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«A Profecia de Saramago»

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No COURRIER INTERNACIONAL de hoje, o director Fernando Madrinha
publica o seguinte comentário.

«Ainda há pouco tivemos um ministro, por sinal com origem ideológica
idêntica à de José Saramago, a proclamar o seu iberismo. Agora, veio o
Nobel da Literatura profetizar, não pretendendo armar-se em profeta, que
Portugal acabará por integrar-se na Espanha. E que esta,
«provavelmente», pssará a chamar-se Iberia, como a companhia de aviação.
Saramago não explica como ocorrerá a integração – se por imposição de
Madrid, se a pedido dos portugueses, se por consenso ou osmose – mas,
interrogado sobre se Portugal passaria a ser uma província de Espanha,
responde: «Seria isso». Não precisa, pois, de dizer mais nada.

«Por natureza e definição, os profetas vêem mais longe do que o comum
dos mortais. Mas também acontece enganarem-se, ou, pelo menos, nunca
serem compreendidos. Pode ser o caso do nosso admirado Nobel. De
qualquer modo, esta não é a primeira ocasião, nem será a última,
decerto, que ele desce ao povoado, lança a sua provocaçãozita e deixa os
jornais a discuti-la, enquanto se recolhe ao sossego de Lanzarote,
talvez sorrindo de sarcasmo no seu íntimo. Ou de satisfação por ter-se
colocado outra vez no centro de uma polémica, ele que aprecia polémicas
e tem lucrado com elas – desde a censura de Sousa Lara, em que foi
vítima, até ao «Ensaio sobre a Lucidez», em que foi agente provocador.
Desta vez, houve em Espanha e noutros países até, quem se associasse à
discussão. Mas ninguém, por acaso, veio corroborar a sua leitura,
aplaudir a sua visão, concordar com o seu «projecto». Pior: ninguém o
levou muito a sério nem à sua profecia, o que não é bom para um grande
escritor que costuma gerir tão bem as suas intervenções e a sua imagem.

«Provocação ou «marketing» editorial, talvez ambas as coisas, estas
proclamações iberistas são daninhas e indesejáveis. Não por se recear
que alastrem ou desanimem os concidadãos mais duvidosos do seu
patriotismo, que sempre existiram. Apenas porque induzem em erro aqueles
que, não conhecendo os portugueses, passem a vê-los com o olhar
distorcido do Nobel; porque só ajudam a engordar o vírus da desconfiança
na relação entre os dois povos; e ainda porque, podendo promovê-lo e aos
seus livros em Espanha, rebaixam e diminuem muito o escritor em
Portugal. É pena, por Saramago. E muito triste que o nosso autor mais
celebrado seja tão azedo e displicente para com o país onde nasceu, a
ponto de não lhe importar que ele desapareça como Estado independente.»

Com um obrigado a Carlos Luna.

Conversa de café

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«O homem, pá, tem gosto naquilo. O gajo anterior também, claro. Mas tinha de dizer isso prá gente ver. Este, não. Entra pelos olhos que ele grama o ofício. Se calhar é até por isso que se
vai saindo… bom, assim. Tás a ver?».

Depois de ter visto a entrevista na Sic.

A pedido de várias famílias, foi-se ouvir melhor o registo. Mas as conversas de café são muito enigmáticas.

Este avisa. É amigo

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Na caixa de comentários da «Carta Aberta a José Saramago», a conversa continua. A última intervenção do comentador «MIRO» é do maior interesse. Dela destacamos:

«Acho que os iberistas portugueses têm uma visão muito idílica das Autonomias espanholas. Saiba você que as autonomias não têm direito de se separar do Estado, nem de chegar acordos com outros Estados, nem sequer de se unir a outras Autonomias. Saiba que nas ordenanças militares espanholas, fruto do fascismo, existe uma clausula chamada “supuesto anticonstitucional máximo”, que vem dizer que se houver o risco de que qualquer pedaço de Espanha, qualquer, se separa-se da Espanha, o exército estaria legitimado para evita-lo, desobedecendo incluso a ordens do presidente e do parlamento. Saiba também, questão esta não trivial, que a mais alta autoridade militar é o Rei.

