Mata Hari boutique, Earls Court, London 1967 (photo by Frank Habicht)
Arquivo da Categoria: Nuno Ramos de Almeida
IMAGENS (2) Não há como os Jesuítas para dar uma boa educação
OS NOSSOS FILHOS DA PUTA
Syriana é um filme que revela o óbvio: os regimes Ocidentais são cúmplices das ditaduras mais torpes e corrompidas do planeta em troca de petróleo. O Fundamentalismo religioso é um germe de uma doença grave que tem na falta de democracia, na miséria e no desespero o seu caldo de cultura. Em nenhuma região do mundo a democracia progrediu tão pouco como no Médio Oriente. O petróleo tornou-se numa maldição negra. Em troca destas reservas de combustível os Estados Unidos da América apoiam regimes feudais como o da Arábia Saudita, fazendo recordar a grande máxima da política internacional cínica e realista que sempre norteou esta grande potência: quando perguntaram, salvo erro, ao Presidente Truman o que pensava do líder da Nicarágua colocado pelos Estados Unidos, o Presidente Somoza Garcia (pai do Anastásio Somoza corrido pelos sandinistas), Truman respondeu com astúcia: “é um filho da puta, mas é o nosso filho da puta.”
Bush é solúvel pelo riso?
Ao contrário de outros pontos do planeta, em que a História acontece como uma tragédia e repete-se como uma comédia, a América Latina é uma região do globo em que a tragédia e a comédia coexistem no tempo e no espaço.
Por vezes, o humor é completamente involuntário, como a Bíblia em hebraico mostrada numa exposição da polícia política brasileira, durante a ditadura, como “material subversivo em língua chinesa”, mas muitas vezes, o riso é um escape contra a repressão e a adversidade – uma espécie de seta atirada aos céus para protestar contra os deuses.
Para além do “nosso filho da puta”, lembro-me de quatro historietas edificantes e uma moral da história:
1. Os latino-americanos costumam citar uma frase atribuída ao ditador mexicano Porfírio Dias que resumiria grande parte dos seus dramas: “ o problema do México era estar muito longe de Deus e muito perto dos Estados Unidos”.
2. Consta que durante a ditadura de Pinochet, encontraram-se numa recepção diplomática o ministro da Marinha do Paraguai e o ministro da Justiça do Chile, tendo o chileno perguntado ao paraguaio porque razão o Paraguai tinha Ministério da Marinha se não tinha mar, a que o ministro respondeu, com lógica, mais estranho, do que isso, é o Chile ter Ministério da Justiça…
3. Numa colectânea de anedotas anti-comunistas, o membro do Politburo do Partido Comunista de Cuba Abel Prieto regista uma anedota elucidativa: Perguntaram a um cubano quais eram os três triunfos da revolução, o cubano respondeu rápido: a educação, a saúde e o desporto. Fizeram-lhe uma segunda pergunta, quiseram saber quais eram os três principais falhanços do regime de Fidel Castro. O cubano pensou durante um tempo e disse: o pequeno-almoço, o almoço e o jantar.
4. Qualquer habitante da América Latina olha com inveja para o poderoso vizinho do norte. Uma das características mais faladas é a ausência de golpes de Estado na América do Norte. Depois de muito estudarem, os investigadores nativos concluíram uma razão de peso: em Washington não há embaixada dos Estados Unidos da América!
Nos últimos tempos, “o pátio das traseiras dos Estados Unidos” tem dado más notícias ao presidente George W. Bush. Sobre as dificuldades de reacção dos Estados Unidos correm duas versões: a primeira diz que os EUA têm estado demasiado ocupados no Médio Oriente para dar atenção à América Latina. A segunda, afirma que os Estados Unidos foram para o Médio Oriente para não terem de pensar na América Latina.
A verdade é que as sucessivas Administrações, o FMI e o Banco Mundial fizeram mais pela revolução, com a famosa doutrina de Washington, que muitos anos de propaganda comunista.
Memória auxiliada
Um amigo meu, de um um grupo que está contra a passagem da antiga sede da PIDE para condomínio de luxo, foi interrogado e vai a tribunal. O grupo dele pretende que as pessoas recordem o que foi a PIDE. Entre outros crime relevantes é acusado de ter interrompido a passagem de carros durante um minuto. Pode-se dizer que, para a memória, o ministério público é melhor que as pílulas de alho do Dr. Rogoff (?).
