Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Vidas Épicas

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É oficial: O Espectro
vai adoptar um hino. A letra vai ser “O Fardo do Homem Branco” de Kipling, a música é uma versão do Playback de Carlos Paião.
Cá fica a letra, tão actual e singela:
“Take up the White Man’s burden–
Send forth the best ye breed–
Go bind your sons to exile
To serve your captives’ need;
To wait in heavy harness,
On fluttered folk and wild–
Your new-caught, sullen peoples,
Half-devil and half-child.

Take up the White Man’s burden–
In patience to abide,
To veil the threat of terror
And check the show of pride;
By open speech and simple,
An hundred times made plain
To seek another’s profit,
And work another’s gain.

Take up the White Man’s burden–
The savage wars of peace–
Fill full the mouth of Famine
And bid the sickness cease;
And when your goal is nearest
The end for others sought,
Watch sloth and heathen Folly
Bring all your hopes to nought.

Take up the White Man’s burden–
No tawdry rule of kings,
But toil of serf and sweeper–
The tale of common things.
The ports ye shall not enter,
The roads ye shall not tread,
Go mark them with your living,
And mark them with your dead.

Take up the White Man’s burden–
And reap his old reward:
The blame of those ye better,
The hate of those ye guard–
The cry of hosts ye humour
(Ah, slowly!) toward the light:–
“Why brought he us from bondage,
Our loved Egyptian night?”

Take up the White Man’s burden–
Ye dare not stoop to less–
Nor call too loud on Freedom
To cloke your weariness;
By all ye cry or whisper,
By all ye leave or do,
The silent, sullen peoples
Shall weigh your gods and you.

Take up the White Man’s burden–
Have done with childish days–
The lightly proferred laurel,
The easy, ungrudged praise.56
Comes now, to search your manhood
Through all the thankless years
Cold, edged with dear-bought wisdom,
The judgment of your peers!”

A entrevistadeira

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Certamente ao contrário dos meus colegas na direita, eu tenho a maior das considerações pela Dra. Maria José Morgado. Parece-me evidente que uma mulher que trabalha tanto, com tantos sucessos acumulados e que mesmo assim consegue dar entrevistas de 15 em quinze dias só pode ser merecedora da maior das minhas considerações. RMD

A prosperidade em Viseu

A gente não se pode zangar por causa de tudo. Isso deixa-se aos profissionais da indignação. No terreno do idioma, por exemplo. E, assim, a gente deve fechar os olhos a «entrada proíbida», a «retire o titulo», a «SAIDA», a «POLICIA» nos carros dela. Deve, porque não valem uma úlcera em qualquer parte.

Mas abro uma excepção [em versão anterior estava excessão, eu não sou melhor que os outros, embora mo diga] ao que hoje se ouviu na SIC-Notícias. Era uma peça sobre a visita de Jorge Sampaio a uns concelhos de Viseu, aonde ele ainda não tinha ido no decurso dos dez anos. E mostrava-se a nova (o novo?) Viseu, longas avenidas, centro regurgitante. Em suma: Sampaio visitava um distrito de «aparente prosperidade».

Aparente? Parece prosperidade, mas não é? Nassenhora: é próspero, tá-se a ver. Então em que ficamos?

É assim. O autor do comentário sabe o seu inglês, língua onde «apparent» quer dizer «aparente», portanto «enganador», mas também «nítido», «visível». Mas que em inglês haja confusão não justifica que a importemos.

Eu sei que é bradar no deserto. Hoje, pergunta-se a alguém «O fulano é rico?», e respondem-nos «Aparentemente». E a gente fica sem saber se é ou não é. Se é, «como tudo indica», «pelos vistos» («apparently», «apparemment»), ou se não é, como sempre se quis dizer entre nós. Bradar no deserto, repito. Ninguém percebe, e não quer perceber. Não é com eles, claro.

Mude-se a língua, amigos. A nossa língua é viva da costa. Mas, por favor, não se instale a confusão.

Uma excelente ideia

Perguntaram uma vez a Gandhi o que achava ele da civilização ocidental. Respondeu o homem:

“Acho que seria uma excelente ideia”.