«Para além disso, o peso relativo dos partidos nacionalistas “periféricos” no Governo no Estado está também claramente sobrevalorizado em Portugal. De facto, o PP espanhol tem intenção de rematar de vez com a influência das forças “minoritárias” instaurando um sistema a dupla volta, como o francês. Se o tal projecto chegar a se consumar, e chegará, tão logo como o PP obtiver uma maioria absoluta, o peso político duma hipotética Comunidade Autónoma de Portugal (CAP) no Reino de Espanha seria zero. Aí Portugal diria, não, não, assim não jogo, voltamos ao de antes, e o exército espanhol teria o direito de intervir unilateralmente sem escutar o Parlamento para evitar a ruptura da “pátria”.»

MIRO

Leia mais aqui.

Retrato público

Não faço a mínima ideia de quem é ele, o poeta. Digo mais, com a comodidade da ignorância: se soubesse quem é, sentir-me-ia mais incomodado ainda, tão impiedoso é o retrato. E tão impiedoso que, mesmo que o soubéssemos inventado, continuaria a incomodar.

São assim os retratos, todos os retratos, de J. Rentes de Carvalho. E eu posso dizê-lo, que já tive
de me reconhecer num. Só não consegui (há destas sortes) inspirar-lhe a qualidade deste.

Desajeitados

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«Muitos intelectuais», escreveu Marguerite Duras, «são amantes desajeitados, tímidos, assustados, distraídos. Isso não me incomodava sempre que percebia que quando estavam longe de mim eles eram escritores igualmente distraídos do seu próprio corpo». E Pedro Mexia transcreve-o num artigo de ontem no «Ípsilon» («Ypsilon» tinha outra graça) do Público. Você não deitou fora, pois não?

«É uma bela expressão: “distraídos do seu próprio corpo”», prossegue Mexia. «Como se o corpo não fosse o corpo. Como se o corpo dos escritores fosse o seu texto e o corpo propriamente dito um facto vivido distraidamente».

E eram – dizia-se – uma classe invejável. Porque amantes, amantes, são mesmo os trolhas. Lentos, exactos, e duros.

Ainda mexe

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O nosso post Portugal: queremos ‘isto’?, de 19 de Abril de 2006, continua, passado mais de um ano, a ser comentado. Vai em 91 intervenções, algumas recentíssimas.

Pela mesma altura, lançámos aqui posts, vastamente comentados, como Líricos, pobres e ibéricos, de onde se tirou a ilustração acima, e ainda Ibéricos e levianos, a pretexto do ministro Lino, o tal.

Para lembrar que somos velhos nisto.

CARTA ABERTA A JOSÉ SARAMAGO

Do DIÁRIO DE NOTÍCIAS de hoje

Muy señor mío, Me perdonará Usted mi pobre castellano, pero desde anteayer me entero de la urgencia de praticarlo. Al “Diário de Notícias” de Lisboa predijo Usted esto: “Acabaremos por integrar-nos” en España. Preguntado por el periodista João Céu e Silva si nuestro país seria entonces “uma província de Espanha” (le sigo citando en nuestro antiguo idioma), Usted contestó: “Seria isso. Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galiza, Castilla La Mancha e tínhamos Portugal”.

Claro, nos asegura, podremos conservar nuestra lengua, nuestras costumbres, y así mismo creo yo nuestro fado, pero (no lo dijo, uno entiende) nos gobernaría el jefe de estado madrileño del momento. Y aunque diga Usted que no es profeta, no hay que olvidar su proverbial modestia. En fin, para gente sencilla como yo, sus palabras son un caritativo aviso del destino.

Pues, señor, no y no. Usted, el más famoso de mis compatriotas, se permite en público unos juegos muy guapos de futurología. Pero se los guarde para sus libros, los cuales están perdiendo el suspense de antaño. Créame, el real futuro de un Portugal integrado en España lo conocemos ya muy de cerca. Está visible en la Galicia de hoy, donde la lengua dominante, y los derechos dominantes, y los partidos dominantes, son los de Madrid. Esto no es futurología, sino lo qué uno ve. Si quiere verlo.