Sem acentos
Depois de entregar, no aeroporto das “baratas”, quinze bloquistas, para seguirem viagem para o Sahara Ocidental. Encontro-me no meio de Madrid num meio de um carnaval estranho de um bar alternativo,chamado “Ladinamo”. Está tudo mascarado. Eu “vou à internet”. O computador tem como sistema operativo o Linux, e eu, reformista de MAC, estou longe da vanguarda. Leio com estranheza o texto do Fernando sobre um Joel que nem sequer conheço. O mundo é pequeno e Portugal é minimo. Eu cá, até posso aceitar que o tipo é um excelente pai de família e que tem um canídeo que gosta muito dele. Eu estou farto é de entrevistas em tom de engraxatório e de textos sem raiva, nem nada. Mas ainda bem, Fernando, que tu o adoras. O amor é o sentimento mais belo do mundo.
TCHI BUMMMMM!
A facilidade com que se propõe a energia nuclear em Portugal é comovente. Já toda a gente percebeu que será um bom negócio para alguns, o que poucos parecem querer considerar são os riscos. Os defensores da solução nuclear afirmam que as probabilidades de acontecer um desastre são extremamente reduzidas, mas, pelo caminho, escamoteiam algo decisivo: o que é que aconteceria se tudo corresse mal?
A magnitude dessas implicações devia exigir cuidado. Calcular um risco de uma viagem de avião, que implica uma centena de pessoas, é diferente do que analisar as implicações da construção de uma central nuclear que, independentemente da probabilidade do desastre, envolve dezenas de milhões de pessoas.
Mesmo que a central nuclear não rebente e não tenha uma fuga de radiação, há sempre a interrogação do que fazer com detritos letais que ficam activos mais de 10 mil anos. A esse respeito é interessante ver um exemplo lateral, mas significativo, da dimensão do problema: o Congresso dos Estados Unidos da América criou uma comissão para discutir o problema da sinalização dos resíduos. O objectivo do grupo era resolver o seguinte desafio: Que sinais são possíveis de inventar para que a humanidade no espaço de 10 00 anos saiba que numa determinada área existem substâncias muito perigosas. O resultado desses trabalhos foi paradigmático: os cientistas concluíram ser impossível sinalizar eficientemente estes resíduos.
Esta conclusão devia levar-nos a pensar sobre a irresponsabilidade de um determinado tipo de decisões que põem em causa, de uma forma irresponsável, a vida de centenas de gerações.
Para deleite dos cépticos, aqui fica uma curta descrição que o sociólogo alemão Ulrich Beck fez desses trabalhos de Hércules:
Mais Zbig
Um conto de fadas
Eduardo Pitta expõe uma ideia esclarecedora: se a operação policial que foi sujeito o 24 Horas se tivesse passado com um jornal “sério”, teria caído o Carmo e a Trindade. Tenho, sobre este assunto, uma historieta lateral.
Eu que trabalho para viver, já fui jornalista no 24 Horas. Não me arrependo de lá ter estado, assim como fiquei aliviado quando sai. «Não entendia o “produto”», como diziam os directores, com a graça de quem faz “o jornal que mais subiu de vendas”. Mas o “produto” tinha uma regra admirável: não publicava mentiras. E quando se enganava, desmentia tudo com grandes parangonas. Claro, que não pretendo que a regra se aplique a alguns jornais de referência, estou de acordo que seria muito enfadonho ter que ler edições inteiras com desmentidos, mas podiam aprender com a ralé. O director do 24 Horas, Pedro Tadeu, antigo jornalista do Avante, actualmente, apostado em fazer o jornal mais alienante possível, assumia esta limitação, dizendo que o seu jornal não tinha credibilidade suficiente, para se dar ao luxo de publicar uma mentira.
Alguns meses depois, ajudei a organizar uma manifestação contra a ocupação do Iraque. Durante o desfile, a organização ambientalista GAIA tinha criado uma peça de rua, em que participavam figuras mascaradas de soldados norte-americanos, bombistas suicidas e vítimas civis. A encenação pretendia exprimir que a escalada da guerra era louca e assassina.
O jornal Público estampou nas suas páginas, para ilustrar a manifestação, uma fotografia com uma legenda que garantia que os manifestantes tinham-se vestido de bombistas suicidas. Em nenhum lugar da notícia era enquadrada e explicado esse acto.
