bonitas e são três, ia perder muito dinheiro com isso”.