No creo que sea su caso, Don José. Me contaran que, hace poco, visitó Usted Galicia invitado por el Pen Club. Le rogaran que hiciera su discurso en Portugués. Todos podrían entenderle, sin problema, si hablara en nuestra hermosa variedad de gallego. Usted – como otras veces ya en Galicia – recusó y habló en Español.

Muchas gracias en realidad. Ahora sabemos cómo hablarán, en la Provincia española de Portugal, los futuros traidores.

Fernando Venâncio
Amsterdam, 17 de Julio de 2007

Escrito na pedra

Falar de pátria tornou-se politicamente incorrecto, sendo provável levar com
um carimbo bolorento. Cumpre dizer que tal reacção só aumenta a urgência
de levantar Portugal do marasmo que já faz muitos preferirem o consumismo
espanhol à liberdade lusitana.

Valupi
18-VII-2007

Isto não pode ficar numa caixa de comentários.

Preparados para a loucura

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Há milhares, talvez milhões, de espanhóis que acham que enlouqucemos. Que estamos, crianças inconscientes, a brincar com o fogo. Percebe-se. A habituação à ideia de nos integrar-nos na Espanha torna a coisa plausível, quase óbvia.

O paradoxal, o perverso, é que a estúpida Lisboa centralista torna aceitável o sermos, já agora, um pouco mais centralizados. Centro por centro, mais vale um rico e poderoso, não é?

Mas quem pode, um segundo sequer, desejar-se numa Espanha em que metade vota num PP, onde, ao lado de gente inteligente e sadia, se acoita tudo quanto é fascista (o termo não é exagerado), ao ponto de determinar o rumo do partido? A malta não lê jornais? Ou os jornais não informam?

Talvez que, um dia, quem nos salve da loucura seja a própria Espanha, que não quererá ver-se a braços com mais uma região desestabilizadora dum conjunto, já de si, preso por arames (veja-se o que restou do Estatut catalão depois do banho madrileno). Portugal? No, gracias. Ah, grandes espanhóis!

Iberia según Don José

Era inevitável. Até o sisudo El País se péla por uma destas.

E há um inquérito: ¿Qué le parece unir España y Portugal, como dice Saramago?

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AZUL Estupendo, ganaríamos 10 millones de habitantes e igual tendríamos alguna opción en el Mundial de fútbol.
CINZA Fatal, a los portugueses les costó ser independientes y les va muy bien como están.
BEIGE Me da igual, pero pasar a llamarse “íberos” da grima.

Siga o desarollo da encuesta aqui. E divirta-se. Enquanto o Cristiano for nosso.

Compreensibilidade

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Ontem na rubrica Pisa-Papéis do «Expresso»

Nos planos de José Sócrates, as relações da Europa com o Brasil devem primar pela «compreensibilidade» e pela «coerência». Assim o disse, há dias, na RTP. A coerência entende-se. Mas terão essas relações de ser, também, compreensíveis, transparentes? É o óbvio, para além de ser redundante. Ora, o contexto indicava que, ao pedir «compreensibilidade», o actual presidente europeu desejava que as relações fossem amplas, multiformes, abrangentes. Aquele «compreensível» português está, ali, sugando tranquilamente semântica ao «comprehensive» inglês. Em Bruxelas, isto facilita a vida aos intérpretes. Mas, numa televisão portuguesa, semeia a perplexidade.

Esta deriva semântica vem atingindo, de há tempos, outras palavras portuguesas, sobretudo adjectivos e advérbios, sempre sob a pressão do inglês. É o caso de «específico», usado em vez de «concreto». «Houve várias ameaças específicas», lia-se há pouco no «Público». E é corrente lermos e ouvirmos «neste caso específico» por «neste caso concreto». Observe-se, também, o uso de «dramático» por «drástico», «radical». «O mundo mudou dramaticamente», dizia um locutor da TVI, no sábado passado, apresentando as 7 Maravilhas. Ele queria dizer «radicalmente», «drasticamente».