Aproveitando a fotografia, o impoluto e imparcial José Manuel Fernandes fez mais um editorial a afirmar que os manifestantes contra a guerra eram apoiantes declarados do terrorismo internacional e escandalizou-se que os manifestantes tivessem permitido gente a homenagear os bombistas suicidas. A seguir do guru, as hienas menores replicaram o mesmo argumento em várias crónicas.
Identificando-me como um dos organizadores da manifestação, pedi esclarecimentos ao provedor do leitor da altura, o jornalista Joaquim Furtado.
Na semana seguinte, saiu a sentença salomónica :
1. Consultado o director José Manuel Fernandes, o próprio desmentiu ter tentado aproveitar uma fotografia enganadora para desqualificar a manifestação. A esse respeito, o Furtado garantiu que o seu director Fernandes era um modelo de virtudes.
2. Que as jornalistas responsáveis pela peça, consideravam correctas a legendagem da foto.
3. Apesar disso, o provedor teve que considerar que a fotografia não estava correctamente enquadrada. No final acrescentou ufano: “disseram-me que Nuno Ramos de Almeida é jornalista do 24 Horas”. Assim como dissesse: “Como é que uma puta pode queixar-se de ser violada?”.
Confesso que fiquei bastante divertido com a resposta do provedor. Mandei-lhe outra mensagem dizendo que não tinha percebido a alusão. E que se estava tão interessado na minha biografia podia ter dito os vários órgãos de comunicação em que tinha trabalhado; informações tão relevantes como o clube da minha preferência, o meu posicionamento político e o número de filhas que tenho. Tendo em conta que Joaquim Furtado há muito tempo que não fazia jornalismo, lembrei-lhe, de passagem, a regra de cruzar as informações; se o tivesse feito saberia que eu já não era jornalista do referido jornal.
Magnânimo, na semana seguinte o provedor reconheceu que eu já não era, mas que tinha sido. Estou portanto condenado para todo o sempre.
Acredito que José Manuel Fernandes viu sair com uma lágrima ao canto do olho, tão estimável provedor.
A vingança do Gato Constipado
O Procurador-geral da República, o divertido Souto Mora, mandou revistar o jornal 24 Horas. Toda a gente percebe porquê. Ninguém percebe para quê.
A propalada investigação das disquetes do curioso “envelope 9”, devia servir para perceber porque raio de razão estava no processo da “Casa Pia” uma listagem exaustiva de chamadas telefónicas de centenas de pessoas que teriam sido, alegadamente, investigadas durante o processo. A grande maioria dos números que constavam desta lista de bisbilhotice não tinham nenhuma relação com o escabroso assunto, eram apenas gente poderosa, certamente com contactos interessantes.
A perseguição dos jornalistas que revelaram a existência do envelope no processo, entretanto tornado público, poderá aliviar a bílis do procurador, mas não responde a nenhuma questão importante.
O procurador arrisca-se ser empurrado para o desemprego pelo riso, mas tem um prémio de consolação: terá lugar em qualquer circo que se preze ao lado do saudoso Santana Lopes. Cocó e ranheta já estão, só falta arranjar o facada.
Eram oito fora o gato, para não falar da criada
Carreirismo (Mário-Henrique Leiria roubado e alterado)
Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Mais tarde, alambazou-se com uns “trezes” na faculdade e foi colocado no Instituto de Defesa da Pátria, seu pai teve um enfarte.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofer fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai morreu de susto.
Contas do Embaixador do Irão
(Embaixador explica aritmética a um grupo de amigos)
«Em entrevista à rádio Antena 1, o embaixador do Irão em Lisboa, Mohammed Taheri, afirmou: “Para incinerar seis milhões de pessoas seriam precisos 15 anos, por isso há muito que explicar e contar” sobre o Holocausto.»
Faço minhas as palavras do Miguel Vale de Almeida: não é possível expulsar o gajo?
Para rir sem parar
(Típico leitor do Acidental depois da sua dose diária de Raposo)
Leia a última revelação do Raposo: Lenine era filho do Khomeini, pela parte da avó.
Assassinos graças a Deus
Não consegui deixar de sorrir ao escutar o discurso moderado do líder dos ismaelitas, Aga Khan, em Évora. Não tenho nada contra o conteúdo, apenas relembro uma suave ironia motivada pela história: os ismaelitas têm muitas memórias, uma das quais a fundação da chamada seita dos assassinos, alegados percursores do terrorismo. Segundo um dos livros que em tempos li sobre o assunto, Marco Pólo – O espião de Veneza de Jean Larteguy, a intenção até podia ser das mais meritórias. No romance, do autor dos Pretorianos, os assassinos opunham-se à tirania e aos métodos de guerra e correlativos massacres. Para eles, era mais ético assassinar um responsável político do que invadir uma cidade e vitimar uma população com a guerra.