Já Vasco Pulido Valente, outro grande exemplo de ascetismo e contenção, não tem o menor problema em escrever o seguinte:

“A tirania do “politicamente correcto” já não permite pensar que a civilização greco-latina e judeo-cristã da Europa e da América é uma civilização superior; e superior, muito em especial, à civilização falhada muçulmana e árabe. Mas, quer se pense quer não, o facto permanece […]” [no Público, só para assinantes]

Só para tirar dúvidas, eu gostaria de saber se esta civilização superior de que fala Vasco Pulido Valente é a mesma que há duas gerações atrás matou milhões de pessoas nas câmaras de gás, nos campos de concentração e de batalha, nos bombardeamentos aéreos com armas convencionais ou nucleares, nos gulag e nas purgas internas, para não falar nas guerras coloniais. Reparem: não estou a falar da Inquisição nem da Guerra dos Cem Anos, mas de coisas que ocorreram na infância de Vasco Pulido Valente. Coisas que nos devem dar um pouco de que pensar antes de falar da superioridade de civilizações assim como os meninos falam do tamanho das pilinhas. Num caso como noutro, não importa qual é a maior, mas sim o que podemos fazer com elas.

[Rui Tavares]

Fumigações e enigmas

Quando se tem um jornal e algum tempo pela frente, lê-se qualquer coisa. Quando se tem um jornal e muito tempo pela frente, lê-se bastante mais. Imaginem o que sejam dois jornais e muito, mas mesmo muuuito tempo pela frente. Sucedeu-me isso hoje.

Eu tinha já despachado o Público, quando o meu companheiro do assento adjacente deu por vasculhado o seu Correio da Manhã. Ah tempo, ah um jornal! suspirei. E, valente, sem a intelectualidade portuguesa o olhar-me por cima do ombro, fui indo, indo, e cheguei até ao «Desporto».

Num impulso de temeridade, li uma crónica desportiva. Era sobre o Pinto da Costa e a sua draconiana claque. E falava do treinador, o meu compatriota Adriaanse. Ora, e aviso, não vai ser questão nem do presidente nem do seu (se bem percebi) periclitante técnico. É pura questão de língua portuguesa, esta sagrada minha.

O autor da crónica, Rui Santos, exprimia-se assim:

«O problema é que Adriaanse não está nem na Holanda nem em Inglaterra. Co Adriaanse está em Portugal, num campeonato fraco, de pequena exigência…»

Até aqui percebo. Mas leiam comigo.

«…em que os jogadores não projectam uma cultura técnico-táctica e físico-atlética capaz de assimilar uma nova e fracturante conceptualidade».

Perceberam?

E depois, Valupi, a ti me queixo, a crítica literária do Expresso é que se exprime em enigmas e fumigações.

A liberdade da islamofobia

Como de costume, neste país treslê-se o que se ouve e escreve. Disse no “Expresso” e no “Eixo do Mal” que “dou” aos muçulmanos todo o direito de se indignarem (desde que pacíficamente) da mesma maneira que “dou” aos jornais europeus todo o direito a parodiar Maomé. Dito isto, fui acusado de defender a violência dos muçulmanos (apesar das vezes que repeti que esse protesto só é aceitável se for pacífico) e de defender a limitação da liberdade de expressão (apesar das vezes que repeti a defesa da publicação dos cartoons, de quaisquer cartoons).

O que não aceito é que, só porque alguém usa da sua liberdade de expressão, não possa ser criticado. O que não aceito é que os muçulmanos, se reagem, são fanáticos, mas se os judeus reagem e chamam a meio mundo de anti-semita logo se explique que têm boas razões para isso. O que não aceito é que Cristo e Moisés sejam intocáveis na Europa e Maomé motivo recorrente de galhofa. O que não aceito é que se alguém que não seja judeu mande uma piada sobre judeus seja imediatamente suspeito de simpatias nazis e quem maltrate os muçulmanos apenas esteja a usar da sua liberdade de expressão. O que não aceito é que uma manifestação de muçulmanos seja sempre uma manifestação de “fundamentalistas”, uma manifestação de cristãos seja uma manifestação de “conservadores” e uma manifestação de judeus seja uma manifestação de “judeus”. O que não aceito é que haja “judeus ortodoxos”, “cristãos conservadores” e “islâmicos” (por isso, sempre “ortodoxos” e “conservadores”).