Assentemos nisto: o mal não é importarmos do alheio. No passado, chegaram-nos milhares de vocábulos, primeiro por via do castelhano, depois do francês, recentemente do inglês. O que transtorna o idioma é a pacóvia importação da semântica.

Assim, quando lemos que alguém chegou ao fim da vida «virtualmente cego», ou que certo político soube «virtualmente pela imprensa» da sua demissão (tudo de novo no «Público», o nosso diário de qualidade), que entendemos? Nada. Até vermos que há um decalque de «virtually», que significa «praticamente», «quase». A balbúrdia agrava-se com «eventualmente», usado no sentido inglês de «finalmente», «por fim». Diz-se-nos que um doente «eventualmente morreu», quando o pobre senhor «acabou por morrer». Já o novo sentido de «aparentemente» estabeleceu, esse, a confusão total. Detenhamo-nos aqui.

O inglês «apparently» (tal como o francês «apparemment») não corresponde ao nosso «aparentemente», que quer dizer «só na aparência, não na realidade». O termo inglês (e o francês) é bem mais positivo e significa «como tudo indica», «pelos vistos», «ao que se sabe», «segundo consta» e mais formosíssimos giros pátrios. A cópia apatetada da semântica alheia conduziu, hoje, à perfeita indefinição. Quando ouvimos que «o incêndio aparentemente está dominado», ficamos hesitantes entre o alívio e o desassossego. E quando se pergunta a alguém «O Zé é rico?» e nos respondem «Aparentemente», o Zé continua o mistério que era.

Que fazer, pois? Isto, que é decisivo: percebermos que este nosso idioma, sendo primoroso, é também frágil e requer vigilância. Que, deixado a si, não se safa.

Fernando Venâncio

Podem chamar-me «Joaquim»

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Conhece o Joaquim? Claro. É o fulano que o ensina a cruzar Portugal, a Península, a Europa. Diz-lhe que daqui a cem metros deve virar à direita, que daqui a duzentos tem uma estrada com prioridade, que daqui a uns quilómetros a direito… está lá.

Pois é, o Joaquim. Simplesmente, ele, o dono da voz, nunca foi «Joaquim». Arranjaram-lhe esse nome, que alguns acharão eufónico, outros não.

Mas é sempre um gosto ouvir dizer: «Ontem levaste-me à Cruz da Picada em Évora». Ou então: «Há dias tive que ir ao Bairro Céu Mendes, em Viseu. Você fez-me cá um jeito!».

Por um prazer destes, podem chamar-nos Joaquim.

Eu daria tudo

Pois é. «O que eu não daria para tê-lo (ou tê-la) aqui, cinco minutos que fosse!», dizemos. Pura leviandade. Sim, a sério, quanto estaríamos dispostos a dar pelos cinco minutos, por dois, por um? Mil euros? Quinhentos? Cento e cinquenta? Nunca fazemos as contas. Ao desejo e ao porta-moedas.

E quando o desejo é grande, e dizemos «Eu daria tudo…», isso é mesmo a valer? Tudo? O emprego, a casa, a segunda casa, o carro, as férias às cálidas caribenhas areias – tudo, mesmo?

Às vezes, a língua humana embaratece muito.

De pasmar…

… é o artigo «Engenho luso», hoje, no Público, de Carlos Fiolhais. Começa assim:

O New York Times de 29 de Junho último relatava aos americanos um facto pouco conhecido deles: “Uma versão da Internet foi inventada em Portugal há 500 anos por uma mão-cheia de marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era grosseira. As ligações eram instáveis. O tempo de resposta era muito lento (uma mensagem enviada nessa rede podia demorar um ano a chegar). Mas eles construíram-na. Estavam sedentos de ter acesso ao mundo.”

De pasmar, disse eu? De arregaçar as mangas, pá.