No entanto, não deixa de ser uma história com leituras para os tempos de hoje. Talvez seja por isso que o Público edita o Alamut, de Vladimir Bartol, romance sobre a seita e o seu fundador Hassan Ibn Saba, e considera que para o “leitor de hoje, será difícil não associar este líder do século XI ao saudita Bin Laden”.
O escritor Amin Maalouf também usa a vida de Hassan Ibn Saba. No seu romance Samarcanda, faz cruzar a sua vida com a do poeta e pensador livre Omar Kayyam, construindo um romance parábola sobre estes dois lados da cultura muçulmana: a tolerância e a violência.
Uma das obras de referência sobre o assunto é o livro do historiador Bernard Lewis, The Assassins. Apesar de datado de 1967 continua a ser uma leitura recomendável.
Apesar dos livros, o conceito de “terrorista” continua a não reunir consenso. Nem na ONU conseguem definir a palavra. Tudo isto está obviamente sujeito a flutuações históricas e políticas. Para os norte-americanos, Bin Laden era um combatente da liberdade quando, com apoio da CIA, combatia os soviéticos no Afeganistão. É sabido e reconhecido, nomeadamente, pelo General Israelita e antigo governador de Gaza, Yitzhak Segev, que o próprio Hamas mereceu o beneplácito das autoridades israelitas durante muitos anos: Israel auxiliava o Hamas que por sua vez minava a popularidade da OLP.
No filme a “Batalha de Argel”, que foi proibido em França e na Argélia durante muitos anos, mostra-se uma escalada de repressão e tortura das autoridades francesas que coexiste com uma série de atentados contra civis da guerrilha argelina. A certa altura, os militares franceses conseguem capturar um alto dirigente da FLN que exibem numa conferência de imprensa. Um jornalista francês, profundamente enojado com a proximidade, pergunta ao argelino: “não tem vergonha de enviar as mulheres com cestos com bombas para fazer atentados contra civis franceses”. O dirigente da guerrilha responde ironicamente: “os vossos aviões bombardeiam, todos os dias, as nossas aldeias; se vocês quiserem trocar os nossos cestos pelos vossos aviões, a gente faz a troca”.
De boas intenções está o Inferno cheio
O último filme de Spielberg, Munich, é um repositório de excelentes propósitos, uma tentativa de fugir a maniqueísmos e uma criação que visa dar dimensão humana aos protagonistas do conflito na Palestina. Infelizmente, é mesmo um golem. Nada do que mostra ultrapassa o estatuto da invenção. A história baseada num livro de um jornalista, Georges Jonas, é uma ficção muito pouco crível: depois dos atentados de Munique, Israel encarrega um grupo de amadores de liquidar os responsáveis pelo assassinato dos seus atletas. Esse amável grupo excursionista não tem uma pálida ideia onde se encontram os alvos. Embebeda uns alemães que falam de Marcuse, mas que em troca de champanhe e uns milhares de dólares dão um contacto que permite chegar a um misterioso grupo francês – uma espécie de Máfia familiar, filmada numa bucólica quinta, com uma luz dourada à David Hamilton, em que o chefe do clã é, para além de todos os mistérios, um esclarecido cozinheiro – que passa a vender tudo ao nosso comando judaico: localizações, armas do tempo da guerra da Crimeia que não funcionam e pontos de apoio. A inenarrável acção culmina com o encontro numa “casa segura” do comando justiceiro com um grupo de “alvos” palestinianos, ficando tudo em amena cavaqueira.
O realizador teve o cuidado de exibir previamente o filme aos familiares das vítimas e a um grupo de antigos agentes da Mossad. Conta no filme com a colaboração da actriz palestiniana Hiam Abbas, “conselheira técnica”, encarregue de garantir a credibilidade das cenas com palestinianos; infelizmente não arranjaram ninguém da Kidon… Estas exibições visavam sobretudo desarmar a opinião pública judaica, com grande poder de influência nos Estados Unidos.
Apesar deste cuidados políticos, o filme não deixa de ser uma farsa. Pode-se mesmo afirmar que de boas intenções está o Inferno cheio.
Nota: Sobre o assunto, ler a excelente reportagem de Henri Guirchoun no Nouvel Observateur nº 2153.