Sou contra a criminalização da liberdade de expressão. Sou contra a criminalização de opiniões homofóbicas, racistas, fascistas, negacionistas do Holocausto. Sou contra a proibição de ofender símbolos nacionais e de os destruir. Sou por toda a liberdade de expressão. Mas toda. E lamento que tantos só se lembrem dela quando se trata dos muçulmanos. Que tantos só se lembrem dos direitos da mulher quando se fala de muçulmanos, só se lembrem da separação entre Estado e Igreja quando se fala de muçulmanos.

Sei apenas o tempo em que vivo. E sei que a islamofobia é um dos maiores perigos que a Europa vive. Defendo a liberdade de todos os islamofóbicos. Mas não estou do lado deles. Como defenderia, nos anos 20 e 30, toda a liberdade aos anti-semitas para falar. Mas estaria na primeira linha contra eles. Infelizmente, faltou então quem se lhes opusesse. Como falta agora quem defenda os muçulmanos do preconceito.

PS: Uma associação islâmica belga está a publicar cartoons anti-semitas e a brincar com o Holocausto. E agora? Com nojo, digo que têm liberdade para isso. Com nojo, nojo, nojo. Espero que me caiam em cima os mesmos que antes, pelo nojo que agora sinto.

Cineterapia

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O Homem da Câmara de Filmar_ Dziga Vertov

Este filme mostra, entre muitas outras coisas, miúdas a jogar basquetebol, câmaras de filmar montadas em motociclos, senhoras obesas em ginásios, um chinês a fazer truques de magia para um grupo de crianças loirinhas, alguns sem-abrigo a dormir na rua, uma bicicleta para exercícios em casa, telefones de modelos variados, espectadores numa sala de cinema assistindo a efeitos especiais no ecrã, filmagens do quotidiano urbano a partir de um automóvel descapotável, um parto, montras cobertas de publicidade e topless em praias. Terá sido filmado algures na América, no ano passado? Quase. Foi filmado na Rússia comunista, em 1928.

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Constipation

Há uma idade para ter excelentes ideias. Todos passamos por ela. E depois há uma idade para ter boas ideias. Raros lá chegam. No resto do tempo, lidamos com as ideias dos outros.

Esta é uma das minhas excelentes ideias: reunir um grupo heterogéneo de pessoas dedicadas a ter ideias. Quais, pessoas e ideias? Pessoas com ideias, ideias para pessoas. Como se vê, é uma excelente ideia que muita gente com ideias tem.

Mas nunca num blogue. Reunir pessoas com ideias num blogue resulta sempre no afastamento das pessoas por causa das ideias, como se vê consecutiva e até sistematicamente. As pessoas teriam de ser reunidas numa sala e de lá só poderem sair com as tais ideias que viessem a dar ideias às pessoas que precisam e gostam de ideias. Esta última ideia, porém, é capaz de ser uma má ideia.

Pelo que está a faltar uma boa ideia.

Sozinho em casa II*

Noutro tempo a Fidalguia
Que deu brado nas toiradas
Andava p’la Mouraria
Onde muito falar se ouvia
Dos Cantos e Guitarradas

A história que eu vou contar
Contou-me certa velhinha
Certa vez que eu fui cantar
Ao salão de um Titular
Lá para o Paço da Rainha

E nesses salão doirado
De ambiente Nobre e sério
Para ouvir cantar o Fado
Ia sempre um Embuçado
Personagem de mistério.

Mas certa noite ouve alguém
Que lhe disse, erguendo a fala:
– Embuçado, nota bem:
Que hoje não fique ninguém
Embuçado nesta sala!

Perante a admiração geral
Descobriu-se o Embuçado
Era El-Rei de Portugal
Houve beija-mão real
E depois cantou-se o Fado

RMD

*com mais de duas linhas!

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