NÃO HÁ COMO A “CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL” PARA DEFENDER A LIBERDADE DE EXPRESSÃO!
Os vencedores
Caricaturas (2)
A ideia de que o desenvolvimento científico e tecnológico implica um desenvolvimento ético, é falsa. Como se viu há uns anos na Libéria, é possível cortar um homem aos pedaços, castrá-lo, e matá-lo e filmar tudo com uma câmara Sony, para ser visto na televisão.
As câmaras de gás e os gulags são tão modernos como os atentados do 11 de Setembro.
O nazismo, o neoliberalismo, o estalinismo e o Islão radical são todos muito modernos.
Os fundamentalistas islâmicos de vários matizes, apesar de reivindicarem o seu suposto anti-ocidentalismo, são mais filhos do Ocidente do que do Islão tradicional. A convicção que une todos os modernos é a possibilidade de moldar a humanidade e o planeta a golpes de míssil ou de explosões de bombistas suicidas.
Quando o Financial Times , de 4 de Setembro de 2002, pela pena impoluta de Martin Wolf, garantiu que “o 11 de Setembro foi perpetrado por fascistas islâmicos” tinha toda a razão: de facto, como notou John Gray, o Islão radical é como o fascismo, principalmente por ser inequivocamente moderno. O fundamentalismo é um sintoma da doença da qual pretende ser a cura.
É muito interessante verificar, como escreve Amin Maalouf no “Les identités meurtrières”, que num passado recente os islamistas eram vistos, no Médio Oriente, “como inimigos da nação árabe e muitas vezes como espiões do Ocidente”. Foi o falhanço dos projectos de modernização nos países árabes que levou à expansão do fundamentalismo islâmico. A base de expansão, desse movimento, baseou-se em muitos dos desiludidos do socialismo e do nacionalismo nasserista. É nas universidades e com as centenas de milhares de licenciados desempregados, que o islamismo radical ganha forma.
Como escreve, um tal Kosrokhavar, citado por Castells: “Quando o projecto de constituir indivíduos que participem plenamente na modernidade revela o seu absurdo na experiência real da vida quotidiana, a violência converte-se na única forma de autoafirmação de um novo sujeito (…)A exclusão da modernidade adquire um significado religioso: de este modo a auto-imolação converte-se na via para lutar contra a exclusão.” (Castells, Manuel: “ La Era de la Information, Volume II, El Poder de La Identidad”, pag 43.
Caricaturas (ponto prévio)
Leio no Guardian, de hoje, que o clérigo radical islâmico, Abu Hamza foi condenado, na Grã Bretanha, a sete anos de cadeia, por incitar o “ódio racial”. Parece que a célebre “liberdade de expressão” não funcionou com ele…
Nesta tempestade das caricaturas, a propalada “liberdade de expressão” é um fait divers. Segundo o Diário de Notícias de ontem, a história desta crise é edificante: um autor de um livro xenófobo propôs “pinchar o Alcorão com sangue menstrual” e queixou-se de não ter conseguido desenhadores para caricaturar Maomé. O jornal dinamarquês Jyllands-Posten, que tem a propósito o belo facto de ter sido apoiante do nazismo, tomou o desafio em mãos e encomendou 12 caricaturas do profeta dos muçulmanos. Publicou, em primeira mão, o Guardian, que o mesmo expoente da liberdade recusou, recentemente, aceitar caricaturas de Jesus Cristo, sob a alegação que iriam “ofender as pessoas”. As cabecinhas bem pensantes cá do burgo, resolveram afunilar a questão das caricaturas para a liberdade de imprensa, como se cá no Ocidente e fosse um valor absoluto. É sabido que em Espanha o dirigente do Harri Batasuna vai ser julgado por dizer que o Rei de Espanha liderava “a camarilha” que manda; já foram proibidas caricaturas do rei da Bélgica, por “ultraje aos símbolos nacionais”. O sacrossanto mercado impede, em muitos países, a utilização do Tintin, Asterix e Rato Mikey nas caricaturas. No entanto, parece que Maomé com cabeça de homem bomba não vale um rato da Disney…
Talvez mais importante do que restringir a questão, à liberdade de expressão e liberdade de imprensa, seria analisar o conteúdo das ditas caricaturas e o que significa esta explosão das massas muçulmanas. No fundo, era interessante analisar onde nos levam estas dinâmicas tão caras aos apóstolos do “choque de civilizações”.